sábado, 3 de agosto de 2019

Por favor, Dona Flor, aceita teu marido de volta, aceita



Estava no bar do Telmo lendo jornal e bebendo algumas. Daí a pouco chegou um grupo de mulheres, duas delas com seus maridos. Um dos casais carregava um bebê de uns seis meses. Imaginem a operação envolvida pra se levar um bebê num jantar de amigos num bar, numa noite de inverno. Carrinho, cestinho, cobertores de lã, sacola com fraldas e mamadeira, etc., etc.
O brinde do reencontro foi pelo aniversário de uma amiga e, claro, com várias fotos para postar no Facebook.
Eu tentava escrever um poema para uma garota que trabalha numa confeitaria, perto de minha casa. Todo o dia queimo minha grana com sanduíches e doces, só pra vê-la se engraçar. Ela se exibe parecendo rir de minha cara mas, como me transformo num palerma quando me apaixono, não percebo nada.
O bebê choramingou.  A mãe falou pras amigas: “Ela não faz cocô há dois dias”. Disse uma outra: “Você precisa comer mamão. Essa fruta é laxante. Com a amamentação, isso passa pra criança. Vai fazer cocô logo logo”.
A mãe então lembrou de um episódio quando voltou a tomar cerveja, depois do período de gestação e da quarentena. “Fomos jantar fora. Tomei umas cervejas com meu marido. Em casa, antes de dormir, amamentei a nenê. Vocês não imaginam. Ela começou a rir que não parava mais. Pegou no sono às três da manhã!” Disse uma outra: “Criatura, você embebedou a criança”.
Como não tinha jeito de não ouvir o que conversavam, pedi outra dose pro Telmo. Uma das amigas foi até o carrinho e pegou o bebê no colo. “Nossa, parece chumbo!” A mãe disse: “Ah, não exagera”. “Dê pra ela meio comprimido de laxante. Logo, logo ela fica bem levinha”.
E foi assim que a inspiração ficou pra outro hora. Daí a pouco entrou no bar, meio desnorteado, um amigo meu de beber umas e outras em algumas espeluncas da cidade. Com aquela cara, pressenti que algo tinha acontecido. Fiz um sinal pra que bebesse comigo. Eu levo jeito pra psicólogo. Isso, gosto de escutar as pessoas contarem suas paranoias e tragédias, e o Flori me parecia com cara de trágico.
“Daí, meu amigo! Que cara é essa?” “Minha mulher meteu o pé na minha bunda”. “Putz... O que você aprontou dessa vez?” “Nada demais. Cara, tô casado há quinze anos. Juntos, construímos uma linda história. Temos nosso menino, o Pedro Geromel, e também um cachorro, o Cebolinha”. “Mas, assim do nada, tua mulher não ia te botar pra fora de casa”.
Então ele contou em detalhes o episódio que desencadeou a crise do casamento. Num sábado, depois do expediente, encontrou alguns amigos e decidiram conversar e tomar algumas cervejas. Estendeu-se, o dia passou rápido nesse sofrimento que é ir de bar em bar. A noite avançou, novos amigos, histórias de amores, festas e aventuras, e o MEDONHO esqueceu-se de voltar pra casa. Foi com a turma a um baile, num bairro da cidade.  Ele tentava me convencer, e concordei, de que essa fraqueza, por si só, não tem tanto poder para sacudir as bases da lei e da ordem do sagrado matrimônio. No dia seguinte, porém, na hora de colocar os fatos em panos limpos, meu amigo disse à esposa que chegou tarde porque havia sido convidado pro aniversário do filho de um amigo. Lá, o jogo de canastra invadiu a madrugada.
No baile Flori ganhou um prêmio. Nossa, Ele que nunca ganhou nada em sorteios, durante a vida toda! Era um frango assado, patrocinado por um mercadinho do bairro.
Dada a quantidade de cerveja que lhe subiu à cabeça, esqueceu-se completamente do galináceo. O baile foi um sucesso, e na segunda-feira pela manhã uma emissora de rádio anunciou os ganhadores dos brindes sorteados.
Pro seu azar, a esposa sintonizava aquela emissora, naquele instante.
Acusado de mentiroso e infiel, e pra dar uma resposta à altura dos anseios de familiares e amigos, Dona Flor botou a criatura pra correr. Arrependido, e morando de favor na casa de um parente, ele sente falta da esposa, do filhinho e do cachorro, sua pátria e porto seguro.
“Cara, fiquei tocado com tua história. Acho que isso não é motivo suficiente para acabar um casamento”. “Quando entrei no bar e te vi, fiquei pensando...” “No quê?” “Você, que é escritor, podia bolar uma carta pra convencer Flor a me aceitar de volta. Pode ser uma carta anônima”. “Hum, posso criar um pseudônimo”. “Faço um churrasco e ainda te pago meia dúzia de litrões se a carta convencer Flor a me perdoar...” “Fechado”.
No dia seguinte escrevi uma carta. Dizia assim:
Dona Flor, não necessito da sabedoria de um guru para afirmar que os dias atuais são muito perigosos.  Em cada esquina surge um anjo mau disposto a colocar minhocas em nossa cabeça, e levar nossos amores à perdição.
Cabe lembrar à senhora de que nem Flori, nem qualquer outro homem, funcionam como relógio suíço: certinhos, previsíveis, totalmente ajustáveis. Aliás, nem os homens nem as mulheres.
Para não ser acusado de machista, vou citar algumas frases ditas por mulheres, no livro “O amor de mau humor”, de Ruy Castro, com o objetivo de fazê-la mudar de ideia e aceitar seu marido de volta.  
Embora madame Stael diga que “o amor é a história da vida de uma mulher; e um episódio na vida de um homem”, convém prestar atenção no conselho de Dorothy Parker: “Conserve os dedos abertos... e o amor fica. Feche-os, e ele se desprende”.
Marido é coisa séria, dona Flor. Diz ZsaZsa Gabor: “Maridos são como fogo: extinguem-se se não forem atiçados”.
Quanto ao casamento, este nem sempre representa o paraíso. Diz Dra. Joyce Brothers: “O casamento não se compõe apenas de uma comunhão espiritual e de abraços apaixonados; compõe-se também de três refeições por dia, lavar a louça e lembrar-se de pôr o lixo para fora”.
Sem querer desanimar-te nesse sonho de manter reto o teu casamento, veja o que disse Helen Rowland: “Quando uma garota se casa, está trocando a atenção de muitos homens pela desatenção de um só”.
E para dividirmos as responsabilidades a respeito das dificuldades no casamento, diz Mae West: “Nunca pergunte a um homem por onde ele andava. Se não estava fazendo nada errado, não precisa de álibi. E, se estava, a culpa é sua, minha filha”.
 Dona Flor, Flori precisa muito de você. Tanto é que veio a público, como se esta carta fosse sua serenata e buquê de flores, para dizer-te o quanto te ama.
Depois dos puxões de orelha, o que seu homem mais precisa é de colo. Portanto, aceite-o de volta, abra-lhe as portas e acolha-o na segurança do teu abraço. Não se sinta humilhada; parafraseando François Truffaut, saiba que, no amor, vocês mulheres são profissionais, enquanto nós, homens, somos amadores.
Meu amigo colocou a carta anônima no correio dois dias depois. Antes do final de semana seguinte Flor o aceitou de volta, mas com algumas ressalvas, que ele preferiu não narrar.
Além da meia dúzia de cervejas e do churrasco no bar do Telmo, ele apresentou sua esposa ao autor da carta. Nesse momento tive consciência de minhas dores interiores... Quer dizer, gosto de ajudar a curar as dores de amores dos outros, mas não consigo ME AJUDAR. Por que será, hem meus amigos?
Ali, diante-daquela-flor-de-li-ca-dís-si-ma, fiquei louco pra narrar minhas leituras de Nelson Rodrigues, de que não amamos na presença, e sim na falta e blá-blá-blá... Porém... Ela disse que serei um escritor famoso. Então paguei mais uma dúzia de cervejas. Todos ficamos bêbados, cantamos abraçados e desafinados e fomos felizes por algumas horas.

(B. B. Palermo)

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