sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Havia uma bruxa em meu caminho



Toda a vez que a bruxa se queixa de que sua vida eterna terrena é monótona, eu sinto inveja.



Invejo-a quando ela diz que nada de novo se passa sob o sol, e logo embarca em sua vassoura Ford ka para mais um passeio panorâmico.


Ela tem o dia todo para fazer o que quer, enquanto os casais de minha cidade dispõem apenas do domingo à tarde para passear de carro em torno da praça, com seus cachorrinhos e o chimarrão.


Ela não sente a falta que sentimos, das noites de sábado e domingo, do tédio das lanchonetes e dos xis-burgueres gigantes, nem dos litros e litros de refri, e nem dos programas de auditório repetitivos, dos canais de TV.


Diferente de mim e de meus semelhantes, a bruxa não se preocupa com espelho, maquiagens... Nunca vai desejar vencer um concurso de beleza.

Invejo-a com franca admiração, por ela me passar a impressão de tranqüilidade e indiferença com relação às nóias diárias.


Quando fez seu contato de segundo grau eu quase pirei, porque falou que só ligou para minha voz – que era bela, clara, com uma boa dicção. Eu queria que ela captasse minha energia, o meu cheiro...


Morro de inveja porque a bruxa não é uma simples e previsível mulher: é magia, sedução e confusão.


Ela mentiu quando disse ao menino que estava fazendo regime e, depois, quando cuspiu nos pratos sugerido pela nutricionista.


A séculos ela come e não engorda. Se todos fossem como ela, a indústria dos produtos lights iria à falência.


Passou-me a perna quando fingiu se parecer comigo, um guri preocupado com os contornos avantajados da silhueta.


Agora eu sei. Apesar de tudo ela não é diferente de nós, humanos, também se faz valer de estratégias para angariar simpatia.


Feminina ao extremo, não me deixa decifrar seu olhar, adivinhar suas intenções.


Tive certeza, após ler a crônica do Luis Fernando Veríssimo, de que a bruxa é, no mínimo, uma “come e não engorda” - mais cômica do que trágica.






O come e não engorda


Ninguém é mais admirado ou invejado do que o come e não engorda. Você o conhece. É o que come o dobro do que nós comemos e tem a metade da circunferência e ainda se queixa:


— Não adianta. Não consigo engordar.


O come e não engorda é meu ídolo. Só não lhe peço autógrafo por inibição. Meu sonho é emagrecer e depois nunca mais engordar, por mais que tente. Quando eu diminuir, quero ser um come e não engorda.


Não se deve confundir o come e não engorda com o enfastiado. Este pertence a outra espécie. Não é humano. Pode até ser melhor do que nós, um aperfeiçoamento, mas não é humano. Afinal, o que une a humanidade é o seu apetite comum. Não é por nada que partilhar da comida com o próximo tem sido um símbolo de concórdia desde as primeiras cavernas.


Até hoje as conferências de paz se fazem em volta de uma mesa onde a comida, se não está presente, está implícita. Desconfie do enfastiado. Ele será um agente de outra galáxia ou um poço de perversões, ou as duas coisas. De qualquer maneira, mantenha-o longe das crianças.


Quando encontrar alguém na frente de um prato cheio só emparelhando as ervilhas com a ponta da faca, notifique os órgãos de segurança. É um enfastiado e pode ser perigoso. Sempre achei que as pessoas que comem como um passarinho deviam ser caçadas a bodoque. O seu fastio, inclusive, é um escárnio aos que querem comer e não podem.


Já o come e não engorda compartilha do nosso apetite, só não compartilha das consequências. Ele repete a massa e não tem remorso. Pede mais chantilly e sua voz não treme. Molha o pão no café com leite! E ainda se queixa:


— Há 15 anos tenho o mesmo peso.


O come e não engorda só parou de mamar no peito porque proibiram sua mãe de ficar junto no quartel.


Quando o come e não engorda nasceu, uma estrela misteriosa apareceu no Guide Michelin de restaurantes para aquele ano. O come e não engorda caminha sobre a sauce bernaise e não afunda. Multiplica os filés de peixe à meunière e os pães de queijo. Por onde o come e não engorda passa, as ovelhas se atiram para trás e pedem "me assa!". O come e não engorda tem o segredo da Vida e da Morte e, suspeita-se, o telefone da Bruna Lombardi. E ainda se queixa:


— Tenho que tomar quatro milk-shakes entre as refeições. Dieta. Dieta! E você ali, de olho arregalado.

Toda Lorena

  Olhava pro fogo mágico do entardecer, que mais parecia uma lareira mandando bem em viagens noutras esferas. Me encanto ao ver minha musa p...