quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Um taco de beisebol

 

Geni se sacudia todo

por entre as mesas do bar.

Indagava, em silêncio:

Cadelão, quando tu vai dar conta da dívida no bar, seu tareco?

Num silêncio de envergonhar, eu murmurava,

sem mexer os lábios:

Paciência, véio, pra este mês a Barrosa secou.

Olhos lacrimejados diziam, numa maleza de dar dó:

Estou quase quebrado, credores insensíveis

espalhados pelo mundo me deixaram na mão.

Investi meu patrimônio em criptomoedas e perdi tudo...

 

Geni me observava emburrado, parecia com falta de ar.

Faz uns serviços de servente de pedreiro, seu louco,

seja igual ao Porko, que passa o dia inteiro

alimentando uma betoneira num sol de 40 graus,

depois vem pro bar e bebe meia dúzia de litrão...

E nunca me deixou na mão!

 

Tive pena do peçonhento,

um dependente de bêbados e frustrados

se encharcando dia após dia no seu bar.

Não fazia ideia de que era sugado pelo cotidiano,

como o velhinho na calçada, conduzido pelo Pastor Alemão.

Nenhum deles imagina que está num beco sem saída, filosofei.

 

Geni esfregava os cabelos, parecia um piolhento,

caminhava pra lá e pra cá, como um pêndulo.

Eram os boletos soltando faíscas na gaveta, só pode.

 

Eu gemia sem tremer os lábios.

Havia um caderno velho, no balcão.

Ele mostrou uma lista generosa de devedores, uns bêbados chapados.

Me pareceu a ala psiquiátrica do hospital.

Nada que se pudesse comparar com seres sublimes e sujos, como eu.

 

Cadelão, não vacile, não seja como esses...

E então o Geni gaguejou, e foi servir-se de um litrão de Polar.

Bebeu aquele gole e aconselhou:

Presta atenção, parente. Eu conserto motor de carros velhos,

sou especialista em marcenaria, já vendi melancia

debaixo de lona na fronteira com a Argentina.

Troco chuveiro queimado, caixa de descarga,

instalo antena de TV e faço jogo do bicho.

 

Apanhei um copo e me servi da cerveja dele.

Geni, sutilmente, mostrou-me o taco de beisebol.

Cadelão, tu já sabe o que acontece com vagabundo

que não paga a conta!

 

Chegaram no bar umas garotas meio passadas.

Acho que agora eu falei num tom de voz mais elevado:

Diga, meu velho, o que pretendem tarde da noite

essas deusas veteranas?

Cadelão, não dê uma de James Bond pra cima

dessas senhoras, minha clientes preferidas.

 

Decidi ser o DJ do bar.

Apanhei o celular do Geni e coloquei um Rap a todo volume.

Não foi uma boa ideia.

Geni gritou da cozinha do bar, enquanto fritava uns bifes:

Tira essas tranqueiras, maluco, bota o Baitaca...

Bota "Do fundo da grota"!

Os bêbados em volta aplaudiram.

Foi então que eu percebi que há uma fronteira

que não deve ser ultrapassada,

pra não se correr o risco de morte.

Ainda mais depois que o Porko gritou, de um canto do bar:

Fuja, loko, olha o tako!!!

 

(B. B. Palermo)

 

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O show já começou

 

Que musa é essa

que posta fotos

sugestivas

usando máscaras

pretas?

 

Ela construiu suas amizades

compartilhando brincadeiras,

conselhos e segredos.

 

Não dá mostras,

por onde passa,

de que é tempestade.

 

Publicou fotos

embarcando num ônibus

rumo a uma praia

de Santa Catarina.

Olhar sério,

face misteriosa

protegida por uma máscara

preta

estilosa.

 

Um amigo comentou:

"Mina, tu parece

um Pit bull de focinheira!"

 

Quando está sozinha

ela é atenciosa,

carinhosa

e amiga.

Quando não possui

territórios afetivos

pra demarcar,

é um doce

de comer

até se lambuzar.

 

Já estive com ela,

já escalamos montanhas e paredões,

mandamos ver nas boas e ruins.

 

Ela não é comum.

 

Conheço algumas minas

que esqueceram

onde enterraram

o seu ouro.

 

Ela sobe no ônibus e sonha,

enquanto roda o baú de lata.

Assim que chegar lá,                                                           

assim que colocar o biquini

e desfilar na praia,

assim que postar as primeiras fotos,

eu saberei que o show

já começou.

 

(B. B. Palermo)

domingo, 26 de dezembro de 2021

Meu anjo está sempre de férias


Olho pra foto dela

que surrupiei do Facebook.

Olho a todo momento,

inclusive no bar

vendo as tragédias

do Grêmio.

Sentado na varanda,

meio bebum,

meio cético,

com a agenda ridícula

que prometo cumprir

assim que amanhecer.

 

Nariz engraçado,

difícil de desenhar,

olhos vivos de feiticeira

querendo me despir  

e fisgar,

cabelos empapados

de quem saiu a pouco

do banho.

 

Quando deliro esqueço

que ela é muito ocupada

com suas monografias,

com sua militância

e seus contos de fadas.

Esqueço que ela vive distante,

como se fosse meu anjo

 

que está sempre de férias.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Um chester de segunda mão

 

O Tiagão e o Wolverine apareceram no bar

com um chester meio devorado,

dentro de uma sacola plástica.

O Wolve exibia uma câmera fotográfica Sony

das bem moderninhas - e dê-lhe tirar fotos,

que saíam desfiguradas, bem do jeitinho

como anda o mundo.

É que nosso herói não localizava

o flash da máquina.

Aí eu dizia pra ele, erguendo o copo de ceva:

Ô, seu maluco, você não leu o manual dessa bosta?

O Manetta esquentou a iguaria no micro-ondas,

e todos do bar provaram aquela delícia.

Acabada a ceia o Tiagão revelou que adquirira o penoso

com 50% de desconto, já que a ave era sobra

dos assados de dias atrás, dum cara de uma fruteira.

Pensei ir ao banheiro vomitar,

mas ao lembrar das condições fétidas da espelunca,

desisti da ideia.

Poeta nas horas vagas, meditei sobre

a vida pregressa da triste ave,

onde nasceu, cresceu, que condições existenciais

ela desfrutou na vida e etc. e tals.

 

LEI DA ATRAÇÃO

 

Não demorou muito apareceu no bar um sujeito

pilotando uma bicicleta das bem fodidas.

Era o fornecedor de erva e afins.

Foi mais um exemplo de que a lei da atração

funciona, feito ímã: tudo o que você pensa

e deseja vem até você.

 

Todo final de ano recarrego a bateria

de meus pensamentos e emoções

assistindo ao documentário "O segredo".

Todo ano eu começo mentalizando "sucesso",

"saúde", "prosperidade"...

Tenho quase certeza de que em 2022

eu chego lá.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Despencando

 

Você observa o vazio

que se distancia lá embaixo

e pergunta:

 

POR ONDE

ANDARÁ

DONA

MORTE?

 

Temendo

ter que assistir

a retrospectiva

das travessuras

realizadas durante a vida,

você se segura

receando chocar-se

com algo

ao cair

no fosso.

 

Você tem dúvidas

se no depois

vai flutuar

eternamente

ou se vai dormir

pra nunca mais.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Taturanas

 

Preparo-me pra ir ao centro pagar umas contas.

Ao vestir o moletom, que estava sobre uma cadeira, sinto uma picada,

como se fosse de vespa ou abelha, percorrendo o braço esquerdo.

No reflexo e no espanto, arranco-o com as mangas do avesso.

A lagarta caiu no chão da sala.

"Puta que pariu! Uma Taturana!".

Imediatamente crescem uns vergões, do pulso ao cotovelo.

Apanho o celular e pesquiso no Google sobre o que fazer.

"Lave abundantemente com água e sabão e depois faça compressas com água gelada".

Enquanto faço as compressas, sinto que a ardência diminui.

Pesquiso quais os sintomas, no caso de ser atacado por essa lagarta:

"Síndrome hemorrágica aguda,  insuficiência renal aguda, etc., etc.".

"Puta merda!".

 

No caminho até o Posto de Saúde fico atento nos batimentos, febre, taquicardia.

O Posto está lotado. Já na entrada sou notado pelo vigilante, que conversa com alguns caras.

Ao perceber que eu vinha meio torto, apoiando meu braço nu, perguntou o que havia ocorrido.

"Fui picado por uma Taturana".

Ele correu pra dentro da sala de espera e gritou pra uma atendente.

Sem fazer meu cadastro, e diante dos olhares curiosos dos pacientes que aguardavam,

a garota me encaminhou pra enfermeira.

Entrei na sala carregando numa sacolinha plástica a minha algoz.

Ela examinou meu braço e disse que já tinham se passado uns 10 anos

desde o último caso de paciente picado por taturanas.

Imediatamente pediu para ver a bichinha, reparando que eu estava com a cara boa

e não tinha dificuldades pra respirar.

No Google Imagens do computador ela identificou a criatura.

"Hum... Lagarta verde". Virou o monitor na minha direção e apontou com o dedo.

"Se fosse Taturana, você estaria saindo daqui direto pra UTI de um hospital".

Verificou a temperatura, batimentos por minuto, pressão arterial...

"Hum... Só a pressão tá um pouquinho alta... Deve ser por causa do susto hehehe.

O resto está perfeito. Aguarde na sala de espera, logo a doutora vai lhe atender".

 

Ao entrar na sala, reparo numa frase escrita na parede, logo atrás da doutora:

CEGO NÃO É QUEM AVANÇA POR SEUS PASSOS,

MAS QUEM QUE POR MAIS QUE ANDE

NÃO VAI A LUGAR ALGUM.

 

- Palermo, o senhor é casado?

- Às vezes.

- Como?

- Casamento me deixa triste e solitário.

A doutora desandou a falar do marido. Um traste, comunistinha desocupado.

- Vive às minhas custas. O filho da mãe se exibe pras garotinhas,

enquanto posa de intelectual marxista.

Que papo é esse - pensei - o que isso tem a ver com minha frágil saúde?

Olhava pro meu braço e percebia que as feridas e bolhas simplesmente estavam sumindo.

- No que o senhor trabalha? Ou é um desocupado, igual ao meu marido?

- Eu escrevo umas histórias.

- Tem livros publicados?                                                                                   

- Ainda não criei coragem pra buscar uma editora. Não sei se minha obra tem qualidade.

- Acho que entendi.

A doutora apontou pra frase na parede, às suas costas.

- Leia isso e tire tuas conclusões. Ah... o senhor é um sujeito imaginativo,

a ponto de acreditar que foi ferido mortalmente por uma taturana hehehe.

 

Caí numa armadilha. As frenéticas taturanas de jaleco deitaram e rolaram

pra cima deste pobre poeta... Eu mereço.

 

Assim que saí do posto de saúde avistei um pátio com arvores e um gramado.

Abri o saco e libertei a pobre lagarta verde.

 

(B. B. Palermo)

 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...