sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

São Luiz X Internacional



Quarta-feira eu estava em casa e aguardava a Dolly, que vinha se divertir e apanhar os 200 reais que ajudariam nas fraldas e numas roupinhas pro seu bebê. Meia hora antes ela mandou mensagem dando uma desculpa qualquer, dizendo que não viria. Fiquei puto. Pensei investir os duzentos na sinuca no boteco do Maneta, mas lembrei que à noite meu time, o São Luiz, jogaria contra o Internacional, pelo Gauchão.
Então é assim, eu boto dinheiro e ela me sacaneia? Fiquei frustrado, garoava e estava fresquinho, então aqueci a alma com um latão e fui "armado" pro jogo. Cheguei no estádio um pouco mais cedo, pra relaxar na copa antes de subir pro pavilhão. Na entrada, depois de passar pela catraca, suei frio. Um guarda fortão me revistou, passando as mãos pela minha cintura, desceu até as nádegas e por sorte não percebeu o volume desproporcional que eu camuflava perto dos bagos. Fui até a copa e derramei uma latinha de guaraná num copão, tomei um terço e me afastei do alcance da visão dos garçons e saquei da braguilha o objeto proibido e fiz a alquimia. Ao sair da copa, em direção às escadas do pavilhão, sabia que não seria barrado pelo segurança. A vodca é incolor e não deixa rastros. O cara atuou profissionalmente. Espiou o que havia no copo que eu carregava e então eu falei "É guaraná, meu irmão".
Assim que me acomodei no meio de famílias inteiras, que vestiam camisetas dos dois times, um maluco com credenciais de jornalista, mochila nas costas e máquina moderninha pendurada no pescoço, se aproximou e quis tirar umas fotos e fazer umas filmagens. Falei pro cara: "Tô fora, nada de fotos, meu brother, quero passar em branco, sou foragido". Ele me olhou espantado e demoradamente, como se fizesse uma tomada com sua câmera, e vazou.
Os times estavam no aquecimento. Um velhinho não parava de me cutucar, queria saber os nomes dos jogadores titulares do Inter. "Quem é aquele negão?" "É o Moledo, senhor". Apontei outros jogadores: "Aquele é o Musto e o outro que tá tomando água é o Lindoso". O velhinho tinha problemas de audição e o som que tocava no estádio era ensurdecedor. Ele sempre perguntava: "Quem? Quem?". O D'Alessandro, ele identificou. "Nossa, como o gringo é miudinho e ligeiro!".
Mais ao lado e dois degraus acima, um pré-adolescente que estava empenando, com pressa pra virar galo, jogava sapiência creio que pra cima do pai e do tio e do avô. Ele sabia das coisas, com aquela voz esganiçada: "Olha só o D'Alessandro! Os jogadores tão alongando e ele fica fazendo gestos e falando, isso é que é liderança!". O garoto estava apaixonado pelo gringo.
No primeiro tempo o jogo foi elétrico, muitas boas jogadas e passes errados e quatro gols. O São Luiz começou na frente e o Inter virou, fazendo três. No intervalo, falei pra cambada ali ao redor: "Não dá, se time pequeno erra muito contra time grande, ele naufraga". As criaturas me fitaram, concordando, como se dissessem: "Esse cara sabe das coisas, até parece comentarista de jogos, nas transmissões pelo rádio".
Enquanto os times não voltavam do intervalo, suportei a vontade de mijar e de beber. Me distraí, apelando pra nostalgia. Falei pros que estavam por perto: "No meu tempo de futebol de várzea na Província de Palermo, eu jogava muito mais do que esses dois laterais do São Luiz. Meu, quem é o padrinho desses caras pra eles serem titulares de um time que joga a Primeira Divisão?" Como a plateia não ligou muito pra mim, fiquei contando pro velhinho minhas odisseias pelos gramados de minha juventude. Ele só repetia: "O quê? O quê?".
No segundo tempo o São Luiz fez dois gols e levou mais um. O jogo ia pelo meio e a garoa deu as caras. Onde eu estava a cobertura protegia da chuva. Os que estavam mais abaixo foram subindo e ficamos meio prensados, como numa lata de sardinha. Assim do nada sentou do meu lado uma trintona, com uma camiseta toda estilosa do nosso time, tinha cor preta com detalhes vermelhos. Os olhos verdes me encaravam daquele jeito, tive a impressão de que gostava de ler e de brincar com algumas sacanagens. "Você é o Palermo, não é? Leio tuas histórias no Facebook". Fiquei radiante, como se fosse o craque do time e fizesse mais um gol e conquistássemos pelo menos um ponto no jogo.
Aos trinta minutos do segundo tempo D'Alessandro foi substituído. Ao cruzar perto do alambrado, diante do pavilhão, a tietagem foi enorme. Centenas de celulares apontados na direção do cara. Que bosta de "pátria de chuteiras", pensei. Quem está bem de vida vem pro estádio lamber o saco dos famosos. Com o preço dos ingressos nas alturas, alguém notou algum neguinho de periferia assistindo este jogo?
A cada chance desperdiçada o velhinho que estava do meu lado esquerdo xingava e me acertava uns tapas. As coisas iam bem do meu lado direito. Eram coxas enroscando coxas. Já nos acréscimos não resisti e disse pra garota: "Posso te falar uma coisa? Eu não tenho mediunidade, mas sinto que você tem uma energia ótima". E ela: "Nossa! que bom! Obrigada".
Perdemos o jogo e eu ganhei uma companhia pra tomarmos uns chopes no bar do Mestre Luli.

(B. B. Palermo)

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Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...