sábado, 29 de maio de 2021

Isso tudo não importa

 

Sirvam-me um uísque barato

com duas pedras de veneno

para que suba à cabeça

dos que fogem do improvável.

Vamos nos embriagar enquanto é tempo.

Lobos riem dos sonhos

dos cordeiros asseados,

perfumados,

Bíblia debaixo do braço,

negando os perigos da vida.

Algumas doses de Cicuta

para os que se ajoelham

diante do que não compreendem

e não confraternizam a beleza

ao seu redor.

Sirvam uma alavanca de Arquimedes

para os broxas e eunucos,

sirvam uma dúzia de energéticos literários

para os ansiosos,

egoístas,

iludidos.

Sou especialista em desfilar

com essa gente etiquetada,

papos uniformizados,

ideias de linha de montagem.

Tenho epifanias nos lugares onde operários

bebem depois do trabalho,

e diaristas retornam para casa,

idade avançando,

ventre se impondo,

pernas afinando e, que terrível,

elas nunca saberão que eu existo.

Vacilante, caminho sobre a fogueira

que formata meu cérebro

de segunda a sexta-feira.

Somos uns caras legais,

estamos na meia idade,

um pouco curvados, é certo,

mas ainda temos oxigênio

pra queimar.

Foi-se o imponderável,

apagamos o fogo poético

com jatos de cerveja quente,

cigarros, café e a alegria fugaz

por ter ganho no Jogo do Bicho

depois de um bom tempo.

 

O bebum me direciona um olhar sideral                

sugerindo que eu assista noticiários de TV

sensacionalistas,

mergulho com ele no abismo

e tenho orgulho das suas verdades patéticas.

Seja o centro de tudo,

sirva aos amigos em torno da mesa

os entulhos que deserdaram

de tua essência.

 

Isso tudo não importa.

Qualquer mau cheiro existencial se dissipa

ao contemplar a mãe que conduz a filhinha pela mão

retornando da escola para casa

no final de tarde.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 28 de maio de 2021

não exatamente nessa ordem

 

eu trotava

cambaleante

atrás de minha

alma

parecendo um centauro

das calçadas

e numa esquina

fiquei tenso

como gato

que perdeu

os movimentos

das orelhas

dos bigodes

e do rabo

é que eu precisava

mijar

então corri

pra casa

abri a porta

e já fui

detonando

peidos ecléticos

bem-vindos

ao-lar-do-ce-lar

e no banheiro

fiquei chocado

com o diálogo

que o mijo

estabeleceu

com minha pessoa

enquanto drenava

o vaso da privada

ele ordenava

hoje você vai meditar

e se masturbar

e lavar

a carcaça

e barbear

os teus pecados

não exatamente

nessa ordem

cadelão

 

(B. B. Palermo)

domingo, 23 de maio de 2021

É tudo mentira

 

Tesão não faltava,

nossos corpos eram robustos,

vivos, ágeis,

como se tivéssemos a linhagem

dos leões,

havia mesmo a tentação

de comer até se empanturrar

com filmes pornôs.

Nossas jogadas eram ensaiadas,

quase nenhum improviso,

éramos peixinhos copulando num aquário

sob o olhar vigilante dos gatos.

havia mais músculos do que banha,

nossos corpos, porcos,

tinham a verve da procriação.

E então pintava uma dor,

pudera, pouco uso de camisinha

ou anticoncepcional,

era inevitável algum aborto,

era inevitável o sofrimento,

afinal, crescemos sob o olhar atento

da Igreja Católica Apostólica Romana.

Hoje acordamos cansados dessas trepadas fáceis,

queremos agora folhear uma boa revista,

porém, não há boas revistas,

como não há bons telejornais,

e chega o momento da gente se perguntar

se isso tudo não é pura mentira,

o sexo,

o câncer,

o infarto,

o suicídio,

a vida eterna,

o amor platônico,

o casamento,

a virgindade...

...

comprimidos pra dor de cabeça,

pra dormir,

pra eterna juventude,

pra eutanásia,

pra trepar na terceira idade.

Chegou o momento de desconfiarmos de tudo,

inclusive quando os amigos insinuam que,

apesar de nossos fiascos,

somos uns caras legais.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 20 de maio de 2021

apenas corra

 

somos

complexos

Palermo é apenas a casca

o outro lado

da moeda

e ele quer estar na moda

vivendo do avesso

é que Palermo sabe

como estão tortos

e esburacados

nossos caminhos

ele sabe que seus

irmãos

são filhotes de pássaros

que caíram do ninho

e todos estamos nos braços

de formigas carnívoras

e gatos gigantes

com suas bocas no cio

farejando

nosso calcanhar

monstrinhos

sempre

nos perseguem

haja pernas

não espere algo

definitivo

no final

apenas corra

 

(B. B. Palermo)

 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Alguma saudade

 

Estava de ressaca e já eram 2 da tarde de domingo.

A vizinhança alardeava animada

sobre futebol e sugava cerveja barata.

Toquei Mozart pra abafar os ruídos que vinham de fora

e pra acalmar meus batimentos cardíacos

e suportar meus sentimentos de culpa.

Momentos de ressaca são inspiradores.

Pretendo colocar papel de parede na cozinha,

que está manchada da gordura de frituras

em horas bêbadas ouvindo Celso Blues Boy.

Planejo também esfregar os azulejos encardidos

do banheiro.

Tem dias que morro de rir da minha sujeira,

mas quando pinta uma garota

renascem meus sentimentos de limpeza,

de ordem

e de perfeição.

 

Batem à porta.

É o grande Jacó.

Olhos vermelhos, o rosto não cabendo em si

de tanto sofrimento.

Planeja internar-se de novo.

Quanto mais embebido de cachaça,

mais bota fé na sua redenção.

Jacó é o invisível do bairro.

Ele queima solitário o fogo,

rodeado de gente morta e

amores fingidos.

Apanha as latas vazias que lhe alcanço

e segue, cambaleante.

Minhas fichas não caem,

a orelha direita me dói,

arroxeada depois do último porre

e do último tombo.

5 minutos depois eis que aparece a Lucy.

Esteve ausente muitos anos.

Cavalga uma motinha fodida,

e eu não pergunto sobre o que fez,

por onde andou e se ficou com muitos caras nas boates,

ou se teve filhos.

Parece haver alguma saudade,

parece que ela nunca me deixou.

Nossos olhares silenciosos dizem:

"Caramba, como você decaiu!".

Eu sei o que ela pensa:

"Hora de ficar na toca,

não dar muito na vista,

ninguém tem nada com isso".

Penso nisso também.

 

Apanho o isqueiro e acendo incensos.

 

(B. B. Palermo)

sábado, 15 de maio de 2021

Existe algo

 

Existe algo entre um copo de café

ou de cerveja,

qualquer canção popular ouvida

numa lancheria de estação rodoviária

e que trouxe lembranças boas,

de uns 20 anos atrás.

Existe algo que atravessa o meu caminho

e que eu ainda não sei se é bom ou ruim.

Existe algo que atormenta doctor Biza

e ele sussurra pra mim

- são os comunistas.

Existe algo associado, parece, ao futuro da humanidade,

e que paralisa os sonhos dos homens de bem

e tementes a Deus, seja Ele do jeito que for.

Existe algo, eu sei, um curto-circuito

na cabeça do meu amigo,

como se fossem minhocas depravadas

que fizeram com que, de uma hora pra outra,

pessoas fossem rotuladas e classificadas

como inimigas.

Existe algo que não é metafísico,

ou imanente ou romântico,

mais parece um pragmatismo surreal,

e esse algo se infiltrou por entre as frestas

que separam razão da loucura                                                  

e agora parece goteira irreversível

nesses telhados delirantes.

Algo não cheira bem.

Meus sentidos não se enganam.

Existe algo de podre em nossa Pátria amada

salve salve.

Existe algo que embaralha os circuitos

desses cérebros tontos,

sejam rotulados de comunistas,

anticomunistas, democratas ou liberais...

Creio que se chama sa-ca-na-gem.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 13 de maio de 2021

RATOS

 

"O prédio está torto".

"Não, a rua é que está torta".

Um vizinho diz ao outro

que o prédio invadiu sua propriedade.

Já que não há consenso entre as partes,

o melhor a fazer é implodir o prédio.

É assim que descemos e subimos a ladeira,

dançando no ritmo de ridículos conflitos.

Sugiro implodir tudo o que é concreto.

Pensamentos concretos,

olhares e desejos práticos,

sugiro reprogramar nosso cérebro,

até restar a capacidade cognitiva

de uma barata.

Seres especiais, baratas resistem bem às tragédias,

brotam dos esgotos para nos desafiarem

e rirem de nossa cara de sonsos.

Porém, não percebemos porque temos

sensibilidade de ratos,

deprimidos, ansiosos, insones,

ratos que até se envergonham da arte juvenil de se masturbar,

ratos que fazem dietas e engordam

na velocidade com que seus iguais procriam

e se adaptam a ambientes hostis,

ratos que fazem academia

e fortalecem a musculatura

e monitoram com impaciência

as variações anatômicas do órgão sexual,

ratos que são solitários até quando perdidos

na multidão e na barulheira...

E ratos tomam ansiolíticos

e leem uns bestas que trazem fórmulas

com breves itens ensinando

a arte de ser feliz...

Pena que ratos nunca ficam felizes

com o que contemplam

diante do espelho.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...