terça-feira, 28 de setembro de 2021

Capricha, Cadelão

 

Capricha, Cadelão.

Você não tem idade,

beleza

e grana

pra seduzir essas garotas.

Não ofereces uma vida interessante

com muita adrenalina

atrações perigosas

como a do traficante

e do cafetão.

Só resta a arte

e alguns anos de vida

pra sonhar com a presença

ausente

de um amor.

 

Mas não deves desistir.

Parece que não estás 

à beira da morte.

Corra, plante uma árvore,

publica ao menos um livro.

A salvação está em se distrair

dessa procura por um sentido

ao que não tem sentido

algum.

 

Viva das estações,

viva de renascimentos

e de alguns porres memoráveis,

desde que não percas o rumo de casa,

desde que não esqueças onde

deixou os óculos

e onde perdeu

as chaves.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Conselhos de mestre

 

Não ignore as oportunidades

de se envolver com amores loucos.

Abra portas e janelas

para o imprevisível.

Fuja da rotina e das leis e ordens

das balzaquianas esperançosas.

Você é um rebelde,

um viajante incompreendido

da subliteratura,

você jamais cultivará chás,

hortaliças e temperos verdes

na sacada de um apartamento.

 

Deixa de ser cagão, garoto,

em vez de ficar aí sonhando,

mergulhe no inesperado,

amanhã tudo é possível,

poderás não mais acordar,

poderás ser encontrado

com a boca cheia de formigas.

 

Nada de planos ousados

e sonhos geminianos.

Vai, atualize teu currículo

 

de cachorro louco.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

O que será de nós?

 

O que será de nós depois de sermos humilhados

por repetidas derrotas?

O que será de nós depois de ganharmos

todos os títulos?

O que será de nós depois que tivermos em casa

uma biblioteca com milhares de livros?

O que será de nós depois de varrermos da terra

todos os machistas

homofóbicos

e racistas?

O que será de nós depois que expurgarmos

todos os comunistas?

O que será de nós depois que incinerarmos

todas as ideias liberais

cristãs

islâmicas

espíritas

budistas

etc.

etc.

etc?

O que será de nós depois de vencermos

a gonorreia

sífilis

HIV

Covid

e tantos outros vírus?

O que será de nós depois que chegarmos à maturidade

e independência financeira e darmos de cara

com o câncer?

O que será de nós depois da overdose e do porre

e do coração disparando?

 

O que será de nós?

 

QUALQUER COISA...

QUALQUER COISA...

QUALQUER COISA...

 

dizia o ronco do motor do velho ônibus

aguardando a sinal abrir.

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Você está sozinho, Cadelão

 

Você está sozinho, Cadelão.

Os caras têm suas ciências

suas pseudociências

seu senso

comum

seus negócios acima de tudo

seu jeito estranho de subir na vida

sua religião.

Discursos

atraentes

falam sobre o mistério

o sobrenatural

e demonizam gente

e ideologias.

Os caras há muito descobriram

o que mata a fome dos rebanhos

o que torna os rebanhos

fiéis.

 

Você está sozinho, Cadelão.

Por incrível que pareça,

esta é a melhor

notícia

 

do dia.

 

(B. B. Palermo)

 

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Gasolina psicótica e flocos de aveia

 

Uma chuva de pedras

derretendo meu cérebro

litros de gasolina

psicótica

incendiando

meu tribunal.

Apesar de tudo eu tenho algo

que me conforta:

couves

alfaces

pimentas

e gatos alienígenas

tomando posse do meu quintal.

Eu tenho um tanto

que me conforta:

cerveja menos inflacionada

do que carne

arroz

e feijão.

Devoro banana

mamão

e aveia em flocos

no café da manhã.

Tudo seria mais ou menos perfeito

e me encharcaria de alegria

se levantasse da cama

antes do meio dia.

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Aflição e resistência

 

Quem disse que para viver

eu preciso de livros

poesia

nostalgia

memória

história

internet

eletrônicos

seguro de imóveis

e carros

e planos de saúde

e tals??

O outdoor da esquina

anuncia a promoção do big mercado:

ossinho de porco a 5.99.

A proteína está na mão

basta criatividade

temperos

feijão

e vamos que vamos,

peito pra fora

barriga pra dentro

e cabeça erguida.

Danem-se os viciados em carne de primeira.

Vamos ser fortes

e encarar os nossos tempos.

Se não houver gás

carros

energia elétrica

e outras necessidades modernas

nos viramos bem porque aprendemos a viver

no limite.

Embora a aflição roendo o osso atrás da pouca carne,

boto fé que nem tudo é osso duro de roer,

se um dia é crise,

noutro dia pode não ser,

o negócio é encarar o ossinho

do porco

sem antes resistir,

a miséria nem sempre vai prevalecer.

Por ora, o sinal está fechado pra nós.

Viver é melhor que sonhar.

 

(B. B. Palermo/Carleone)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...