quinta-feira, 30 de junho de 2022

Nem tudo está perdido


Corpos e seus músculos

salientes

me distraem das belezas do mundo.

Minhas retinas se embaralham

como arco-íris camuflados

diante das escolhas

dos irmãos.

Mas nem tudo está perdido:

os fantasmas das sombras projetadas nos muros

pelo casalzinho que passa diante do bar

me são familiares.

 

Robôs saem das academias

segurando garrafas

toalhas

e mochilas,

movendo-se no ritmo da                

"força,

vontade e

determinação!".

A busca da perfeição

estética,

narcísica e

patética

é a cortina de fumaça que impede que percebam

o poeta

numa mesa de bar

contemplando

e se embriagando

 

com o pôr do sol.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 26 de junho de 2022

Hello, garotas reais!


Mordo o sanduiche

enquanto assisto um vídeo

que um amigo enviou

de uma puta gostosa

e nua

rebolando diante de um sofá.

A legenda diz:

"Vendo este sofá!"

Peitos e bunda turbinados,

tatuagens distribuídas pelo corpo

bronzeado.

Toneladas de conteúdo

e eu não preciso pensar nisso.

Apenas curtir.

Mas eu penso, e comparo o vídeo da deusa

com laranjas

e maçãs

e bananas

que repousam imóveis na fruteira

sobre a mesa.

Coisas

coisas

coisas.

Hello, garotas reais,

vinde a mim,

despenteadas

estressadas

com olheiras

e uma puta fome

de amor!

 

(B. B. Palermo)


sábado, 25 de junho de 2022

Aloprações assistindo futebol na mesa de um bar


Cheguei no bar no intervalo do jogo do Grêmio.

Fazia 2 dias que, pela enésima vez,

havia tomado a decisão de mudar de vida:

fazer dieta, ser um quase vegano

e quase minimalista,

e me afastar do copo.

Meus planos eram claros, cartesianamente falando:

usar de minha Razão para alcançar o equilíbrio,

sem ser influenciado por pastores ou padres ou coaches,

eu sei aonde essa cambada quer chegar,

falando de disciplina, ordem e prosperidade.

O Grêmio perdia por 1 a 0 pro CSA,                                         

os malucos continuavam zonzos em campo

e o Cesinha mamava o litrão de Brahma

e corria pra calçada fumar

e rosnar contra o time.

No início do segundo tempo chegou no bar o Alopradovski,

torcedor doente pelo Grêmio e com idade mental

de uns 9, 12 anos.

Nos últimos jogos do time ele escolheu o técnico

como seu inimigo número 1.

Eu me via diante do seguinte dilema:

as pessoas se tornam alopradas porque torcem

pra um time aloprado,

ou é o contrário?

O demente xingava e torcia contra o time,

e todos no bar não compreendiam este absurdo:

como pode o cara torcer contra o time do coração

por não gostar do Roger Machado e ser apaixonado

pelo Renato Portaluppi?

Olhei para o lado, umas garotas devoravam seus lanches

num semblante apavorado, olhei pro Cesinha e visualizei

seu perfil de sujeito sanguíneo prestes a enfartar.

Em silêncio me perguntei se nos próximos anos

conseguiria juntar dinheiro suficiente

para comprar uma passagem só de ida                      

a Marte.


(B. B. Palermo)


terça-feira, 21 de junho de 2022

O Nirvana é ouro


No dia seguinte

o garoto encontrou

sua caneta esfarrapada

no bolso da calça,

junto a uma folha em branco,

toda amassada.         

O sujeito do bar disse pra todo mundo

que ele saíra de madrugada do bar,

flanando pela avenida

como um bailarino

bêbado.

O garoto não liga pras fofocas.

Ele não leva a sério esses malucos,

muitos deles viciados,

que dizem que se redimiram

porque encontraram Jesus,

bíblias debaixo do braço,

escrevendo versículos

e provérbios

nas paredes dos bares.

O garoto sabe que o Nirvana é ouro,

e sabe de onde não vem

e de onde vem

a sua libertação:

nenhuma culpa

das recaídas

e tombos

e fiascos

que costumamos fazer.                                           

Para o garoto,

O voo mais elevado,

num espaço e tempo transcendental,

pode resultar

(por que não?)

de uma queda etílica

ao retornar do bar para casa

numa madrugada

qualquer.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 16 de junho de 2022

Babacas ou gênios, não sei


Sonhamos com prazo

de validade

parecido ao dos parafusos,

arruelas e porcas.

Até nos assemelhamos,

produzidos em série,

aos milhões,

expostos nas vitrines.

Seres uniformizados,

nos repetimos em todo lugar,

carne de segunda passando pelo triturador.

Seres em ordem unida,

me fazem lembrar as fileiras

de lápides

esquecidas nos cemitérios.

Sonhamos que somos indestrutíveis,

que duraremos mais do que plástico,

seremos de vidro,

lutando bravamente para não sermos decompostos

pela natureza.

babacas ou gênios, não sei.

Queremos esquecer que somos de

carne,

nossa validade é pura ilusão.

Sonhamos que vamos nos reconciliar com a natureza,

sonhamos que vamos deixar algumas

sementinhas.       

Cético a isso tudo,

encho meu copo,

apanho outra folha em branco

e sigo proseando

 

sozinho.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 15 de junho de 2022

A lua cheia e o Beiço me arrastaram pro bar


Senti uma dor aguda

nas costas

e me perguntei se estava preparado

para morrer.

Beiço apareceu bem no momento

em que a lua cheia dava o ar

da graça.

Os dois me arrastaram pro bar.

O Pirotécnico estava sóbrio

desde o fim de semana.

Barba aparada,

roupa limpa,

saíra há pouco do banho.         

- Cretino, tu deixou de ser sublime?

- Por que, Cadelão?

- Me aparece todo desencardido.

Virou metamorfose ambulante?

Beiço riu, sem graça.

Ele sabe, uma vida limpa,

organizada,

cheia de loves com as gurias

e as contas em dia

fodem com a minha

poesia.                                               

O Piradão sabe que

nada sou

longe de minha sujeira.           

Deprimi, depois que ele falou:

- Se é pra morrer, tudo bem,

mas vamos atravessar o rio

de banho tomado

e a carcaça

perfumada!

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 14 de junho de 2022

Não sobrará tempo para enlouquecer


Aprenda a fazer um repelente

de baratas e livre-se delas

para sempre".

Leio este título

de uma matéria no Google                       

e sinto calafrios.

Pouco adianta livrar-me dos insetos,

já que sou perseguido, nas ruas,

por robôs de olhares inexpressivos.

Encurralam-me também

as conversas bizarras

pelos comércios e bares,

e os velhinhos jogando

uns trocados

nas lotéricas.

Meditar durante semanas                           

num quarto escuro,

quem sabe, me transforme

num poeta louco.      

Anúncios e vitrines me distraem.

Sacolas de compras saindo das lojas,

consórcios de carros e carnês

e o trânsito engarrafado,

isso e muito mais exige trabalho                         

e preocupações.

Não sobrará tempo

para enlouquecer.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 11 de junho de 2022

Piloto automático


A fumaça subiu na Vila Pedreira,

e com ela Deus, o diabo, céu e inferno

ficaram impregnados de simpáticas criaturas.

Eram cavalos alados, monstros da Odisseia do Homero,

um verdadeiro Apocalipse,

e não era nem 8 e meia da noite.

O rádio do bar do Manetta

transmitia a Voz do Brasil.

A bebida descia rebolando como leoas no cio

e minha cabeça sonhava libertação

de antigos demônios,

como se tivesse bebido um Santo Daime porreta.

Não vomitei nem rezei,

apenas me vi em tristes recordações.

Sexo era esporádico

e as masturbações, muitas,

diretas no piloto automático.

 

Tudo tranquilo.

Me sinto pior quando vejo mortos-vivos

destilando suas verdades absurdas

nas redes sociais.

Cada vez mais eles se superam:

colocam escapamentos superbarulhentos

nas suas motocicletas,

ou desfilam num carro rebaixado

com o som explodindo.

Hora de lembrar o que disse o velho Schopenhauer:              

"A soma do barulho que uma pessoa pode suportar

está na razão inversa de sua capacidade mental".

 

(B. B. Palermo)

 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...