Tava ouvindo Villa-Lobos
num desses dias que começam errados
e terminam pior.
dançando devagar, sem pressa,
como se o tempo dela fosse.
E eu ali,
largado no sofá esburacado,
com a cabeça cheia de coisa bonita
que nunca consegui criar.
Essas músicas me dão uma tristeza boa,
tipo lembrar de um amor de infância
ou da primeira vez que chorei com um filme.
É bonito, mas dói.
É tudo tão fora do meu alcance
que parece piada de mau gosto.
Liguei pra Lucy.
Ela tem esse jeito doce de quem não se importa,
e isso me salva de vez em quando.
Trouxe cerveja,
trouxe um baseado,
trouxe aquele olhar de quem já me viu pior.
Deitou do meu lado,
me chamou de poeta de boteco
e riu daquele meu jeito besta de tentar parecer forte.
Quis mostrar pra ela as Bachianas.
Quis dividir algo bonito, só isso.
Mas ela fez cara feia,
como se eu tivesse oferecido salada no lugar de pizza.
– Que música chata, amor.
Disse rindo,
sem maldade.
Eu calei.
olhei pra ela
e amei, mesmo assim.
Mesmo sem entender.
Mesmo sem querer.
Às vezes o amor é só isso:
querer que alguém goste das mesmas coisas
e continuar gostando
quando ela não gosta.
Ela dormiu com a cabeça no meu peito,
e eu fiquei ali,
ouvindo Villa-Lobos em silêncio,
como se fosse uma prece
ou um pedido de desculpas ao universo
por ter nascido tão comum.
No fim,
com ela ali,
até o lixo parecia ter poesia.
E eu,
rei de nada,
rei da sucata,
rei do que sobrou,
me senti um pouco mais homem,
um pouco mais feliz.
(B. B. Palermo)