terça-feira, 16 de setembro de 2008

VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?

Pode-se escrever sobre o amor usando apenas a imaginação? Ou necessitamos da experiência, seja boa ou dolorosa? É necessário que o coração abra suas comportas e esvazie o reservatório da razão, e derrame combustível na fogueira imaginária?
Para tudo na vida precisamos ser desafiados, seja nossa razão, coração ou imaginação. O desejo deve, faminto, bater à nossa porta. Disse o filósofo grego, Sócrates, que o amor é o que não temos, e que nos faz falta. Resta definir o que realmente falta em nossas vidas. Adélia Prado, grande poeta brasileira da atualidade, resolve o dilema num verso: “Eu não quero faca nem queijo, eu quero é fome”!
Que fome é essa? De beleza, criação, amor, conhecimento, prazer, emoção! A banda de rock, Os Titãs, fala disso numa música. Primeiro, faz a seguinte pergunta: “você tem fome de quê?” E a resposta vem no desenrolar da música... “A gente não quer só comida... A gente quer...”
Para saciar nossa fome precisamos ultrapassar os limites que nossa cultura nos impõe. Se a ciência sofre, desde Adão e Eva, da “doença da curiosidade”, nós também, em todos os espaços de nossas vidas, precisamos ser tocados por esse vírus. Enquanto, na fronteira da Suíça com a França, os cientistas estão colocando pra funcionar o acelerador de partículas, visando desvendar os segredos da origem do universo, nós, em meio ao tédio, dor, repetição do cotidiano, podemos buscar algo que ultrapasse esses limites. Como? Em arte falamos do belo, do sublime, momentos que cada um pode experimentar do seu jeito. Não há receita, conselho, manual de auto-ajuda... Cada um precisa ver/descobrir a partir de si mesmo.
Não sabemos até que ponto nossa cultura blindou e decorou o amor, que nos deixa famintos, com contornos idealistas. Em Platão o amor deve afastar-se da sensibilidade (inconfiável e mutável – “coisa” do corpo) e tornar-se idéia pura, universal e eterna. Esse amor, o “amor platônico”, chamamos de amor sublimado. Até que ponto endeusamos, no rastro de Platão, o amor, por exemplo no cinema, literatura e filosofia, na tentativa de compensar sua ausência ou falta na concretude de nossa vida? Enfim, cá estamos nós, “mal amados”, em nada satisfeitos, a barriga reivindicando uma fome que não só é comida. Desejamos, com muito amor, buscar através da palavra (seja poema, conto, crônica, música ou teatro...) ultrapassar os limites da linguagem e da vida cotidiana, e penetrar nas camadas mais livres, misteriosas e profundas que permitam dizer e amar algo novo.

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