terça-feira, 23 de julho de 2019

O damo do cachorrinho




1.
Certa manhã Damo acordou com febre puerperal. Desejou colocar a roupa feminina mais bonita, sua cinta-liga e desfilar para seu cachorrinho. Superego interveio: "Liga pro Doutor Biza!". Damo não se conteve e gritou: "Liberdade!". O problema é que sempre obedecia seu senhor moral. Telefonou para o Doutor. Assim que foi atendido, disparou: "Doutor, preciso me livrar de uns fantasmas". Silêncio do outro lado. "Sabe, Doutor, não posso confessar, mas tenho uns pesadelos, estou caindo num abismo e é sempre o Cadelão que aparece pra me salvar". Enquanto narrava suas aflições, do outro lado da linha uma voz repetia "Hum... Hum...". Assim que desligou, desceu sobre sua cabeça uma tempestade de culpa. "Aiaiai... O Biza vai contar pra todo mundo... Você não devia ter ligado, sua estúpida! Guarda a tua verdade... Oh, céus, que droga de vida!".
2.
My friends, não posso garantir que isso de fato aconteceu. Só sei que nossos tempos são de acelerar o coração. Mulher quer ser lésbica, lésbica quer ser mulher. Mulher quer ser homem, homem quer ser mulher. Creio que uma das maiores fontes de infelicidade das criaturas que habitam esse planeta é tentar atravessar o abismo que separa o que elas desejam ser e o que precisam mostrar para os outros. No velho clichê shakespeariano, "to be or not to be".
3.
Consulta sempre adiada. Porém, nos encontros pelos bares, Damo escutava atentamente o Doutor, como se fosse um paciente no consultório. E numa dessas o Doutor alertou sobre a necessidade de se alimentar bem, de esquecer a paranoia de que estava engordando.
- Venha pro meu consultório. Vamos ver por que você não consegue comer. E esse medo de engordar... Cuidado, todo mundo pode achar que você está com AIDS. Ou anorexia.
Apenas uma observação, irmãozinhos: os amigos temiam ser analisados pelo Biza porque Ele podia desvendar A VERDADE. Ou contar pra todo mundo o que o paciente tal tem. Quase sempre relacionado com traumas de infância e adolescência, tipo irmão mais novo bater uma punhetinha pro mais velho, erguer a saia das irmãs ou primas ou tias ou expiá-las durante o banho. O problema, e garanto-vos que sou esperto nisso, é você encasquetar que tem o problema tal, como diagnosticou o Doutor tal... Oh, céus, será que vocês não percebem a doideira que é uns fazerem a cabeça dos outros, cambada de ridículos?
4.
No bar, as coisas iam nesse ritmo. Doutor Biza dizia:
- Se você evitar os excessos, tudo pode virar comida.
Damo se soltava:
- Uiiii! Comida... Adoro!
Diante desse cenário, eu me perguntava: "A exibida quer chamar a atenção de quem?".
Doutor Biza continuava:
- Além de você abrir o olho pra anorexia, tem que parar com essa mania de limpeza.
Saquei. Damo enche meu saco por causa dos azulejos encardidos do banheiro. Puta merda, só falta se oferecer pra fazer uma faxina lá em casa. Jesus Cristo! Quando foi que eu me fodi?
5.
Ontem à noite o prédio do lado de minha casa respirava música de sofrência. Então eu não sabia se o melhor era estar bêbado ou estar morto. Pensava essas coisas enquanto arrancava os pentelhos do saco. Fui despertado pela buzina de um carro que estacionou por ali. Doutor Biza estava animado.
- Feche a braguilha. Bote os sapatos. Vamos sair. Hoje é por minha conta.
A primeira parada foi no bar Ponto e vírgula. Bela espelunca,  o dono um mão de vaca que só encontramos nas novelas russas. O cretino logo rosnou: "Só tenho uma, estou fechando". bastou Doutor Biza deixar à mostra umas notas de cem e dizer "hoje não vamos pendurar", que o esdrúxulo baixou a guarda. "Pensando bem, libero umas geladas".
Claro que Biza enganava o tempo. Nosso destino era um inferno. Isso, aquele lugar onde ocorrem minhas observações morais mais frutíferas. O incauto diria: "Lá ninguém mente sobre si mesmo". Pobrezinho, ele não sacou que lá a verdade foi banida. O inferno só tem lugar pra quem sabe enganar e fingir e... conquistar pela farsa. Os experientes sabem disso. Se você é rico, finge pobreza. Se você é fraco, finge força. Se você é covarde, finge ser temeroso. O inferno não aceita nenhuma verdade.
Quando estou no inferno me sinto bem. Ninguém vai me esfregar a verdade. A verdade é um adolescente proibido de frequentar o inferno.
Caralho, vocês sacaram a profundidade disso?
O problema é que o adolescente insiste... e, quando o porteiro dorme, ele entra. Uma putinha no inferno custa caro. Mas o doutor Biza estava com tudo - grana e Kannjin.
Eis que se aproxima a primeira serva. Acertou o alvo:
- Como você passou por mim e não me viu?
Olhei aquela jovem, seios perfeitos, toda perfumada, pernas e bunda demais.
- Oh, meu bem, sou um velho rico, porém broxa. Te vi, mas só posso proporcionar uma chupada.
- Hum... Um velho com língua dura... Pague uns drinques e vamos pra cama, hoje você vai botar o cacetinho pra funcionar.
Ah, meus amigos, ela sabia que eu não era rico nem broxa. Me queria, mas pelo personagem. Seus peitos eram caídos e sua boceta, larga.
6.
Assim que chegamos na casa, Doutor Biza deu linha pros olhos, que logo fisgaram uma garota. Foi só pedir uma cerveja e mamar um gole, e lá estava ele massageando a coluna da princesa. Mãos daqui e dali, questão de meia hora a putinha disse "Nossa, tô me sentindo bem melhor... Você solucionou meus problemas ".
Logo logo eles foram pro quarto, e garanto que o Doutor teve excelente desconto no programa. "Ele é o cara" - pensei.
Fiquei ali na sala esperando o pó do amor começar a surtir efeito e jogando conversa fora com a veterana.
- Nossa, você escreve histórias? Bah, minha vida dá um livro.
- Sim, Baby...
Pensei : "A vida de cada inseto desse planeta dá um livro - e pensei mais - mas aí teremos o velho problema: muitos livros pra poucos leitores".
Três da manhã, estávamos nessa de papo e mamadas no sofá quando surgiu um serzinho com aqueles olhos faiscando. Puta merda... o porteiro dormiu? Jesus Cristo, um adolescente invadiu a casa!
- Cadelão, você não para em pé. Vou te levar comigo.
- Não! O Doutor me deu kannjin, eu preciso foder!
- Não, não, essa puta decadente não te merece, Ela é feia! Você quer enfartar?
Não pude deixar de pensar: "Se essa biba raivosa se vestisse de mulher, não duvido que eu até comeria".
A puta acreditou, como toda mulher da noite, que foi atingida no coração por um míssil. E partiu pro ataque. Estavam se pegando pelos cabelos, quando o cafetão berrou detrás do balcão:
- Meninas, briga não! Aqui é casa de respeito!
Eis que irrompe do quarto Doutor Biza, de cuecas. Dá um esporro e dois tapas no Damo.
- Vai embora. Cadelão tá comigo.
Doutor estava indignado.
- Essa espelunca não ter porteiro? Como permite a entrada de um adolescente? Se esse monstrinho sair do armário, nunca mais teremos paz!

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...