domingo, 18 de agosto de 2024

Acredite em milagres


Bukowski me disse que - aos 50 anos - trabalhava o dia todo

e só escrevia à noite.

Claro, sacava que já estava detonado e tinha,

algumas vezes, ideias suicidas, e uma delas

é o conhecido procedimento padrão:

muitos porres e ressacas.

Em algum momento, percebeu que precisava tirar o pé

e se alimentar melhor e se afastar dos destilados.

Impressionado com a franqueza do meu mestre,

cheguei no Alvorada’s e lá estava o Marcão.

Papo vai, papo vem, tive a coragem de dar-lhe uns “conselhos”,

algo como nos mantermos vivos por mais umas 2 décadas 

- quem sabe?

A saída, meu amigo – enfatizei -, é diminuirmos na cachaça

e praticarmos uma alimentação saudável.

Marcão, cheio de histórias para contar e, portanto, sem tempo

para ouvir as histórias dos outros, se ligou no meu papo.

Palestrei sobre os benefícios dos cereais matinais,

ovos galados cozidos e brócolis e couve

refogados com azeite de oliva.

Foi chocante: Marcão afastou o copo e, inclusive,

as tantas doses diárias de Natu Nobilis,

sugou apenas 2 taças de vinho e foi para casa

comer uma sopa de legumes

e assistir uma série na Netflix.

 

(B. B. Palermo) 

sábado, 17 de agosto de 2024

O último a sair apague a luz

 

Pode ser que a qualquer momento surja algo surpreendente,

talvez a recompensa aos nossos brados

- como aquela torcida de um clube mineiro, gritando no estádio,

quando tudo parece perdido:

- EU ACREDITO!

Algo que abra o caminho como o trem de madrugada

cortando a neblina e arrastando o que vier pela frente.

Já estamos meio cansados das histórias que se repetem,

bem ou mal contadas, de tentativas e recuos

e muitos fiascos, é certo.


 

O X-Tudo aguarda sobre a mesa numa embalagem de isopor

e sei que ele vai esfriar.

É a última dose e logo estarei em casa, sentado no sofá, vendo TV.

O aquecedor roça meus pés como um cãozinho fiel,

trens vão e vêm e centenas de aviões subindo e descendo e,

para meu espanto (deleite?), um deles despenca dos céus

e a tragédia entope os noticiários e a TV -

mesmo sendo um mordomo pouco criativo -

me oferta de tudo:

análises dos peritos, relatos dos familiares das vítimas e etc. etc.

Lembro o que disse uma de minhas musas, Fernanda Torres:

- A vida é dialética!

Vida louca louca...

Um Xis-tudo requentado, misto de teatro,

bombas H descendo dos céus e multidões aguardando

a volta de Jesus.

A TV mandando ver, o aquecedor é meu servo preferido neste inverno

e até penso que vodca é água benta...

Aí, só me resta imaginar como seria legal

de novo embaralhar todas as cenas

e ser o último a sair pra então apagar a luz.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O preço que se paga


 


Cara, às vezes sinto algo estranho

e que dá uma aflição.

É assim: eu posso, quero e até leio bons livros,

e sei o quanto isso é importante para minha alma

e sensibilidade e imaginação e etc. e tals.

Livros esses que meus familiares e seus pais

e os pais de seus pais nunca leram.

Estão perdoados, sempre estiveram ocupados

em “ganhar” a vida.

Parece que exageraram em apostar todas as fichas

em outras vidas, melhores do que a

que tiveram por aqui.

Não consigo adiar pra amanhã o mel e o fel

que desfruto neste cotidiano.

Cada vez mais me convenço

de que um dia (aleatório) vou dormir

e não mais acordar.

Velho, vai ser um belo sono (eterno), hein?

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Escreveu hoje?



 

À tardinha, quando chego no Alvorada,

o Eder sempre pergunta:

- Escreveu hoje?

A semana enrolando e amanhã já é sexta

e já passa da metade do mês e eu escrevendo

por** nenhuma e levando uns esporros

do meu amigo do bar. Decidi mentir:

- Bah, véio, hoje foi o dia mais produtivo de agosto!

Matei a pau, tive uns insights e tá vindo aí meu primeiro romance!

O Eder abriu aquele sorriso de torcedor colorado

cheio de esperança e foi até o freezer:

- Maravilha, Cadelão! Esta cerveja é por conta da casa!

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Almocei meu pai

 

Na adolescência,
almocei meu pai.
Hoje, poeta porque bebo,
ou bebo porque poeta,
sinto cada vez mais a sua falta.
Já se passaram 37 anos que ele partiu
pra nunca mais.
Ele almoça e janta e prepara o café da manhã
e me dá sábios conselhos.
Dança em minha memória
e é o meu melhor
amigo.
Mas não esqueço das surras
patrocinadas
pelo cinto de suas calças
toda vez que fui dedurado
por mamãe.
(B. B. Palermo)

terça-feira, 30 de julho de 2024

Caminhando na chuva sem me molhar


 

Apresentação

 

Sábias agudezas...

Refinamentos...

‒ Não!

Nada disso encontrarás aqui.

Um poema não é para te distraíres

Como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.

[...]

Um poema que não te ajude a viver

E não saiba preparar-te para a morte

Não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.


(Projeto de Prefácio ‒ Mário Quintana)

 

Nem agudezas, nem refinamentos encontrarás aqui. Nem temas meramente trazidos para a distração nas imagens caleidoscópicas colhidas pela óptica de Palermo em pequenos fragmentos coloridos. Por seus espelhos articulados, Palermo produz imagens refletidas do universo em que habita e de onde extrai a matéria-prima de sua prosa poética. É na beleza de seu lugar que o poeta encontra razões pra cantar, seja pra festejar, seja pra protestar.

É das intervenções e vivências próprias e, também, do insuperável e inseparável Beiço, do Porko, do Dr. Biza, da Janete, da Janusa, do Damo do Cachorrinho, do Manetta, do Zé, do Cabezón, do Marcão e de outros tantos que produz reflexões sobre o seu aqui e agora ‒ o espaço-tempo atual em que vive. É de sua escassa economia e das contas, inclusive, no bar em atraso, da indubitável hiper hipocondria revelada numa ‘picada’ de taturana, da vaca de presépio a que é reduzido pelo megalomaníaco Dr. Biza e da observação da vida como ela é que ele conclui que a vida é curta demais pra ser pequena.

E ser pequena significa não poder ser desperdiçada em coisas sem relevância. Daí talvez seu viés um tanto escatológico, sem reduzir-se a isso como personagem, quem sabe como estratégia de ‘ligar o f*da-se’ (numa alusão ao conhecido título de Mark Manson), para advertir sobre a necessária mudança de hábito no tratamento da realidade e dos limites do homem e da natureza. Talvez daí um tanto de mistério e misticismo no conto que dá título ao livro ‒Caminhando na chuva sem me molhar ‒, suscitando um quê de realismo mágico e de um novo modo de lidar com nossas adversidades, indiferenças e vulnerabilidades.

Nas trinta narrativas componentes da obra, ordenadas em sua desordem normal, Palermo dá voz e vez à sua pequena guarnição, talvez para não reduzir sua força a um exército de um homem só. Talvez sua maior qualidade seja o modo esquisito com que provoca arrepios naqueles que têm medo do novo, do diferente, do que incomoda o sossego. Talvez por isso, perdoamos-lhe alguns desvios (como o uso por vezes exagerado de alguns palavrões), até porque de perto ninguém é normal, mas que não vão além do mundo das palavras. Se, no Cosmos, a Lua gira em torno da Terra, a Terra em torno do Sol, o Sol em torno de outros astros ou galáxias, no universo da linguagem as palavras giram em torno das palavras, que giram em torno de outras palavras, num sem-fim de rotações e translações.

O perigo maior de Palermo talvez resida em ser, justamente, um poeta ‒ esses estranhos seres que têm, mais do que sangue, o coração nos olhos. Isso o impossibilita a ser ‒ apenas ‒ um ingênuo maldito. Isso o torna capaz de conversar com Deus e o Diabo em qualquer chão, de ir dos píncaros às profundezas, do sublime às sublimações e, de repente, dos pensamentos às ações. E mais: faz isso tudo com boas pitadas de ironia, de humor, de amor. Seja em busca de sentido para um mundo absurdo, seja denunciando o absurdo de um mundo sem sentido, Palermo provoca o leitor a refletir sobre a condição humana.

Parodiando Saint-Exupéry em “Carta ao General X”, quem sabe Palermo denuncie que “não é possível viver-se só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas, não é mesmo? Não é possível! Não é possível viver-se sem poesia, sem cor e sem amor. [...] Nada mais resta do que a voz do robô da propaganda. 8 bilhões de homens, nos tempos de hoje, não escutam mais do que o robô, não entendem mais do que o robô e estão se transformando em robôs”. 

E talvez o nosso poeta traga novidades em sua próxima aparição: promete passar uma temporada em Palermo, para “tentar compreender de onde venho e por que sou assim, meio doido”. É esperar para ver.

Carlos Silveira

Ijuí, janeiro de 2024.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Algo acontece em Marte

 

As frases perambulavam na cabeça

como outdoors nas esquinas,

e eu ainda acredito que a linha do horizonte, no final do dia,

vai me apresentar “mamãe” – a mulher da minha vida.

 

O marido investigava os consertos

que o cara do posto de combustíveis fazia no caminhonetão,

e ela sentada, séria, gostosa e contemplativa e de Ray-ban,

parecendo me observar, sentado num boteco,

a uns 10 metros.

Triste, eu duvidava de que ela tinha curiosidade,

embora eis-me aqui, quadrúpede em extinção,

maluco que viciou em escapulir do zoológico.

Eu a perdoo por não saber que ando por dentro das coisas

– além da fumaça do óleo diesel e do Glifosato e do 24d

que regam as terras desse Marte do Noroeste do RS.

 

Fitava-me, e parecia pensar:

- Como me livrar do MALA,

como sobreviver a um casamento sem emoção,

mas que garante dinheiro e status.

Coloquei-me no seu lugar:

sentir-me o pior por desejar alguma liberdade,

por não me adaptar a uma relação a dois.

 

No final das contas, ela só estava distraída 

focada em algo prático:

ao chegar em casa, colocar as roupas pra lavar,

dar um OI pras flores do jardim

e comidinha pros seus pets!

 

(B. B. Palermo)


domingo, 14 de julho de 2024

Tempestade

 

Suas fotos, nuns lábios carnudos

e cabelos de fogo,

botaram tudo abaixo

e desafiaram o meu mundo,

e então saquei que localizei

a minha tempestade!

Não importa se ela sabe que eu existo,

que escrevo histórias e poemas ridículos,

que sou politizado ou alienado – não importa.

Perdido, estou viciando num cometa

que me locupleta,

musa de lábios e cabelos

de fogo!

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 3 de julho de 2024

Milagres

 

Tudo é possível e permitido e assombroso

e me sinto vivo,

identificando outras notas musicais e etílicas

até vislumbrar, vejam bem, o milagre:

boa parte da vida acelerando feito doido

e agora, patético, bebo

com moderação.

Os postes de iluminação já não despencam

e não me assustam, e juntos – eu, o lixeiro,

os andarilhos e os cães – amanhecemos

comuns.

Vejam bem, garotos, o mundo de possibilidades

que se abre; ou, talvez, seja o começo do fim.

Temos as missas nas manhãs de domingo

e os passes no centro espírita,

até para justificar e acariciar

as recaídas.


Não estou sozinho.

Nuvens acenam quando se expandem no céu.

Gaivotas e outros bichos voam em círculos

anunciando a boa nova:

o que será? O que será?

Já não levo tanto a sério

a história (requentada?)

do Fernão Capelo Gaivota,

de voar mais e mais

alto,

treinando até a perfeição.

O milagre foi manter-se vivo

até aqui.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 30 de junho de 2024

Ela é uma estrategista

 

A guria me alimenta como se eu fosse desnutrido,

mas se ela soubesse o que passa na minha cabeça

perceberia que não sou verbo nem adjetivo.

Eu sou substantivo!

Alcança a cueca virada,

empurra o chimarrão com chá de erva-doce

e fala entusiasmada das roscas com sabor calabresa

que trouxe do mercado.

Pergunta, feliz:

- Gostou da minha rosca, meu bem?

Embretado, dou de ombros:

- Amei...

Estratégica, quer me distrair do bar e dos “falsos” amigos.

Seus papos e insinuações a respeito da decadência dos valores

que imperam no A. Texas, tenho certeza, são pura retórica.

Por Deus! Ela ainda acredita na minha salvação!

Tive um estalo (fodam-se, não é mania de perseguição!):

desconfio que ela deseja ser mais uma viúva do Texas

e vai tomar para si a minha fortuna...

Elas, as viúvas e não viúvas, têm o clube,

jogos de vôlei,

aulas de dança e teatro,

crochê, tricô, ioga, meditação

e musculação.

Eu tenho o bar e a parceria de alguns desajustados

e o campeonato de futebol pela TV que anda uma bos**

(o time que escolhi pra torcer não ganha de ninguém!).

Sinto um vazio, vocês sabem, uma falta de amanhã,

e não suporto jogos de bocha e canastra no clube.

Lá, os velhinhos se aproximam

como uns sacos vazios

e me escolhem pra ouvir suas histórias,

falando, falando e repetindo

seu glamoroso passado:

muito trabalho,

muita disciplina

e arte

nenhuma.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 29 de junho de 2024

Aprenda comigo, seu babélico!

 

Não abrace conclusões precipitadas,

não seja escravo das emoções,

como o fanático no futebol ou na política.

Exercite a moleira para não se aprisionar

na maçaroca dos teus pensamentos desaforados 

que te arrancam as calças

nas horas inesperadas.

Não te autoflagele, seu ridículo,

ria de ti mesmo numa gritaria delirante

e deslizante, como o são alguns ataques

de riso.

Corra até Iemanjá e tome emprestadas

uma dúzia de velas e dedilhe tuas preces e

acenda a fogueira dos sonhos até

emocionar o universo.

Aprenda comigo.

Meu olhar fez dúzias de oficinas

com os carentes de olhos, os que conhecem

todos os truques dos sentidos,

e com eles notei que nossos olhos foram desfocados

e corrompidos pelas leis e sistemas.

Aprenda comigo

(o imbecil, o babaca!),

e serás cristalino pois és um esperto

que tem um Lattes de fazer inveja,

pena que o povo não sabe o que é isso.

Também aprendo contigo, já que nos

parecemos:

quando nos olhamos diante do espelho

gememos com o que vemos

e que nos observa

do outro lado

 

da rua.

 

(B. B. Palermo)




Rua Jardim da Paz, 3030, apto 303

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