quarta-feira, 11 de março de 2020

Mestre Buda sabe que sou péssimo aluno



Deparo-me com discursos empolgados sobre assuntos do momento.
Nos últimos dias é o desempenho do PIB, e do vírus que surgiu na China e se espalha pelo mundo.
Não faço questão de me especializar nessas porras, e nunca sei se o que leio ou ouço é confiável ou não.
Minha luz interior muda suas cores, muitas vezes se dispersa e dissipa, mas se torna festiva, como naqueles lugares em que luzes piscantes apresentam ninfas esperançosas de amor.
É mais divertido prestar atenção ao que vejo nas ruas. À tardinha um baixinho musculoso carrega uma bandeja com trinta ovos, limpinhos e ofertados ao mundo por poedeiras de belíssima linhagem. Adoro ovos, e se engana quem acha que eu não vivo sem churrasco e bifes de primeira e filés de peixe e uísque do bom.
Adapto-me às circunstâncias e me sinto bem quando enrolo umas garotas da noite e me orgulho do currículo de chinelão esperto que descobriu, pelo poder da mente, como se sair melhor do que esse bando de escrotos submissos e obedientes.
O que digo aqui, sei, não faz a menor diferença para o bom funcionamento da máquina e suas engrenagens.
Num outro mundo, ideal para o ego, talvez fosse diferente. Podes criar e habitar um mundo mais próximo desse EU, o mundo dos teus pensamentos e emoções e sensações, em vez de absorver diariamente uma máscara, que são as impressões criadas pelos outros, deixando a cabecinha desamparada e sufocada.
Vejo essas garotas balançando nas redes das nuvens com seus meninos em bons carros, semblantes sérios, e sinto que as ruas podem revelar algo que talvez seja meio imperceptível aos que circulam por aí no piloto automático.
São perguntas comuns e arrasadoras, depende de como organizas os pensamentos. "Que merda de escolhas eu fiz?". "Por que sou ingênuo a tal ponto?".
Diante desses impasses, o cadelão inconsequente prepara uma dose com bastante gelo e põe um blues pra tocar. Seus pensamentos se dispersam e viajam, e Buda fica indignado e se revira no caixão.
Coitado do Buda, o Cadelão sabe que a engrenagem não foi programada pela máquina para pensar nisso, ela quer que você aposte na esperança e deseje as maravilhas que o mundo oferece a todo instante, não importa se as rodas do teu carro estão tortas.
As ruas mostram várias coisas. Observo o cretino que tem a cidade meio que nas mãos, ao veicular em seu site de notícias os crimes do narcotráfico. O sujeito circula, todo sério, num unozinho caindo aos pedaços, e disputa como um corvo a publicidade de umas empresas endividadas até o gargalo. A ordem é levar para o povo as novidades ensanguentadas, e pra isso tem seus informantes, sua vida gira em torno de uns furos de reportagem.
São tempos loucos, e ainda bem que ninguém liga pras minhas viagens.
Caminho pelas ruas e observo aposentados nas varandas, sentados em cadeiras de praia e ouvindo seu radinho. Os programas das emissoras despejam manchetes e destaques de tudo o que acontece no mundo. Enchentes e estiagens e muita música popular.
Esses velhinhos renderiam belas reportagens. Sua vida, suas histórias. Mas eles não vendem jornal. Nunca foram presos, não têm ficha na polícia, não fazem ideia de como é o tráfico de drogas. Das poucas vezes em que foram lembrados foi no censo do IBGE.
O que importa é que me divirto observando legiões de ratos sendo moídos pela máquina. Estou nessa também, eu sei, mas eu agora diminuí na dose e comecei a assistir palestras virtuais sobre a filosofia budista. O mestre sabe que sempre fui péssimo aluno, mesmo assim diz que o mais importante é a força de nossos pensamentos. O mundo parte deles, pelo menos o TEU mundo. Tenho dúvidas quanto ao meu.

(B. B. Palermo)

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