O inverno se aproxima
como um bicho estranho e imprevisível,
você mergulha numas reflexões profundas
que transcendem raciocínios ordinários,
e acredita que o sentido vai emergir
do fundo do poço,
é que um seu amigo está deprimido faz uma semana,
trancou-se dentro de casa
na companhia dos etílicos mais sacanas.
Você chama vizinhos e amigos,
sente-se um corajoso voluntário da Cruz Vermelha,
você acredita que tudo voltará à normalidade,
bons empregos, renda razoável pro povo,
crianças em boas escolas e em tempo integral,
ninguém vivendo ou pedindo esmolas nas ruas,
bichos abandonados sendo acolhidos
por lares aconchegantes.
Você é utópico...
Até acredita no equilíbrio entre
Eros e Tanatos,
você nunca vai deixar de apostar
na capacidade cognitiva e moral dos humanos,
você até faz orações e meditação,
está há uma semana longe dos bares,
você conseguiu, depois de décadas,
curtir hábitos decentes.
Você insiste, deseja crer
com toda a sinceridade,
mas o clima não é de primavera,
não há sol estupendo
nem flores maravilhosas.
O inverno está chegando
e você se depara com a fumaça rasante e fedorenta
que vem de mãos dadas com o anoitecer.
Os irmãos das vilas miseráveis,
com seus motivos estranhos,
tacam fogo em tudo o que lhes é descartável,
e castigam os olhos assustados de suas narinas.
Agora, e de novo, tudo queima,
seu coração, seu estômago,
plásticos, pneus e tantos trecos,
então você volta a pensar no seu amigo
que faz uma semana se autoexilou dentro de casa,
na companhia dos etílicos mais sacanas.
Finalmente, tudo faz sentido.
(B. B. Palermo)