sexta-feira, 5 de abril de 2024

O PATIFE tá enrolando de novo



Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias,

o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome.

Ao repassar a longa lista de devedores, encontrou um nome

que não servia de chapéu pra ninguém. Era, simplesmente:

 

PATIFE!

 

Questionou o seu garçom adolescente, e ele me apontou.

Todos no bar tiraram onda comigo.

Fiquei chocado.

Sou o psicólogo, o psiquiatra e orientador vocacional

desse bando de maluquinhos desnorteados que bebem

sem saber por qual motivo, e eles me veem assim?

PQP!!

 

Eis que o Ninja ‒ um andarilho que junta sucata ou, diga-se,

que não se importa em recolher a merd* de lixo

que todo o santo dia nós depositamos nas ruas ‒

foi ao banheiro e, ao retornar, olhou fundo nos meus olhos,

e indagou:

‒ Palermo, hoje tu vai falar de filosofia ou de poesia?

 

Desenvolvi uns argumentos dignos de sua vida cotidiana

e me pareceu que ele embarcou na minha viagem (pelo menos

ficou uns 2 minutos me escutando...).

Pra conduzi-lo a um espaço aonde o ar é mais leve,

arrematei:

‒ Garoto, cada um de nós ziguezagueia

às vezes chutando e às vezes tropeçando

nas perdas do caminho.

Numa rotina solitária, vamos bater de frente

e aprender com a resistência do ar:

os beijos e cusparadas e tapas

que levarmos da realidade.

No mais, caro Ninja, são cálculos, métodos, conceitos e fórmulas

criadas pra nos encurralar e encaixotar e jogar numa vala comum

num cemitério qualquer.

 

Ali por perto, ouvindo a minha falação,

o imprestável do garçom (que pede ajuda pra calculadora

até pra somar 7 + 7) comentou, num riso indisfarçado:

 

‒ Esse PATIFE tá enrolando de novo!

 

(B. B. Palermo) 

sexta-feira, 29 de março de 2024

Algo aleatório


 

Foi incrível ouvir a moreninha segredar:

‒ Quando perco o sono, às 3h da manhã,

abro aleatoriamente o livro

“Chutando as pedras da calçada”

e começo a viajar!

 

Perguntei-lhe então se essa experiência

se parecia com a de fumar uma canabbis

pra logo voltar a dormir,

e ela caiu num ataque de risos.

 

Bastou dizer-lhe, de um jeito meio agoniado

‒ Obrigado, anjo, por me enxergar! ‒,

que os copos dançaram sobre na mesa

e se espatifaram no chão.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 20 de março de 2024

O crepúsculo de Van Gogh



As nuvens eram criaturas selvagens

e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos,

cães, jacarés e lagartos,

perfilados no horizonte

próximo.

piscaram-me o olho

exibindo umas gravatas

que pareciam hieróglifos

enfeitados com figuras

geométricas.

Intuí que a paisagem

aguardava tintas, pincéis

e cavaletes

do Van Gogh,

mas o gênio se entorpecia

de Absinto na taberna,

e nuvens escuras vertiam de seus olhos,

chorando

o entardecer.

 

Quando implorei

‒ DEUS, FAÇA ALGO! ‒ ,

espremendo meus olhos contra o infinito,

ele advertiu:

‒ Menino, NÃO SE PODE fazer nada, esquece!

É só mais um crepúsculo,

a ordem e o caos amando,

a luz e as trevas duelando!

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 13 de março de 2024

Novo homem!

 

Grãos de areia interditaram meus olhos

nesta quarta-feira de tarde,

bastou umas calcinhas no varal

tomarem banho de sol

e ousarem me decifrar

com seus olhares

insinuantes.

As libertinas acertaram o coração

do meu Calcanhar de Aquiles

e despejaram em lixeiras os meus planos e promessas

de mudar de vida.

O slogan, era:

Agora vai! Atividades físicas regulares,

boa alimentação e emancipação das bebidas!

Aposto que as diabinhas não ocupavam o varal

por acaso!


Fito-me diante do espelho

e ouço a gargalhada ‒ parece uma caturrita

comemorando um prêmio de loteria.

O som é o mesmo da máquina de lavar roupas,

batendo, pulando...

Imediatamente, lembro do Padre Alfredo,

nos tempos da adolescência, nas missas de domingo.

O pirotécnico mirava os olhos da garotada

e erguia o tom,

profetizando:

“Novo homem!

Novo Homem!

Novo homem!”.

Aqui no banheiro, o padre já não esbraveja.

Apenas ri, feito caturrita de batina.

Ri com vontade, até minha imagem

embaçar.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 10 de março de 2024

Máquina


  

Muitos encharcam com gasolina até as bordas de suas máquinas.
Troco tamanho esforço e rego com cerveja esta carcaça.
Não sou máquina, não tenho tamanha pressa.

Humano ‒ mais pessimista do que otimista ‒ ainda dou manivela nos dias com o tal do livre arbítrio.
Poderia canalizar energias pra ganhar dinheiro, ou passar cera e polir meu carro pra conquistar um brotinho. Mas não sou máquina modelo: saio por aí no piloto automático, e não faço grande coisa se ninguém der a partida.
Tenho sede do caralho, como se fosse Camaro ou Fórmula Um.
Porém, tenho outras sedes. Escutar ‒ pelos cantos do mundo ‒ bêbados, traídos, travestis e prostitutas. Saber tintim por tintim os motivos do traficante e do dependente, do lazarento e do alcoólatra. Das velhas e velhos devassos, que à luz do dia tudo sabem sobre o tempo, a moral e os bons costumes, esportes e loterias, e à noite dormem pesado após uma trepada servil.
Quero ouvir as ninfas, tão jovens e carentes de orgasmo. Sem apelo científico, digo que o gozo é divino, que b* não é órgão, e sim porta de entrada ao jardim do Éden, e nos acolhe e afaga e aquece muito mais que droga ou bebida.


Tenho muitas outras sedes. 
Hoje bebo num cantinho escuro dum posto de gasolina. Frentistas, com total simpatia nas calças legging, se esforçam pra dar conta do recado.
Próxima do chão, na banda oeste, sorriso voltado pro alto, vejo a carinha da lua. Não sei se ela é nascente ou minguante, sei apenas que é cúmplice com esse jeitinho inocente.
Li que aumentou neste ano nossa dívida com o planeta. Seu esgotamento é irreversível. Sofro pelo futuro de meus netos. E a internet está uma festa, fala, fala e repete dos meteoros que descerem e daqueles que virão.

Acabou a distração. Uma garotinha, p* metida a coach, me ordena pra que saia da zona de conforto, mas não embarco nessa, não, meu irmão!

Putz... Eis que surge um amigo tristinho, diz que vai mal o seu amor. Como não sou máquina, sua história me derruba, dá vontade de chorar.
Me chamam Cadelão porque gosto de ouvir. Minhas orelhas estão pra cima, como cachorro atrás de fêmea no cio, louco pra saber o que todos gostariam de contar, das aventuras e tragédias, do antes, durante e depois.
Pareço com todo mundo: boto fé, mas desconfio, da humanidade e do amor.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 4 de março de 2024

Kafka entre nós

Estava num desses bares e vi, pela calçada, passos inseguros, ofegantes...

 

‒ Caramba! É o Kafka!

 

Vinha num estado lastimável, acho que bem pior que o meu.

A bichinha olhou-me nos olhos e, ágil, mudou de rota, libertando-me do embaraço da troca de olhares.

Num lampejo, um pensamento estranho ‒ que surgiu não sei de onde ‒ me perguntou:

 

‒ A POESIA NÃO MORREU?

 

Nisso, um casal e um menino saíam do bar e quase pisotearam a criatura repulsiva que ousara atravessar o seu caminho.

Não consigo entender, e isso desperta uma puta inveja:

como pode o Kafka continuar mais vivo do que nunca, mesmo sabendo que já faz 100 anos que ele partiu?

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...