quinta-feira, 25 de junho de 2020

Não quero ser um deus que canta e vibra numa nota só



Ouço, no violão do Yamandu Costa, as Bachianas brasileiras do Villa Lobos.
Fogos raivosos acendem nas minhas entranhas ao ver esses caras comporem e executarem músicas tão criativas e complexas.
Artistas e cientistas esticam a corda e deixam sua obra linda e, também,  incompreensível para a massa de comuns, bizarros como eu.
Fico, ao mesmo tempo, fascinado e paralisado, mas no final com inveja e aquela vontade de espatifar meu violão contra a parede.
Cansei de repetir as meia dúzia de notas de sempre, sei lá, devem ser sonhos adolescentes frustrados de tocar um instrumento. Fico puto por não compreender as elegâncias e ritmos e melodias que essas figuras desfilam e desdenham diante de meus olhos embaciados e ouvidos zonzos.
O que mais se ouve por aí são músicas de 2 ou 3 notas, de fácil memorização, demarcando em cercadinhos as sensibilidades.
A maioria dos habitantes desse lixão de que faço parte  nunca ouviu falar nas Bachianas e no Villa Lobos.
O que fazer? Ouço a voz daquele outro eu, e o estropício é categórico: "Despeja essas merdas na privada e puxa a descarga, meu irmão".
O bombardeio dessas "coisas" simplórias nas mídias, o apego que temos por elas, como se fossem drogas altamente viciantes... Tudo isso deve caracterizar nossa vingança, um bando de mirins que criam consensos em torno de futilidades, pneus recauchutados circulando vacilantes por aí.
Sentir-me distante, como a Terra de Marte, dessas obras de arte e científicas, que admiro mas não compreendo, confesso que é motivo para sofrer.
Cadelão que sou, tramo minha vingança particular. Ligo para Lucy, e ela diz que está a fim. É minha ficante, o remédio genérico que (ainda) me suporta. Remédio para muitas dores, desde que tenham sintomas leves. Dores mais profundas, chamadas de existenciais, a garota já não cura. Nesse caso, o remédio é porre e briga e separação.
Me encharco de cerveja e deliro e imagino que sou o cara, um magnífico. A deusa de subúrbio logo chega, diz que estou deslumbrante, e o paraíso é que traz mais latões e uma erva que ela garantiu que é das boas.
Aqui embaixo, com minha princesa e muita cerveja, eu sou mais eu, o rei do lixão.
Foda-se, Yamandu.
Foda-se, Villa Lobos, o Mozart brasileiro.

Ok. Sigo uma lógica meio que do absurdo. Os bons me oprimem, mas são eles que ouço. Empolgado, foi o que fiz. Depois do primeiro baseado, coloquei as Bachianas pra tocar. Não deu outra, Lucy resmungou:
- Nossa, que música horrível!
Resmunguei de volta:
- Criatura, não quero ser um deus que canta e vibra numa nota só.
Depois dessa, nem a cerveja nem a erva seguraram seu mau humor.
Lucy se foi. Talvez pra nunca mais. Ou não.

(B. B. Palermo)


O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...