terça-feira, 30 de setembro de 2008

HOMENAGENS



Vamos dar um tempo aos desenganados, para que a solidão invada seus leitos e faça o inventário de suas vidas. Falemos dos vivos, os outros deixarão suas obras gravadas em nossa memória, boas ou más, por muito tempo depois, nas datas comemorativas.
Falemos dos que se esforçam e rastejam, passo a passo, Everest acima em busca da pureza. Dos nietzchianos que, solitários, vão até a montanha trocar confidências com Zaratustra.




Os que acreditam na missão do homem, ser bom, belo e justo. Os que lutam contra as forças maléficas do inferno e do purgatório, e almejam a brancura de sua alma indolor, falemos com devoção. Aqueles que dedicam um terço da vida a plantar mistérios em Platão, que dormem e acordam com a idéia e a essência na cabeça, falemos com admiração.
Falemos das crianças vistosas, bem-vindas às milhares de informações processadas com alegria por seus cérebros piscantes.
Falemos dos loucos, que atravessam os séculos como pombos-correio, dizendo muito, o que é pouco, para nossa atrofiada razão. Que causam calafrios e estranhamento nos burgueses, operários, humildes, caquéticos. Seus faróis alucinados apontam para todas as direções, e derramam jatos de luz nos personagens pálidos da noite.
Falemos da primavera, da seiva em disparada antecipando brotos, flores e frutos, nos quintais, pomares e sítios. Do canto dos pássaros e de nossa sapiência com o riso de novas melodias. Da cadência da chuva, qual banda afinada de colégio, ansiosa por agradar a platéia.
Dos moribundos cochichemos preces antecipadas, choros e lamúrios, fé e esperança, até se dissiparem em nuvens nômades de verão. Todavia, achemos graça, sem culpa, dos graciosos e ridículos momentos de suas vidas, e marchemos de cabeça erguida para outras direções, sabendo que a vida nem sempre concordou com o nosso desejo.




Falemos das empregadas domésticas, que torcem, lavam e passam nossos pijamas, calças, camisas e cuecas. Dos pernilongos, aranhas e baratas, que usurpam nosso tempo nas gôndolas sortidas de marcas de inseticidas nos hipermercados.
Falemos do varal, do vento e do sol, que não cobram ágio e, alegres, secam nossas roupas.
Sobretudo, falemos dos vivos, os que renascem dia após dia, sejam calvos, brancos, amarelos, pardos, pálidos também, que se esforçam para vencer seus venerados hábitos, e que descobriram que o conhecimento é um ato corajoso, uma corrida vertiginosa ladeira abaixo, buscando no final tudo desaprender.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A RAPOSA

Uma raposa passeia no sótão...
- Toc, toc, tuc...
Tuc, tuc, toc, tuc!

Se é velhinha e neurótica, não sei...
Não nos conhecemos pessoalmente.
Mas vivemos sozinhos,
mesmo rodeados de gente.

Não sei o que pensa de mim.
Dela, também nada sei...
Nem consigo adivinhar
o que ela faz - se é mãe
tia ou vovozinha...
Apenas sei que,
quando caminha,
com muito estrondo,
sacode a minha vida!

- Tuc, tuc, toc...
Toc, toc, tuc, toc!

Correria no sótão,
e não sei se está saindo
pra dormir fora
ou se está chegando
pra dormir agora...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

CARPA DE PESQUE-PAGUE


Peixe sênior de pesque-pague, seduz carpas graúdas e veteranas, incumbindo-lhes a missão de cupido, para puxar suas orelhas, e as da sua pretendente, a qual espera o dourado vistoso, que amanhã vai enfrentar confiante as corredeiras do rio Uruguai.
Ninguém percebe, ou disfarça muito bem, que se lamenta porque a tempo não sobe a corredeira. Piracemas pertencem a um mundo ideal de utopias distantes que quase deletou da memória.
Carpa de pesque-pague, já não se entedia com a ração fracionada, embora sua alma de dourado jogue sob pressão e, por isso, às vezes, tem a coragem de piruetar no meio do açude.
A ração e o pesqueiro não o afastam totalmente da fúria, quando seu instinto assassino olha de atravessado para as carpas domésticas. Às vezes, em sonho, aventura-se com alma de tubarão. Mas boa parte das vezes é medroso e faz de conta que não enxerga a lama que se deposita no fundo do lago, vê apenas um límpido azul na parede de seu pequeno horizonte, como se fosse painel de publicidade.
Não deixa seu lago desembocar nas ruelas escuras e pútridas dos subúrbios, pois está hipnotizado pelas vitrines dos shoppings do centro da cidade.
Não se deixa arrastar pelas correntes furiosas que atracam em novos portos e mundos, prefere a água parada de sempre, mal-cheirosa e turva, pois a conhece de antemão, e as reações dela não mais o assustam e surpreendem.
As safras se repetem e, sênior, é apanhado por redes de malhas cada vez mais grossas. Mas o tédio da domesticação deixa alguma liberdade para se divertir com as carpas salvacionistas e, ambos, mergulham fundo no barro da futilidade, com demasiada seriedade, que até esquecem de rir de si e tirar o pó dos móveis da sala de visitas, e sua alegria monótona e previsível, como o choro de um cãozinho faminto, já não os surpreende.

ALGODÃO DOCE

Algodão doce
é neve
colorida

primavera
que roubou
o cardápio
da sorveteria

e espalhou
por aí
essências
de framboesa
maracujá
chocolate
morango
abacate
e abacaxi.

É neve
pra lamber
os dedos
e o beiço.

Não gela
refresca
desmancha
e derrete
na boca.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

BRUNA, BRUMA, BRAHMS

BRUNA
BRUMA
BRAHMS

Tudo começou
com o murmúrio
de um piano
numa tarde
breve
de sol
arco-íris
e chuva

Bruna
beijou
as ondas
com seu lábio
doce e leve
de pluma.

Ao longe
um piano
tocava Brahms
e os pés de Bruna
tamborilavam
canções
de espuma.

Antes tímida
a bruma
banhou Bruna
e semeou vertigens
em seu corpo
de mulher
sereia
e menina.

O sol já vai se pôr
e gaivotas
irrequietas
mais um poeta
sonhador
aguardam
a maré subir
e trazer
Bruna
bruma
o amor!

VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?

Pode-se escrever sobre o amor usando apenas a imaginação? Ou necessitamos da experiência, seja boa ou dolorosa? É necessário que o coração abra suas comportas e esvazie o reservatório da razão, e derrame combustível na fogueira imaginária?
Para tudo na vida precisamos ser desafiados, seja nossa razão, coração ou imaginação. O desejo deve, faminto, bater à nossa porta. Disse o filósofo grego, Sócrates, que o amor é o que não temos, e que nos faz falta. Resta definir o que realmente falta em nossas vidas. Adélia Prado, grande poeta brasileira da atualidade, resolve o dilema num verso: “Eu não quero faca nem queijo, eu quero é fome”!
Que fome é essa? De beleza, criação, amor, conhecimento, prazer, emoção! A banda de rock, Os Titãs, fala disso numa música. Primeiro, faz a seguinte pergunta: “você tem fome de quê?” E a resposta vem no desenrolar da música... “A gente não quer só comida... A gente quer...”
Para saciar nossa fome precisamos ultrapassar os limites que nossa cultura nos impõe. Se a ciência sofre, desde Adão e Eva, da “doença da curiosidade”, nós também, em todos os espaços de nossas vidas, precisamos ser tocados por esse vírus. Enquanto, na fronteira da Suíça com a França, os cientistas estão colocando pra funcionar o acelerador de partículas, visando desvendar os segredos da origem do universo, nós, em meio ao tédio, dor, repetição do cotidiano, podemos buscar algo que ultrapasse esses limites. Como? Em arte falamos do belo, do sublime, momentos que cada um pode experimentar do seu jeito. Não há receita, conselho, manual de auto-ajuda... Cada um precisa ver/descobrir a partir de si mesmo.
Não sabemos até que ponto nossa cultura blindou e decorou o amor, que nos deixa famintos, com contornos idealistas. Em Platão o amor deve afastar-se da sensibilidade (inconfiável e mutável – “coisa” do corpo) e tornar-se idéia pura, universal e eterna. Esse amor, o “amor platônico”, chamamos de amor sublimado. Até que ponto endeusamos, no rastro de Platão, o amor, por exemplo no cinema, literatura e filosofia, na tentativa de compensar sua ausência ou falta na concretude de nossa vida? Enfim, cá estamos nós, “mal amados”, em nada satisfeitos, a barriga reivindicando uma fome que não só é comida. Desejamos, com muito amor, buscar através da palavra (seja poema, conto, crônica, música ou teatro...) ultrapassar os limites da linguagem e da vida cotidiana, e penetrar nas camadas mais livres, misteriosas e profundas que permitam dizer e amar algo novo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O SONHADOR E O MAR

Flagrei-me consultando o mapa do Guia Quatro Rodas, meus olhos desejando conhecer a vasta extensão do litoral do Brasil. Meus sonhos aterrissavam nas praias, caminhavam de pés descalços pela orla, a água lambendo meus dedos...

O sol estava se pondo, e não pude evitar compará-lo com os que vi noutros tempos.

Sei, a primavera traz boas lembranças, o calor, festas, final de ano que se avizinha, tudo se insinua ante meus olhos, nas vitrines, cores do vestuário, braços e pernas já se bronzeando...

Há o apelo para que relaxemos, a mística para conhecermos lugares distantes... Não tendo outra saída, aqui no noroeste do estado, rodeado de soja e banhado pela terra vermelha, recorro ao amigo poema!

__________________________________

O SONHADOR E O MAR

Minhas nóias de consumo

descarrilaram trilhos poéticos

e a primavera fez brotar

velhos sonhos materiais.

Aflições existenciais

foram pro espaço

edifiquei em seu lugar

uma casa perto do mar.

Tijolos brita areia

ferro cimento

planta planos

fui às compras...

Vizinhos passantes

a diretoria do bairro

engenheiros arquitetos

aprovaram a sinceridade

dos meus planos

todos estão sensibilizados

com a bravura dos meus sonhos...

Meus sonhos...

seja o mais breve ano novo

seja agora neste instante

(e cada segundo que passar)

buscam delirantes

o cheiro cor som

sabor do mar...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008


Flagrei-me consultando o mapa do Guia Quatro Rodas, meus olhos desejando conhecer a vasta extensão do litoral do Brasil. Meus sonhos aterrissavam nas praias, caminhavam de pés descalços pela orla, a água lambendo meus dedos...
O sol estava se pondo, e não pude evitar compará-lo com os que vi noutros tempos.
Sei, a primavera traz boas lembranças, o calor, festas, final de ano que se avizinha, tudo se insinua ante meus olhos, nas vitrines, cores do vestuário, braços e pernas já se bronzeando...
Há o apelo para que relaxemos, a mística para conhecermos lugares distantes... Não tendo outra saída, aqui no noroeste do estado, rodeado de soja e banhado pela terra vermelha, recorro ao amigo poema!

O SONHADOR E O MAR

Minhas nóias de consumo
descarrilaram trilhos poéticos
e a primavera fez brotar
velhos sonhos materiais.

Aflições existenciais
foram pro espaço
edifiquei em seu lugar
uma casa perto do mar.

Tijolos brita areia
ferro cimento
planta planos
fui às compras...

Vizinhos passantes
a diretoria do bairro
engenheiros arquitetos
aprovaram a sinceridade
dos meus planos

todos estão sensibilizados
com a bravura dos meus sonhos...

Meus sonhos...
seja o mais breve ano novo
seja agora neste instante
(e cada segundo que passar)
buscam delirantes
o cheiro cor som
sabor do mar...

Novo homem!

  Grãos de areia interditaram meus olhos nesta quarta-feira de tarde, bastou umas calcinhas no varal tomarem banho de sol e ousarem ...