sábado, 26 de fevereiro de 2022

De bar em bar

O cérebro do amigo

está acelerado

e isso coloca em jogo

úlceras e gastrites,

ou até coisa pior.

Pedreiros drogados das periferias

não estão atrás de grandes serviços,

mas sim de bicos que rendam trocados

pra acalmar sua dependência.

Isso faz com que os planos do amigo,

de edificação da obra da década,

permaneçam rentes ao chão.

O inferno também são os bicheiros,

que o transformam num marionete.

Os espertinhos sabem como criar

e manter a compulsão pelo jogo

dessas pálidas criaturas.

Copo firme na mão,

dirijo ao amigo opiniões lúcidas:

Velho, estou preocupado contigo.

Teu motor está desregulado,

o giro dessa porra está aceleradíssimo,

parece que tua pressão arterial anda em 22/14.

Tu tem sorte, não é poeta,

senão estaria na miséria

ao se deixar enjaular

por essas possibilidades ilusórias

de ganhar alguns trocados com apostas.

O poeta mantém-se à distância dessa fauna

repleta de chinelões com calibre

igual ao teu.

O poeta observa, analisa,

faz uns rasantes contemplativos,

acredita que discretas janelas distantes,

que mostram o miúdo sentido da existência,

darão o ar da graça.

No final das contas, nos parecemos.

Sonhamos com o grande prêmio da loteria,

e a cada dia nos enredamos

na miséria comum,

traindo a verdadeira namorada,

a originalidade.

 

Ao notar que o amigo repete e repete

a mesma grandiosa ou trágica história,

o poeta fica ansioso

como bicho encurralado

num habitat estranho,

e não tem outra coisa a fazer

senão emigrar

pra outro bar.

 

(B. B. Palermo)


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