Lucy
saltou fora outra vez. No bar, energias paranoicas dançam no meu copo e me
distraem da percepção verdadeira do que acontece ao redor. Aí um amigo mandou pelo
WhatsApp umas fotos de uma garota argentina que é stripper em algumas boates
daqui, foto toda produzida no Facebook, parece uma estrela de filme hollywoodiano.
Pense numa belíssima de pouco mais de 20 anos. E não vi no seu rostinho aquela
safadeza que leva um coroa apaixonado à falência.
Eis
que chega no bar o Seu Amadeo, para beber seus dois litrões e trovejar sandices. No semáforo da esquina
magrões detonam as caixas de som de suas picapes. Seu Amadeo ergue o tom:
-
Caras chatos, nem tico têm e quase não endurece, aí botam a música lá no alto.
Havia
uns carinhas por ali, sentados. Nos entreolhamos.
-
Pronto.
-
A velha ladainha.
-
Eu amo todos os meus amigos - seu Amadeo agora é um cidadão preocupado - mas
eles não sabem se cuidar. O cara é careca, anda de bicicleta, por que não
coloca um gorro na cabeça?
O
brotinho em sua corrida, de roupas justíssimas e adequadas, atende o celular e deixa seu Amadeo puto:
-
É o fim da picada! Ela não sabe por onde anda!
A
garçonete apanha copos e garrafas e limpa outra mesa e seu Amadeo dispara:
- Guria, eu tem amo, mas fica em segredo.
Pouco
depois Ele abana pra atendente de farmácia, do outro lado da rua.
-
Olha lá, a minha namorada.
A
semana foi de chuvas intensas.
-
Queria que chovesse, pra chegar em casa e dormir.
Brotos
caminham pela calçada em suas calças leggin e shorts ajustadíssimos. O velho
fica babando.
-
Elas tão procurando homem!
Cretino,
diz que conhece o mundo. Pisco o olho pros outros e pergunto quais capitais ele
conhece. Desconversa e desconversa. Setenta e poucos anos, quer uma arma pra se
defender.
-
Mas o senhor, com uma arma em casa, meio deprimido, não vai se dar um tiro na
cabeça?
Mesmo
bebendo todas, todos os dias, garante que tem desenvoltura pra encarar qualquer
bandido. Isso aí, somos todos machos valentões, e isso é o que importa.
Seu
Amadeo é prolixo, cutuca qualquer assunto.
-
Até eu, que sou meio bobo, já sabia que esse governo não ia dar certo.
Agora ele ignora os demais e me aluga. Sua
papagaiada envolve a rotina familiar. A filha, a neta, o genro, a ex-mulher.
Ele não sabe o que é terapia. Cura pela fala. Método de associação livre.
A verdade se revela, assim, num relâmpago: jamais
serei psicanalista. Eu não suporto ouvir a repetição e repetição desses dramas,
parecidos com aqueles filmes de Woody Allen.
O filho da puta não sabe que terapia implica
investimento, pagar alguém pra que nos ouça em nossas paranoias que se repetem.
Falei do CAPS pro velhinho. Um psicólogo, ou
psiquiatra, ou psicanalista vai te ouvir de graça, pelo menos uma hora por
semana. Ou pega o dinheiro que queima em cerveja e paga pra uma psicóloga te
ouvir, com o direito de se apaixonar por ela.
Enfim, outro dia no bar, e que rendeu outra verdade:
não vale a pena ficar velho e depender cada vez mais de ouvidos de bebuns,
encontrados ao acaso nesses botecos. E o pior: sem ter ideia de que está
repetindo pela centésima vez a mesma história.
(B. B. Palermo)
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