De uns
dias pra cá as vacas ficaram magras. Restaram algumas notas de 2 reais e poucas
moedas e nenhum trampo no horizonte. Como passei a semana comendo bananas e
abacates que um amigo trouxe de sua chácara, decidi sair para tomar um café dos
bem vagabundos com gosto de pano de prato e para perguntar a Deus o que ele
havia feito com meu destino.
Eu era o
Arturo Bandini, personagem de John Fante, no livro “Pergunte ao pó”, que ficou uma semana comendo apenas laranjas.
Caminhei horas e horas por aí e tudo o que consegui foram preocupações caóticas
rondando minha carcaça. Eis que me deparo com uma igreja, ou templo, sei lá, e
estava tomada por fiéis. Acho que acendeu uma luz, É hoje, é agora, vou superar
essa pindaíba, representantes de Deus me chamam, é o momento perfeito para
pedir saúde, fortuna, amor, prosperidade, inspiração, uma história incrível que
vire roteiro de um baita filme e me torne famoso! Brotaram na memória os tempos
de criança, catecismo, primeira comunhão, pedis e recebereis, tudo o que
pronunciasse com fé seria retribuído em abundância.
Dentro da
igreja, ouço alguém no altar invocar o bem e expulsar os demônios. Glória
aleluia olhei em torno e notei uma irmã que retribuiu meu olhar. Parecia-me
familiar, seus olhos negros vivos e grandes sorriram para mim. E então houve um
momento de saudações e abraços Aleluia irmãos glória a Deus. E logo a garota se
aproximou e apanhou minhas mãos e me deu um abraço exalando seu perfume
cabeleira e mamilos Aleluia irmã. Jesus está sempre do teu lado e adivinha
quando você vai pecar, sabe dos mistérios do ontem e do hoje e do amanhã. Jesus
sabe do teu desejo e inclusive quando você deseja a mulher mais próxima. Sim. É
o todo poderoso, muito mais pop do que Che Guevara ou os Beatles. Jesus tudo
pode e foi ele quem me conduziu até aqui, transformará meus 2 reais em 200, vai
ter piedade deste pobre pecador e vai saciar sua fome e sede.
Era o
momento da oferenda. Ali por perto uma senhorinha depositou uma cédula azulada,
toda dobrada e que ficou encalhada desce não desce, diante de minha vontade fome
e sede. Cadelão, que sonha ser grande escritor – nem alto nem baixo, pau nem
grande nem pequeno, mediano em seus gestos de heroísmo – foi tentado não sei
por quais forças. De início uma sementinha, a compulsão virou obsessão e – antes
de ter tempo para arrependimento – vi aquela nota de 200 ali toda dobrada e
então fiz a troca e seja lá o que Deus quiser. Discretamente depositei meus 2
reais e coloquei no bolso os duzentões.
Tirei o
dinheiro da igreja para levá-lo aos pobres. Alguém realmente necessitava dele –
e, à noite, fui a um inferninho.
Vamos ser
sensatos, rapaziada: minha atitude não contribuiu para a distribuição de renda?
Os 200 da oferenda chegaram às mãos de Deus, Dele vieram até minhas mãos e eu o
repassei a uma garota de programa, uma Madalena qualquer. Ela trocou o dinheiro
por compras no mercadinho do bairro, adquirindo alimentos em abundância para
seus filhos, que crescerão fortes e saudáveis.
Na vida
tudo é movimento. Tudo circula e se encaixa nas engrenagens. Sim, há e haverá
controvérsias. Porém, lembrem-se do mais importante: Jesus foi crucificado ao
lado de um ladrão e o perdoou!
(B. B.
Palermo)