sábado, 26 de fevereiro de 2022

De bar em bar

O cérebro do amigo

está acelerado

e isso coloca em jogo

úlceras e gastrites,

ou até coisa pior.

Pedreiros drogados das periferias

não estão atrás de grandes serviços,

mas sim de bicos que rendam trocados

pra acalmar sua dependência.

Isso faz com que os planos do amigo,

de edificação da obra da década,

permaneçam rentes ao chão.

O inferno também são os bicheiros,

que o transformam num marionete.

Os espertinhos sabem como criar

e manter a compulsão pelo jogo

dessas pálidas criaturas.

Copo firme na mão,

dirijo ao amigo opiniões lúcidas:

Velho, estou preocupado contigo.

Teu motor está desregulado,

o giro dessa porra está aceleradíssimo,

parece que tua pressão arterial anda em 22/14.

Tu tem sorte, não é poeta,

senão estaria na miséria

ao se deixar enjaular

por essas possibilidades ilusórias

de ganhar alguns trocados com apostas.

O poeta mantém-se à distância dessa fauna

repleta de chinelões com calibre

igual ao teu.

O poeta observa, analisa,

faz uns rasantes contemplativos,

acredita que discretas janelas distantes,

que mostram o miúdo sentido da existência,

darão o ar da graça.

No final das contas, nos parecemos.

Sonhamos com o grande prêmio da loteria,

e a cada dia nos enredamos

na miséria comum,

traindo a verdadeira namorada,

a originalidade.

 

Ao notar que o amigo repete e repete

a mesma grandiosa ou trágica história,

o poeta fica ansioso

como bicho encurralado

num habitat estranho,

e não tem outra coisa a fazer

senão emigrar

pra outro bar.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Nasi esteve em Ijuí

- Por onde tu andou, Cadelão? Estava te esperando no Telmo, e tu nada de aparecer.

- Beiço, tropecei numas coisas estranhas, ontem. Estava passando diante do bar do Mestre Luli

e vi uns caras e duas garotas com um violão, e a música que cantavam era decente,

então sentei na mesa ao lado e tomei uns chopes.

Lembro que eles cantavam a música do Zé Ramalho, "Sinônimos".

Em seguida o cara que tocava violão cantou uma do John Lennon.

Eu me empolguei ainda mais quando ele começou a cantar uma da Blitz,

até eu fui junto... "Longe de casa / a mais de uma semana".

Meu, tive a alegre lembrança dos embalos de sexta à noite,

e nem percebi a velocidade com que o chope do meu copo evaporava.

Rapaz, a percepção de que ainda existe vida inteligente neste planeta

me fez pedir à garçonete uma folha e uma caneta.

Fiquei lá curtindo as canções e anotando umas coisas.

O cara que tocava e cantava se sentia o centro da roda,

e improvisou a música dos Mamonas, "Robocop gay".

Uma das duas garotas, uma loira de 20 e poucos anos, notou que eu escrevia algo,

e assim que a música terminou ela falou pro bando:

"Gente, o Nasi tá escrevendo um pedido. Tô curiosa pra saber que música ele quer ouvir..."

Beiço, foi aí que o maluco que tocava e cantava me perguntou:

"Pô, Nasi, quando tu vai voltar a cantar com a banda IRA?".

Eu fiquei indignado, como pode não saberem quem eu sou?

Será que não leram nenhum livro meu?

- Cadelão, que delírio é esse?

- Ah, Beiço, eu sei que tu não acredita, mas estou emprestando vida ao velho Bukowski.

- Puta que pariu, que viagem! Hehehe... Tá, mas diz aí, o que rolou?

- Eu falei pro cara: "Velho, tu não tá me reconhecendo? Nunca leu nada do Bukowski?"

Aí ele falou: "Acho que tu tá mentindo. O Bukowski tinha uma cara cheia de buracos,

e tu até que é bem bonitinho".

A galera toda riu e eu murmurei, meio sem jeito: "Obrigado, mestre".

Voltei-me pras duas garotas e falei: "Que que foi, anjinhos rebeldes, rolou ciuminho?".

As garotas se fecharam um pouco e eu pensei ter ouvido: "Credo, esse Nasi é muito estranho!".

Voltei-me pro cara do violão e provoquei: "Aposto que tu não manja nada de blues".

Beiço, o cara levantou de onde estava, parou na minha frente,

fez aquele solo e cantou em falsete uma das melhores da Janis Joplin.

O bar todo parou pra ouvir e no final foi aquele aplauso.

 

O amigo do cantor estava cambaleante e se despediu da galera.

Perguntei pro cara do violão: "De onde você é", e ele apontou pro céu.

Todo mundo riu. Aí eu falei: "Entendi, você é um alienígena vindo do planeta Zaros."

A morena de uns 30 anos falou pra mim: "Nasi, tu é bem bobinho, né?

Não percebeu que ele é um poeta que desceu das estrelas?".

Beiço, todo mundo riu de novo, e não tive saída, disse a eles de qual planeta desembarquei:

"Galera, eu sou do planeta Gugus. Vocês conhecem?".

Rolou silêncio... Aí, declamei este poema do Ricardo Silvestrin:

 

"Em Gugus,

as pessoas nascem velhas

e terminam bebês.

Vão desaprendendo e esquecendo

uma coisa a cada mês.

Cabelos brancos

ficam pretos,

carecas ganham tranças.

Com setenta anos,

todo mundo é criança".

                                                                          

Perguntei pro cara, que continuava imóvel na minha frente:

"E aí, piradão, sou um garoto sarado ou um velho escroto?"

O cara fez "não, não" com a cabeça, se afastou e embarcou na nave

em que seu amigo aguardava, um Uno 1998.

 

- Tá, Cadelão... E os anjinhos ciumentos, não rolou nada?

- Beiço, nem tudo tá perdido nessa vida. É claro que o bando me convidou para sentar com eles.

E perguntaram: "Nasi, o que tu anda fazendo na noite

com essa cara de cachorro abandonado?".

Disse a eles: "Sou um escritor desesperado, à procura de minha imaginação.

Ela fugiu de casa na segunda-feira e até hoje não voltou".

Beiço, as garotas tinham sobre a mesa um aparelho bluetooth, e se esforçaram pra me impressionar.

A morena de uns 30 anos, cabelo negro farto, sobrancelhas enigmáticas, assim como sua boca e os olhões negros,

tomou conta da conversa e começou a rodar o repertório musical que ela curtia.

Meu, era Pixinguinha, Vinicius, Tom Jobim, Cartola, Elis, Adoniran Barbosa...

Eu me perguntava, gemendo em silêncio:

"Cara, isso tudo existe? Será que morri e acordei no paraíso?".

Elas falavam e falavam, eu delirava de prazer, e os dois caras decidiram dar uma volta,

disseram que iam atrás de cigarros.

Aos poucos a morena tomou conta da mesa, e eu soube por que, era uma geminiana dominadora.

Disse pra ela: "Guria, tu não é desse mundo!". Aí ela dizia: "Eu... Eu sou aleatória".

Beiço, as gurias iam juntas pro banheiro e demoravam séculos pra voltar.

E os dois caras simplesmente saíram de cena.

Da segunda vez que retornaram do banheiro, a morena me falou:

"Nasi, não te preocupa, só rolou uns beijinhos... mas não fale pra ninguém".

 

- Tá, Cadelão... E aí??

- O que rolou depois que o bar fechou eu não consigo narrar. É emoção demais, cara.

- Tu tá é de sacanagem!

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Porko, o menino malukinho

Dia após dia Porko faz sua peregrinação,

da obra onde trabalha até o bar.

A cerveja liberta suas verdades e eu pergunto:

você quer que ele fale sobre remédios

ou de suas ações edificantes?

Ele é o proprietário das construções

que ajudou a erguer como servente de pedreiro.

É o pai da mesa no jogo de sinuca.

Foi um grande centroavante,

e só não jogou no Internacional porque seu joelho estourou.

Porko foi o primeiro sapiens astronauta a pisar na lua,

e será o primeiro a fincar a bandeira da pátria amada

nas lonjuras de marte.

É preciso levar a sério nossa higiene pessoal, ele diz,  

depois de outro gole de cerveja.

Veja bem, todo mundo perdendo o cabelo

só por frequentar essas barbearias de quinta.

Veja bem, pra tudo existe o remédio certo,

e pra queda de cabelo o melhor remédio

é o recomendado pelo Cristiano Ronaldo.

 

Porko mora há décadas no mesmo sítio,

mas sua cabeça viaja aleatoriamente por incríveis lugares,

até se deter nas tristes lembranças de sua vida amorosa.

Sua mulher fugiu com outro, mas isso foi bom,

porque não gostava mesmo dela.

O processo do seu divórcio foi uma batalha jurídica,

mas não teve medo de enfrentar a fúria da ex e de seu advogado.

Amor e ódio se dão muito bem, tanto é que sua ex-mulher

mora num puxadinho, nos fundos de sua casa.

 

Você é bom de discurso?

O discurso do Porko ziguezagueia, como um bêbado,

começa regular, depois parte pela diagonal, mas logo derrapa.

Viver é, também, remoer experiências doloridas.

 

Ouço sua fala e dou conselhos, em silêncio:

Porko, emita sons e palavras que façam brotar as flores daquele jardim.

Seja o menino malukinho, o menino do dedo verde,

seja o pequeno príncipe dos becos,

seja o motoboy que distribui pelos lares da cidade abraços e beijos,

seja o garoto ordeiro que recolhe nosso ódio e rancor

das lixeiras transbordantes de nossas calçadas.

Por favor, Porko, seja o psicólogo dos bairros,

a língua mais solta e afiada.

Espalhe aos quatro ventos que alguns amigos são drogados,

outros são alcoólatras, outros batem nas mulheres...

(Não podemos esquecer que isso é dito no calor das ondas etílicas,

a verdade não pode se fazer presente, estava viajando,

não foi chamada para confirmar ou negar.

Mas quem confia na verdade, num mundo de fake news?)

 

Você, eu, Porko e tantos outros malucos somos a prova evidente

de que é hora de escancarar as portas dos manicômios.

Em vez de estarmos presos lá, sugando os pobres recursos do Estado,

vamos instituir como lugar dos loucos os bares e os ambientes de trabalho,

porque é nesses lugares que a malucada mostra o seu valor.

 

Jogamos palavrões ao alto, semeamos maldades desnecessárias,

se pensarmos nas ações que tornariam o mundo melhor.

Porém, tanta aberração é compreensível.

Reproduzimos por aí aquilo que está instituído em nossos lares,

a tal da fofoca, real ou virtual...

  

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Uma tarde agradável de terça

Uma garota insaciável pra satisfazer

e o meu feijão está aguardando, de molho,

há umas 24 horas.

2 dias fugindo de uma refeição decente,

isso em nome da inspiração e do amor.

É uma tarde agradável de terça,

tudo estaria mais ou menos,

porém nada de cerveja na geladeira.

Uma tarde agradável,

a maioria dos moradores do bairro

estão ocupados no trabalho,

então me convenço de que as coisas

estão no seu lugar.

Penso numa sortida salada verde,

arroz integral, um bife acebolado,

ovos galados cozidos, uma boa noite de sono

e não lembro quando foi a última vez.

Ela deseja um garoto sarado e ereções sucessivas...

Sabemos que ela merece, todos temos nossas fantasias,

mas estou fora de forma,

não lembro em que ano fiz o último checkup.

É que alguns de nós, machos pra valer,                         

fugimos de médicos e exames porque compartilhamos

a ideia envergonhada de que "quem procura, acha".

Não somos mais garotos, a pança só cresce e -

ao tentar mais uma vez -

nos damos conta de que os pés estão gelados,

enquanto a outra extremidade, a nossa cara,

está suando em bicas.

 

Nunca chegamos atrasados a um novo encontro,

nova paquera, novas possibilidades de gostar

e sentir falta de alguém.

Porém, entra em campo um outro EU,

um monstrinho pra lá de neurótico, perguntando:

Quanto de vida ela vai te dar?

Quanto de vida ela vai te roubar?

Como se nossa vida fosse algo

tão valioso.

 

(B. B. Palermo)

 


sábado, 5 de fevereiro de 2022

Divina comédia humana

Fale-me do amor,

da dor,

da saudade

e da ansiedade,

nem precisa jogar areia nos meus olhos,

fique tranquila,

eu choro cascatas

em 10 vezes sem entrada e sem juros.

 

Fale-me que a liberdade

e a felicidade

são reais,

convença-me a calçar sapatos

3 números a menos.

 

Convença, a mim e ao Belchior,

de que o amor é tão concreto

quanto o sexo casual.

 

(B. B. Palermo)

 



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A fumaça sobe


Sentada num sofá confortável,

ela vê as séries favoritas,

deixando para trás as pirações

que viveu comigo.


Sentado em algum bar,

acendo o fogo

e faço a fumaça subir.

Envio mensagens para ninguém,

fantasiando quem fui,

parodiando quem sou

e as maravilhas

que tenho a oferecer.


A fumaça sobe

e eu me dissolvo

no ar.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...