sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

São Luiz X Internacional



Quarta-feira eu estava em casa e aguardava a Dolly, que vinha se divertir e apanhar os 200 reais que ajudariam nas fraldas e numas roupinhas pro seu bebê. Meia hora antes ela mandou mensagem dando uma desculpa qualquer, dizendo que não viria. Fiquei puto. Pensei investir os duzentos na sinuca no boteco do Maneta, mas lembrei que à noite meu time, o São Luiz, jogaria contra o Internacional, pelo Gauchão.
Então é assim, eu boto dinheiro e ela me sacaneia? Fiquei frustrado, garoava e estava fresquinho, então aqueci a alma com um latão e fui "armado" pro jogo. Cheguei no estádio um pouco mais cedo, pra relaxar na copa antes de subir pro pavilhão. Na entrada, depois de passar pela catraca, suei frio. Um guarda fortão me revistou, passando as mãos pela minha cintura, desceu até as nádegas e por sorte não percebeu o volume desproporcional que eu camuflava perto dos bagos. Fui até a copa e derramei uma latinha de guaraná num copão, tomei um terço e me afastei do alcance da visão dos garçons e saquei da braguilha o objeto proibido e fiz a alquimia. Ao sair da copa, em direção às escadas do pavilhão, sabia que não seria barrado pelo segurança. A vodca é incolor e não deixa rastros. O cara atuou profissionalmente. Espiou o que havia no copo que eu carregava e então eu falei "É guaraná, meu irmão".
Assim que me acomodei no meio de famílias inteiras, que vestiam camisetas dos dois times, um maluco com credenciais de jornalista, mochila nas costas e máquina moderninha pendurada no pescoço, se aproximou e quis tirar umas fotos e fazer umas filmagens. Falei pro cara: "Tô fora, nada de fotos, meu brother, quero passar em branco, sou foragido". Ele me olhou espantado e demoradamente, como se fizesse uma tomada com sua câmera, e vazou.
Os times estavam no aquecimento. Um velhinho não parava de me cutucar, queria saber os nomes dos jogadores titulares do Inter. "Quem é aquele negão?" "É o Moledo, senhor". Apontei outros jogadores: "Aquele é o Musto e o outro que tá tomando água é o Lindoso". O velhinho tinha problemas de audição e o som que tocava no estádio era ensurdecedor. Ele sempre perguntava: "Quem? Quem?". O D'Alessandro, ele identificou. "Nossa, como o gringo é miudinho e ligeiro!".
Mais ao lado e dois degraus acima, um pré-adolescente que estava empenando, com pressa pra virar galo, jogava sapiência creio que pra cima do pai e do tio e do avô. Ele sabia das coisas, com aquela voz esganiçada: "Olha só o D'Alessandro! Os jogadores tão alongando e ele fica fazendo gestos e falando, isso é que é liderança!". O garoto estava apaixonado pelo gringo.
No primeiro tempo o jogo foi elétrico, muitas boas jogadas e passes errados e quatro gols. O São Luiz começou na frente e o Inter virou, fazendo três. No intervalo, falei pra cambada ali ao redor: "Não dá, se time pequeno erra muito contra time grande, ele naufraga". As criaturas me fitaram, concordando, como se dissessem: "Esse cara sabe das coisas, até parece comentarista de jogos, nas transmissões pelo rádio".
Enquanto os times não voltavam do intervalo, suportei a vontade de mijar e de beber. Me distraí, apelando pra nostalgia. Falei pros que estavam por perto: "No meu tempo de futebol de várzea na Província de Palermo, eu jogava muito mais do que esses dois laterais do São Luiz. Meu, quem é o padrinho desses caras pra eles serem titulares de um time que joga a Primeira Divisão?" Como a plateia não ligou muito pra mim, fiquei contando pro velhinho minhas odisseias pelos gramados de minha juventude. Ele só repetia: "O quê? O quê?".
No segundo tempo o São Luiz fez dois gols e levou mais um. O jogo ia pelo meio e a garoa deu as caras. Onde eu estava a cobertura protegia da chuva. Os que estavam mais abaixo foram subindo e ficamos meio prensados, como numa lata de sardinha. Assim do nada sentou do meu lado uma trintona, com uma camiseta toda estilosa do nosso time, tinha cor preta com detalhes vermelhos. Os olhos verdes me encaravam daquele jeito, tive a impressão de que gostava de ler e de brincar com algumas sacanagens. "Você é o Palermo, não é? Leio tuas histórias no Facebook". Fiquei radiante, como se fosse o craque do time e fizesse mais um gol e conquistássemos pelo menos um ponto no jogo.
Aos trinta minutos do segundo tempo D'Alessandro foi substituído. Ao cruzar perto do alambrado, diante do pavilhão, a tietagem foi enorme. Centenas de celulares apontados na direção do cara. Que bosta de "pátria de chuteiras", pensei. Quem está bem de vida vem pro estádio lamber o saco dos famosos. Com o preço dos ingressos nas alturas, alguém notou algum neguinho de periferia assistindo este jogo?
A cada chance desperdiçada o velhinho que estava do meu lado esquerdo xingava e me acertava uns tapas. As coisas iam bem do meu lado direito. Eram coxas enroscando coxas. Já nos acréscimos não resisti e disse pra garota: "Posso te falar uma coisa? Eu não tenho mediunidade, mas sinto que você tem uma energia ótima". E ela: "Nossa! que bom! Obrigada".
Perdemos o jogo e eu ganhei uma companhia pra tomarmos uns chopes no bar do Mestre Luli.

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Algumas tacadas num jogo de sinuca



Não me importo que riem da minha cara.
Deixem os meninos se divertirem.
Encaro tudo de bom humor.
Ninguém se importa comigo.
Ninguém se importa com os meninos lixeiros
sentados à sombra junto ao caminhão
comendo um pastel e bebendo refri.
Ninguém se importa com o garoto
servente de pedreiro
sentado no alto de um andaime
lanchando uma melancia.
Ninguém se importa
até porque nunca saberá
que o Cadelão carrega um espírito romântico,
está mais pra cadela
- segundo o Beiço.
Apenas algumas tacadas num jogo de sinuca.
Beiço está certo, sou menino feio e frio e fraco.
Mesmo me esforçando pra que dê errado no final,
creio no amor como uma forma
de não naufragar nesse mundo estranho.
Ninguém se importa que ela esteja comigo no bar.
Dê-lhe selfies
num sorriso ortodôntico.
Sempre me quis,
agora ela fode com o Beiço.
O menino não percebe a verdade:
a boceta da garota é feiticeira
e encantadora e traiçoeira.
Sempre disse ao meu amigo,
quando ela trepava comigo:
A mina é demais!
Ninguém se importa.
Nosso mundo é muito estranho.

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Tudo pela arte


Chegou algo pelo Messenger:
- Oi. Tu tem WhatsApp?
Trinta segundos depois:
- Sim. 999999999.
Um minuto depois chegou algo pelo WhatsApp:
- Oieee...
- Tudo bem?
Dois minutos depois:
- Tu gosta de dançar?
Quarenta e cinco minutos depois:
- Bah... Não sei dançar.
Meia hora depois...
Uma hora e meia depois...
Duas horas depois... 
Dez horas depois...
Putz... Dancei.
Mais uma princesa que eu perco no início da jornada heroica da conquista. É que estava no bar conversando sobre literatura com a Raquel, a poeta.
Eu sacrifico tanta coisa, inclusive o amor... Tudo pela arte.

(B. B. Palermo)


domingo, 19 de janeiro de 2020

Filme de terror



- Velho, alguma coisa tá errada contigo. Tu tem grana. Investe numa terapia e numas putas.
- Mas como tu sabe?
- Acompanho teus compartilhamentos e outras postagens nas redes sociais, principalmente no WhatsApp. Tu não é feliz. E a guria aqui concorda comigo. Ela é muito esperta. Esperta não, ela é espertíssima.
- Vocês tão de sacanagem! E ela não conta. Nem gosta de homem. Vive atrás de mulher.
- Não, irmãozinho. Ela sabe tudo de homem e de mulher. Inclusive tá me ensinando os segredos que conduzem as ninfas a loucos orgasmos.
- Vocês tão é de sacanagem!
- Lembra daquele maluco que pirou e se enforcou em 2015? Tu tá ficando cada vez mais parecido com ele! Mas não fique chateado comigo. Como disse Kim Hubbard, "amigo é aquele que sabe tudo a seu respeito e, mesmo assim, ainda gosta de você".

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Telmo, vê aí uma torrada com ovo e uma sukita



Chego no bar sem muita esperança. Quero apenas uma mesa num canto pra observar e anotar umas coisinhas. Se possível afastado da multidão, sem exagerar no ódio ou amor, sem estar deprê ou eufórico. A vida está tranquila porque não coloco nela grandes esperanças. Pratico o que li em algum lugar: "Jamais se desespere, meu brother".
Ela apareceu carregando uma sacola e uma mochila. Vi que estava faminta e sem grana. Fiquei sensível:
- Senta aí. Você tá com fome? Pago um lanche. Tá tudo bem na tua vida?
Largou as coisas no chão, sentou e falou:
- Vou colocar as coisas na mesa. Aí vai ter TV e rádio, até a RBS, a Globo. Eu não sou boba... Que que eu tô ganhando pra vocês ficarem falando de mim? Ficam aí fazendo quadrinhos, historinhas... Eu tenho 40 anos. Eu entrego nas mãos de Deus. Eu só tô esperando a minha hora pra colocar as patinhas na mesa e abrir o jogo. Nem polícia, nem juiz, nem assaltante, não vai se salvar ninguém.
Dei corda, pra ver onde queria chegar.
- Eu sou a filha do Fernandinho Beira Mar? Nem ele foi falado assim... Faz 2 anos... Me chamam que eu vou contar. Você acha certo os outros ganharem dinheiro às minhas custas? Que juiz, que fórum, que delegacia, quem poderia fazer essa sem-vergonhice? Eu não tenho onde dormir, o que comer, muitas vezes eu não tenho onde guardar meus cacos. Eu ando pelo mundo afora assim e tô na boca do povo.
- Hum... Você tem filhos?
- Meus filhos estão bem, graças a Deus.
- E onde estão? Com quem moram?
- Um casal de filhos tá com a tia. A outra tá com a avó. A outra tá com outra tia. A outra com minha mãe... A outra é bem casada, graças a Deus... Entendeu? Só não põe a família no meio. Eles estão na deles e eu na minha. Não quero que venham me pisar, porque eu tô sozinha no mundo.
- Mas... E por que você está sozinha?                                  
- Tô sozinha porque eu não quis ele. Aí ele fica falando... Foi o egoísmo dele que me deixou longe de meus filhos... Se ele entregar minha filha, eu volto com ele, eu volto pra casa.
- Aham...
- Se por acaso eu faltar no mundo, eu quero um salário por mês pra cada filho, o governo vai ter que pagar... Se eu faltar no mundo...
- Tu não tem medo de morrer?
- Não, eu não tenho medo de morrer. Estou acostumada a ficar na rua.
Mais confiante, ela confidencia:
- Eu tenho uma filha no Uruguai... Trabalhei lá, numa casa.
Pedi pra que devorasse a torrada sem pressa.
- Eu não me importo com o que eu falei aí... eu tô sempre falando... Entendeu? Eu sei que não tô errada... Quem tá errado é o mundo. É ele que tá faltando comigo.
E assim, sem mais, ela se despediu.
- É isso aí... Tudo de bom... E que tenha uma boa sorte todo mundo do Brasil.
Em pé, ela acrescentou:
- Agora tu me diz... Tu já viu alguém com a minha coragem? De abrir o jogo pra um estranho, e mandar todo mundo pro espaço?
- Mastiga bem... Vai com calma.
- Mas eu tenho pressa!                                  
- Qual é o teu nome?
- Não posso dizer.
- Inventa um, tipo... Mirna, a esperançosa.
- Eu sou a Autora Sinistra. E qual é o teu nome?
- Eu sou o Palermo.
- Vou abrir o Facebook e te pegar.
- Tu tem Facebook?
- Vou fazer um. Tchau. E tenha uma boa sorte.
- Tchau. Que Deus te proteja e te guie.

Telmo, o cara do bar, acompanhava atento nossa conversa.
Antes de ir, ela pediu um refrizinho, uma sukita. Falei pro Telmo pendurar na minha conta.
Levantou e partiu.
Nem passou 2 minutos meu amigo exclamou, detrás do balcão:
- Cadelão, ela esqueceu a sacola!
- E agora? Meu Deus! To ouvindo um tic tac, tipo aqueles despertadores antigos!
- Corre... rápido... joga essa sacola no terreno baldio daqui do lado do prédio!

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Meus amigos ronronam como felinos, e eu me escondo debaixo do edredom


Estou acostumado com esses ônibus urbanos que me cercam e se afastam, indiferentes. A normalidade não é um bom sinal. Aguardar o reinício dos campeonatos de futebol, lazer para espantar o tempo, isso também não é um bom sinal. Até que ponto isso é normal?
Quero chegar de voadora nesses vitrais das instituições que classificam quem escreve algo que valha a pena ser publicado, e também nos críticos com sua seriedade, dizendo quem é bom poeta.
Essas listas dos livros mais vendidos são cobras enormes me atacando, nos pesadelos. Pesquiso o verbete "serpente" e jogo pesado no bicho. A deusa sorte ri e dá de ombros, debochando: "Nada a ver, irmãozinho".
Meus escritos são novenas pagando promessas. Chutes nos traseiros dos "bons".
Ainda faço concurso pra servidor municipal. Serviços gerais ou zelador do cemitério ou jardineiro ou porteiro de alguma creche.
Uma profissão digna abrandaria minha sede e peregrinação pelos bares.
Ainda vou madrugar com o chamado do radio relógio comprado no Paraguai. O chuveiro funciona, a barba está feita. Lembro dos amigos e sei que eles estão tranquilos, ronronando como felinos em seus leitos. A insônia, às vezes, é um privilegio. Um dia vou retomar a meditação transcendental.
Vou esquecer o velho currículo, de ter sido bom aluno no catecismo. De nunca passar de um 6,0 em matemática. De ter tido uma professora jovem e loira e divina e tímida que sacou que eu gostava de literatura e que me passava livros e livros. Primeira paixão, primeiras fantasias, primeiros poemas ridículos.
Acostumado e acomodado a tanta coisa. Hora de juntar pastas e envelopes e caixas com anotações e poemas e rabiscos de histórias que me foram caros. Vou queimar tudo isso, junto com históricos escolares. Sei, isso não deve ser normal, como não pode ser normal ter sobrevivido à travessia desses pequenos mares agitados.
Pessoas adoram filas. Isso me faz lembrar das missas na infância e adolescência, no momento da comunhão, ao receber a hóstia, o corpo e o sangue de Cristo. Depois de décadas participei de uma missa, era de um funeral, missa de "corpo presente". Decidi que também estava preparado para comungar, e senti que o gosto da hóstia - se comparado ao meu tempo de Primeira Comunhão - já não era o mesmo. De qualquer maneira, me senti próximo de Deus.
É possível que volte a ter fé em Deus e na vida eterna, agora que estou mais velho, e confesso que em algumas  noites eu durmo com a luz acesa e o edredom camuflando a alma e a cabeça.

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Oi, estou trançando minha juba

Ela mora na Europa.
Lá as pessoas carregam livros e leem, nas praças e metrôs e ônibus...
Ela se diz independente e é casada e conversa comigo no Messenger.
Adoro imaginá-la assim, longe, tanto faz se estivesse na minha rua ou na Amazônia ou Paris ou Nova York ou Berlim ou Londres.
Ela tem alma, mas está fora de questão me apaixonar. Assim como está, já estou infeliz o suficiente.
Até proibi que me mandasse áudios. Sua voz me enlouquecia e roubava o sono, como se estivesse murmurando nos meus ouvidos  canções de ninar.
Ontem ela veio com essa:
- Oi. Estou trançando minha juba. Amei umas frases que tu usou naquela história. Logo te explico.
- Tá bem. Vê se manda uma foto pra eu ver como ficou tua juba lindona!
Já se passaram 24h e nenhuma notícia. Nem das frases, nem da juba. 
Nossa! Como essa vida solitária me deixa melancólico e feliz!

(B. B. Palermo)

domingo, 12 de janeiro de 2020

Lendo uns contos de Hemingway e viajando



Gente - ele disse - a coisa mais divertida é você estar tão chapado que mergulha  numa consciência acima da média e acredita que é o momento perfeito para escrever aquele conto... Então, aí vai - ele disse - eis o conto...

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Deus não veste calcinha nem cueca

A sequencia de bares na avenida chama estes príncipes a sentarem junto às mesas espalhadas pelas calçadas. Vivemos o momento e somos os caras. Garotas são princesas em suas belas posturas padrões e perenes e buscam por admiração e likes e tals.
Só eu sei da história de merda que tivemos. Antepassados imigrantes fodidos, vertendo sangue e quebrando seus ossos em busca da sobrevivência - os nossos bisavós, os avós, os pais.
Agora o ego inflou-se divinamente e toma conta desses desertos. Multidões de robôs e ovelhas sem memória da vida heroica e escrota que herdaram, clicando selfie e selfie e selfie. Ego massageado, em vez de enfiar o dedo no rabo. Muito sorriso ortodôntico e calcinhas e cuecas furadas e sujas e xoxotas com aquele sabor.
Tô ligado. Aqueles papos conhecidos como "clichês", que tanto se vê nas telenovelas. Passo a passo, siga a fórmula, primeiro o conflito e depois a lenga-lenga do "eu te amo", do "não consigo viver sem você", do "foram felizes para sempre".
Uma cambada. Voltando aos capítulos das novelas: mire nas cenas das famílias desfrutando o café da manhã, seus problemas previsíveis. Ó Jesus, e aqueles eletrodomésticos que todo brasileiro, por ser batalhador e sonhador, deveria ter em seu cafofo. E tome-lhe bombardeio da publicidade. E tomem sonhos frustrados.
Dá-lhe selfie. Sou rato que sai da toca, faminto, e sou enxotado por milhares de smartphones e suas luzinhas e seus clics e clics.
Deus nos abandonou. No bar, desperdiçamos e desviamos nossa energia.
Os príncipes meditam... quem comerá quem...
Olhávamos uns aos outros enquanto bebíamos e narrávamos nosso incrível cotidiano... Altos papos, tipo como foi a foda de fulano com sicrana... se foi debaixo do chuveiro ou... (Você diria Faça-me o favor, poupe-me dos detalhes). E se... teve ejaculação precoce ou não alcançou a porra do orgasmo... Se ela gemeu pra caralho naquela escapada no horário de almoço num quartinho de motel...
Muita energia desviada e represada.
E se meu time não fizer grandes contratações... E se não tiver café pra disputar nenhum título... E se o maluco que eu coloquei no poder é de fato um psicopata ignorante...
Quer use calcinhas ou cuecas ou saias ou fraldas, Deus definitivamente nos abandonou. Agora dependemos de uns bostas enlouquecidos que preferem a morte ao amor.
(B. B. Palermo)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A borboleta beijava a lâmpada do meu quarto


A fera teve imenso prazer em narrar o último de meus fiascos, que assistiu de camarote.
Mais pesado do que tropeços de bêbado nas madrugadas.
Mais pesado do que foder a puta cinquentona mijada e manjada.
Um coroa sendo zoado e observado pelos olhos atentos de uma multidão de escrotinhos a partir da narrativa de uma biba tinhosa que tem pesadelos anoréxicos por causa de seu complexos, que psicólogas atribuem a uma infância infeliz.
Uma medonha empolgada e triste e em cima do muro.
Nas redes sociais é solidaria às causas das minorias, os excluídos, os desfavorecidos, o sofrimento dos animais... Porém, nos grupos de futebol e beisebol e torcida organizada do glorioso Avante Futebol Clube, ela é o centro, manipuladora, a (o) intelectual, o garoto (a) que semeia o "politicamente correto".
Um musculoso transbordando pureza, e que gosta de coisas simples: jantares com sua esposa oficiala, bons livros e boa música e séries na Netflix.
Sujeito que organiza os eventos da torcida do time, patrocínios e tals e cuida do caixa 2.
Se partirmos pra imagem das bonecas russas, tira máscara e outra e mais outra máscara, emerge um radiante Frankenstein.
Mas não se empolguem, irmãozinhos: ninguém sabe até onde cada um de nós se esconde e se mostra.
A verdade sempre escorrega, desliza, está onde menos esperávamos. Não somos um espelho inteiro, cada figurinha no seu devido lugar. Somos mais uma lixeira trasbordando cacos de vidro.
É uma questão de tempo. A leoa vai se soltando, vai florescendo, uma pétala, outra pétala, bem-me-quer, malmequer, sou-do-bem-sou-do-mal-sou-legal-eu-sou-bad.
O que vale é o que aparece. O bom carro, as propriedades, o discurso, a oficiala que apresentamos nos ilustres momentos.
Mas tem sujeitos com essa aparência tranquila que de uma hora pra outra mergulham de pontes e de prédios ou que se jogam na correnteza de rios apressados, como se fossem garotos kamikazes.
Aqui estou, despedaçado, fazendo intriga. A biba fez isso, a biba fez aquilo.
Todo mundo tem segredos e pensamentos e impulsos e desejos impublicáveis, que nem o FDP do Sombra controla.
Uma da manhã, enroscado nessas mágoas ressentidas, eu atuava numa bronha valente e solitária, na companhia de uma borboleta enorme e colorida e transgênica, que beijava enlouquecidamente a lâmpada do meu quarto.

(B. B. Palermo)


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O dia em que a verdade se revelou


Lucy saltou fora outra vez. No bar, energias paranoicas dançam no meu copo e me distraem da percepção verdadeira do que acontece ao redor. Aí um amigo mandou pelo WhatsApp umas fotos de uma garota argentina que é stripper em algumas boates daqui, foto toda produzida no Facebook, parece uma estrela de filme hollywoodiano. Pense numa belíssima de pouco mais de 20 anos. E não vi no seu rostinho aquela safadeza que leva um coroa apaixonado à falência.
Eis que chega no bar o Seu Amadeo, para beber seus dois litrões  e trovejar sandices. No semáforo da esquina magrões detonam as caixas de som de suas picapes. Seu Amadeo ergue o tom:
- Caras chatos, nem tico têm e quase não endurece, aí botam a música lá no alto.
Havia uns carinhas por ali, sentados. Nos entreolhamos.
- Pronto.
- A velha ladainha.
- Eu amo todos os meus amigos - seu Amadeo agora é um cidadão preocupado - mas eles não sabem se cuidar. O cara é careca, anda de bicicleta, por que não coloca um gorro na cabeça?
O brotinho em sua corrida, de roupas justíssimas e adequadas,  atende o celular e deixa seu Amadeo puto:
- É o fim da picada! Ela não sabe por onde anda!
A garçonete apanha copos e garrafas e limpa outra mesa e seu Amadeo dispara:
- Guria, eu tem amo, mas fica em segredo.
Pouco depois Ele abana pra atendente de farmácia, do outro lado da rua.
- Olha lá, a minha namorada.
A semana foi de chuvas intensas.
- Queria que chovesse, pra chegar em casa e dormir.
Brotos caminham pela calçada em suas calças leggin e shorts ajustadíssimos. O velho fica babando.
- Elas tão procurando homem!
Cretino, diz que conhece o mundo. Pisco o olho pros outros e pergunto quais capitais ele conhece. Desconversa e desconversa. Setenta e poucos anos, quer uma arma pra se defender.
- Mas o senhor, com uma arma em casa, meio deprimido, não vai se dar um tiro na cabeça?
Mesmo bebendo todas, todos os dias, garante que tem desenvoltura pra encarar qualquer bandido. Isso aí, somos todos machos valentões, e isso é o que importa.
Seu Amadeo é prolixo, cutuca qualquer assunto.
- Até eu, que sou meio bobo, já sabia que esse governo não ia dar certo.

Agora ele ignora os demais e me aluga. Sua papagaiada envolve a rotina familiar. A filha, a neta, o genro, a ex-mulher. Ele não sabe o que é terapia. Cura pela fala. Método de associação livre.
A verdade se revela, assim, num relâmpago: jamais serei psicanalista. Eu não suporto ouvir a repetição e repetição desses dramas, parecidos com aqueles filmes de Woody Allen.
O filho da puta não sabe que terapia implica investimento, pagar alguém pra que nos ouça em nossas paranoias que se repetem.
Falei do CAPS pro velhinho. Um psicólogo, ou psiquiatra, ou psicanalista vai te ouvir de graça, pelo menos uma hora por semana. Ou pega o dinheiro que queima em cerveja e paga pra uma psicóloga te ouvir, com o direito de se apaixonar por ela.
Enfim, outro dia no bar, e que rendeu outra verdade: não vale a pena ficar velho e depender cada vez mais de ouvidos de bebuns, encontrados ao acaso nesses botecos. E o pior: sem ter ideia de que está repetindo pela centésima vez a mesma história.

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...