terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Eu sei de tudo

 

Garotas do prédio ao lado tomam sol

e botam pra secar no varal seus problemas diários.

Não me dão bola, então emito uns sinais,

nuvens de fumaça subindo pelas florestas. Digo-lhes:

"Que belo dia de sol... Parece que a chuva prometida se foi...".

 

Como eu queria saber o que pensam desse cavalo cansado

cujo único consolo é contemplar o copo pela metade!


Sinto-me mal ao tentar uns contatos tímidos,

como se estivesse chegando noutro planeta

e uns pequenos centauros coloridos me observassem, rindo,

"um cara muito estranho deu o ar da graça".


Janelas se abrem e se fecham, cortinas sobem, cortinas descem,

meus olhos ficam embaciados diante dos seus horizontes.

Observo os cabelos, o movimento dos olhos,

as bocas e o olhar provocador e, ao mesmo tempo, indiferente.

Não sei se deprimo ou se curto sua juventude,

estou cara a cara com um oceano de potências

que seus lindos corpos desencadeiam.

Ah, como eu queria ter a senha de acesso e tudo decifrar.

Interagir, tomar porres de orgias ao meu redor.

Não consigo ser como Bukowski,

ele se fortalecia na solidão,

era a sua comida e sua água.

 

As garotinhas se enganam se pensam que estou a fim

de descansar em belas e suaves tardes no jardim dos mortos.

Ainda sei contar boas histórias. Lá vai a última:

o sujeito amava tanto sua filha que, quando ela arranjou um namorado,

ele a matou golpeando sua cabeça com uma marreta.

O sujeito tinha muito dinheiro.

Deu parte de sua fortuna a um bom advogado e ficou pouco tempo na cadeia.

Muitos anos depois ele estava pescando num rio que margeia seu sítio,

quando foi atacado por abelhas e morreu como besta indefesa e só.

 

Acredito em fortes emoções, meus brothers, aguardo

outras proezas, não desejo que tudo vire cinzas.

 

O certo é que elas ficariam radiantes ou decepcionadas

se descobrissem os pensamentos que tenho a respeito

de seus corpos desenhados por minúsculos shorts e camisetas.

Eu sou o prendedor de roupas e também o varal

que vai receber as carícias da brisa e do sol

secando suas calcinhas, shortinhos e sutiãs.

Sou sensível mas, garanto, não sou tudo aquilo,

e prometo poemas sujos que as inspiram

a incríveis experiências sensuais.

 

Eu sei de tudo, enquanto aguardo o milagre:

um dia essa beleza juvenil vai desaparecer.

Um namorado hoje, outro amanhã e depois outro e mais outro...

Eu sei de tudo, e é por isso que espio por detrás dessas cortinas

sequestradas pelo pó.

 

(B. B. Palermo)

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Maradona morreu e aqui em casa faltou água

 

A vida é injusta,

a vida é ingrata,

provoca e desafia,

vem abaixo o que estava em alta,

basta estar vivo para morrer

- e ressuscitar num clichê -

a formiga sempre sonhou ser cigarra.

Inseto ou sapiens,

eu não quero morrer

antes de chegar aos 100 anos.

Tudo desmoronou,

aqui em casa faltou água

e Diego ficou sem o pó.

Foi-se a luz, foi-se a vida,

enquanto as drogas que movem o mundo

circulam por aí.

Preciso de um banho,

preciso fazer a barba,

preciso dar um brilho

nos meus dentes encardidos,

preciso de um grande amor.

Pra aliviar o peso sobre os ombros,

Diego pedia outra dose,

imagino como isso funcionava.

Nos lugares de gente rica,

as drogas ilícitas

e a prostituição são a regra,

sujeitinhos escrotos lambem as bolas

de gente famosa,

a putaria desfila em caminhões de dólares.

O que importa é que desejamos continuar vivos,

saudáveis e famintos por mais um teco.

Eu sofro não porque chamam Diego

de mito ou Deus

agora que está morto,

sofro porque faltou água

bem quando desejei

outro banho

pra me libertar dessa urucubaca,

mandando pro ralo a verdade melancólica

de que um dia

 

também vou morrer.

 

(B. B. Palermo & Cassio Kinn)

 


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Naquele tempo eu era a voz do povo

 

Início dos anos 80,

mamãe queria que eu frequentasse

o grupo de jovens da Igreja Católica.

Lá seria inevitável conhecer uma garotinha cheia de qualidades,

virgem,

lá eu potencializaria minhas virtudes

e botaria as manguinhas de fora,

dúzias de talentos florescendo.

Mamãe estava preocupada,

eu era um adolescente solitário.

bah, cara, pensa só o que ela devia imaginar

quando eu demorava horas no banheiro ou no quarto.

Eu e meus amigos corajosos e aventureiros

queríamos andar pelados às 3 da manhã no centro da Fredy City,

e encher de ira o Santo Antônio, padroeiro da paróquia,

que nos observava do alto de uma torre da igreja matriz.

Não tinha maturidade pra saber que traquinagens de madrugada

não me dariam um bom emprego, e havia outros riscos,

eu publicava poemas ingênuos e sujos nas edições de domingo

de um jornal de quinta, chamado "A voz do povo".

Cara, na minha cabeça eu escrevia coisas legais,

e se a patota da City dava a mínima pras minhas colunas dominicais

era porque eles ainda não tinham chegado lá,

tu sabe, não tinham alcançado o nível mais elevado

da percepção estética.

Para agradar mamãe e para chamar a atenção da população,

eu viajava nos poemas, não passava a ideia de que era

um (quase) seminarista punheteiro cheio de espinhas no rosto,

e sempre me confessando e me arrependendo

às vésperas da Semana Santa.

Meu, eu tinha certeza de que escrevia coisas irônicas,

ou de duplo sentido,

uma poesia inovadora,

banhando de luz, humor e liberdade

as manhãs de domingo de minha modesta cidade.

Acho que escrevia uma espécie de autoajuda,

bem antes dessa coisa virar moda pelo mundo:

"Procuro uma alma gêmea,

eu quero casar,

eu quero filhos brilhantes,

eu quero transbordar de orgulho

vivendo em perfeita harmonia

com esses seres de luz.

Mãos nos bolsos

acariciando

o dinheiro

fruto de meu suor,

as canções que vou assobiar

serão as minhas canções

mais originais".

 

Sim, cara, eu sonhava.

Fazia muito barulho, competia com o sino da catedral,

com o apito de trem no frigorífico,

que liberava milhares de trabalhadores ao meio dia,

de segunda a sábado.

Eu competia também com a hora da Ave Maria,

às 18 horas, na rádio local.

Eu era corajoso, cara, conseguia fazer poemas sem rimar

falando dos buracos das ruas da cidade,

das suas escapadas, bebedeiras e dos sustos que davam

nos motoristas distraídos.

Ah, velho, eu também falava de um mundo em mudança

enquanto bois iam para o abate,

falava, com sinceridade, que botava fé nas pessoas,

enquanto cães e gatos conversavam com Deus

dando piruetas nas esquinas.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Observo do outro lado da rua



Tudo funciona.

Satélites orbitam continuamente e cumprem sua missão.

Aviões decolam e chegam aos seus destinos.

Planos de voo e olhares sem mistérios,

celulares conectados, bilhões de indivíduos

compartilhando informações a toda hora.

Tudo funciona por aqui.

Estamos adaptados.

Uma regra comum diz o horário pra acordar,

fazer a higiene e as refeições,

o lazer e a hora de dormir.

 

Precavido, do outro lado da rua,

mantenho uma distância segura.

Sou apenas mais um louco que prefere álcool aos coquetéis de laboratório,

que tentam amenizar a ansiedade, a deprê e a falta de sono.

Mantenho distância do instituído

que aperta os parafusos dos indivíduos,

tornando-os mais e mais ajustados.

A engrenagem funciona com trabalhadores produzindo o máximo,

dedicando muitas horas diárias ao trabalho,

e à noite que tenham pouca ou nenhuma energia

para pensar no sentido disso tudo.

Eis que caem do céu, como um presente dos deuses,

programas de TV, novelas e futebol,

para sonhar e levantar disposto amanhã,

manter-se hipnotizado e não decepcionar a grande família,

grande ídolo que segura as rédeas de nossa alma.

 

Observo tipos adaptáveis por aí,

olhos vazios, coração de mármore,

sentimentos vagos, presos a crenças de aço.

Continuo observando do outro lado da rua.

Mantenho distância segura pra não me contaminar.

Um louco, tanto que me emociono com a indiferença

dos manequins de plástico nas vitrines das lojas,

no centro comercial da city.

Sou a tal ponto ridículo, que chego a sonhar que sou

a recriação do Brás Cubas, do Machado de Assis,

talvez uma grande ideia,

uma rememoração,

um blefe da imaginação.

 

(B. B. Palermo) 


terça-feira, 6 de outubro de 2020

Esse é o meu Avatar

 

Meu Avatar me falou 

que hoje curte o poliamor

e que, desde a adolescência, 

é um punheteiro compulsivo.


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Morando com o inimigo

Você edificou uma bela casa,

com muros, grades e um portão.

A frente da casa é uma fortaleza,

uma Muralha da China,

e te protege de bandidos

e ladrões.

 

Você retorna da labuta diária

e, ao chegar, se dá conta de que perdeu

a chave.

Um cão late, no quintal,

como se quisesse afugentar

um inimigo qualquer.

 

Eu sei por que você perdeu a chave.

Você não quer voltar pra casa,

não importa o quão imponente

é o lugar onde você mora.

Você quer viajar pelo mundo

mas se sente preso,

como o sujeito que aprendeu várias línguas,

mas passa a vida toda

no mesmo lugar.

 

Todos falam que o mundo é perigoso.

Ninguém fala que é mais perigoso 

habitar

o nosso interior.

 

Você trabalhou tanto,                          

criou "necessidades",

"domou" a natureza,

cercou-se de conforto,

e isso precisou de tempo,

tanto tempo que não sobrou tempo

para se conhecer e se sentir em casa

no seu próprio lar.

 

(B. B. Palermo)

 


terça-feira, 15 de setembro de 2020

Todo mundo vomitando


Uma bolha no calcanhar dói menos
do que me deparar com a foto de uma senhora, no Face.
Eu e Ela compartilhamos algumas performances na cama,  
há meia dúzia de anos.

Fotografia premiada com rigor,
muitos cliques até chegar à imagem perfeita.
Pobre moço, em vez de tirar lindas fotos,
eu busco a palavra ideal,
aquela que sempre me escapa,
basta enquadrar a mão,
a caneta e o papel,
e tentar capturá-la.

Maneta frita uns pastéis
e eu mesmo abro o freezer
e sirvo minha cerveja.
Creio ter algum tempo de vida "útil",
pois sempre lembro quanto fiquei devendo
no seu bar.

Toda semana astrônomos emitem alertas
de aproximação de meteoros em nossa órbita,
mais um motivo pra reforçar o estoque de alimentos.
Nunca antes tive tantos ovos em bandejas, na geladeira.
Nunca comi tão bem, e isso me deixa à vontade
para experimentos etílicos.
Substituo o arroz por batata e mandioca
e evito a falta de tão precioso cereal.
Nada de opinião sobre política e economia.
Se disser algo que vá na contracorrente,
serei chamado de comunista.
Nunca se falou tanto nessa simpática
paroxítona,
e a cada dia aparecem mais co-mu-nis-tas
- deve ser efeito das crises.

Qualquer idiota acredita ter a palavra exata
para explicar as sandices que acontecem no mundo.
Tudo o que eu procuro é uma frase de efeito,
antes que transborde o efeito do álcool
e me sinta familiarizado
com tamanhas babaquices.

O final de tarde de sábado se arrasta,
e eu tenho pressa pra jogar no mundo
minhas verdades.
A palavra que procuro precisa ser a flecha certeira,
mas ela sempre foge, então me agarro nuns adjetivos
moradores de rua, passivos, simpáticos,
carentes de tudo.

O som dos carros que passam estremecem os ouvidos.
O mundo é refém do nonsense,
como o são os figos em compota.
Não apenas as conservas,
nós também estamos formatados,
depois do banho maria.

E o traveco novinho também mostra
(à comunidade católica, apostólica e romana
e aos demais curiosos do bem) suas fotos na Internet
naquela sensualidade cada vez mais feminina.
Peitinhos tenros e, a cada mês, novo corte e tintura no cabelo.
Verdades reveladas a cada dia.

"Cadelão, tu devia te preocupar com as mudanças climáticas
e o futuro do planeta, em vez de ser mais um boboca
que se enreda nessas picuinhas cotidianas".

Concordo.
E até acrescento:
quando tu abrir a boca,
quando tu vomitar teu fel,
cuidado com a direção que o teu peido vai tomar.
Não piche os muros virtuais com tanta bosta,
sempre haverá um espertinho
que defenderá suas "verdades"
com unhas e dentes,
dizendo pra meio mundo que tu
é um jegue pit bull.                                                  

Eis a nossa redenção:
cada um vai jogar
na cara do outro
a sua titica.
E ninguém vai ouvir

ninguém.

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...