Pernas cruzadas,
fita-me em silêncio,
enquanto uns
balõezinhos sobre sua cabeça
sussurram "e
então?, e então?...".
Ponho-me a rir.
Relato que ao
chegar no consultório errei de porta
e, sem graça,
interpreto o ato como tentativa de fuga.
Choro e rio e digo
o que me vem
e agora quem ri é o
Isso e o Aquilo
e eu já quase gosto
de ouvir a minha voz.
Admito, canso de
mim mesmo repetindo quilômetros de ladainhas
empanturradas da
promessa de que um dia serei melhor.
Sobre sua cabeça
retornam os balõezinhos
em ordem unida
insinuando "é mesmo?...".
Eu me fecho,
direciono o olhar pras paredes e suas estantes com livros
e o divã ao seu
lado ansioso pra amplificar os meus próximos delírios.
Não vim aqui a fim
de deixar que o Isso fale,
passei a vida
construindo muralhas,
e não vai ser essa
gostosa que agora me observa
que vai me fazer
pegar no tranco.
E tem mais, não
suporto imaginar que Ela me vê
como o mais comum
dos mortais.
Sou esperto em
aprender a desaprender.
A lógica do divã
não é a mesma do bar, mas há algo em comum:
fantasmas movem-se
nesses espaços protegidos por coleiras invisíveis
ou senhoras
autoritárias ou superprotetoras ou pais ausentes
e você sentindo-se
um covarde porque destruiu sua bússola,
paralisado por sentimentos
de culpa.
Quando me vem uma
associação qualquer,
logo fujo do Isso e
escorrego pros lados da Razão,
descrevendo minhas
fantasias ou sonhos adolescentes
de ser escritor,
ator ou narrador de jogos de futebol.
A psicanalista
apenas me fita aguardando minha farta desconversa,
e eu imploro, Imaginação
querida, fique por perto,
até a pé nós iremos
para o que der e vier.
A gostosa anda não
ao meu lado, mas atrás de mim,
como se me
transportasse um imaginário divã.
Chega a ser
engraçado ouvi-la perguntar "e então?", "e daí?".
Um amor.
Acredita que um dia
vou agarrar a boia
enquanto estiver
afundando em alto mar.
Dá corda pros meus
delírios, balbucia "hum, hum...", "ahan, ahan...".
Sei que ela ri
cascatas sob sua máscara
quando relato que
ganharia prêmios literários
se tivesse mais
tempo ou se direcionasse minha libido
para a criação.
(B. B. Palermo)