segunda-feira, 19 de maio de 2025

Dinheiro, pra quê?



Estávamos ali, afundados no calor gelatinoso do fim de tarde, com a garganta úmida de cerveja barata e a alma evaporando sonhos podres.

Beiço – meu irmão em delírio – confabulava, entre goles e devaneios.

E então, como num filme B, o carro dum messias capitalista estacionou do outro lado da rua – um importado que brilhava como o altar de um templo pagão.

Fingimos que não vimos. Ele também.

Afinal, o silêncio é a cortina de fumaça dos covardes.

O cara foi tudo o que mandaram ser: ótimo profissional, pai, cidadão modelo.

Um operário do discurso, um mártir de papel passado.

O Beiço riu, com o canto da boca:
Dinheirista de b*!, cuspindo o termo como se fosse casca de amendoim estragada.
E então filosofou, entre um gole e outro:
– Os caras passam a vida juntando grana, enfileirando imóveis, colecionando zeros como se fossem orgasmos.

E no fim, gastam tudo com filhos dopados e paranoicos, que cresceram sob a sombra longa da hipocrisia.

Pensei: pra quê tanto apego? Pra quê tanto tijolo, tanto plano de previdência,

tanta merda cinza empilhada como degraus rumo ao nada?

Disse ao Beiço que, se fosse rico, afundaria em luxo, corpos quentes e literatura nenhuma.
– Se tivesse grana – falei – eu comprava o prazer e queimava os papéis.
E ele – o canalha mais amável deste mundo – riu com seu brinde torto:
– Você, duro e desocupado, já escreve porra nenhuma. E ainda quer luxo?

Rimos. Sempre rimos, como dois palhaços bêbados num circo em chamas.

Daí a pouco ele me perguntou, sério como um túmulo vazio:
– Diz aí, meu brother, se não existissem as mulheres... dinheiro serviria pra quê?

Fiquei em silêncio. Lembrei de uma garota que me disse, com olhos de abismo:
Nunca tive dinheiro... até que baixei as calcinhas.
Era isso. A alma da economia moderna.

O Beiço emendou com uma citação da Mae West:
– Um centavo economizado é uma garota perdida! – e gargalhou, como se a frase fosse a chave de uma verdade oculta.

Foi então, como num soluço da lucidez, que me bateu um medo antigo.
O medo da morte, da velhice, da falência moral do mundo.
Falei de projetos – abrigos de velhos, contação de histórias para crianças com câncer – e ele quase cuspiu a cerveja.
Toma um porre, cara. Amanhã você esquece essa m*rda!

Eu sei. Meus planos não duram uma semana.
Meu compromisso com o futuro é o mesmo que tenho com a academia: nenhum.
Ainda assim, insisti:
– Vai que amanhã nasce um novo homem…
E ele, com olhos vermelhos de tanto riso e desespero:
– Jesus! Tá lendo autoajuda agora? Volta, maluco. Seja o que tu és!

 

(B. B. Palermo)

 


Deu vontade de chorar

Hoje vi o amor. Não nos livros, nem nos filmes, mas ali, nas ruas quietas do A. Texas, caminhando manco e sem pressa. Era o Sergião, andaril...