terça-feira, 16 de setembro de 2025

Há quanto tempo não te vejo, querido bisavô

 

Num reencontro na vila em que nasci,
abraços acendiam memórias como lâmpadas antigas,
trazendo de volta rostos, causos,
cheiros de cozinha, poeira de campo de futebol.
- Há quanto tempo não te vejo! - diziam,
e cada frase parecia abrir uma gaveta esquecida.
Onde foram parar os troféus do nosso clube?
Anos setenta, oitenta, noventa... Alguém sabe?
E as ferramentas que arrancaram o sustento da terra vermelha?
Será que ainda temperamos a vida com as receitas dos avós?
Museus, livros, histórias puxam nossas orelhas:
lembrar é compromisso, é gratidão,
é não deixar que os jardins da memória
virem terrenos baldios.
Hoje, anos depois, saí com esse pensamento latejando,
neblina nas ruas do A. Texas,
passos contados como quem mede a distância do ontem.
O mercadinho novo me piscou luz de néon invisível:
sardinhas, bananas, maçãs, cerveja...
a economia da aldeia numa sacola plástica.
Segui, só eu e Deus ou, talvez,
também um poema preso no peito.
E então, na névoa,
vi um homem com fones enormes,
cara de quem não aprova sardinha em lata
nem funk pancadão.
Era meu bisavô,
recém-desembarcado de 1889,
sotaque de vinho colonial e olhos que viram oceano, peste,
fome e guerra.
- Cês tão fazendo o quê com o planeta, Palermo?
Inventaram carro sem cavalo,
carne que não sangra,
robô que escreve poesia…
mas ainda jogam gente no mar?
Dei um gole no latão...
talvez a espuma respondesse por mim.
- Vim buscar terra.
Voltei pra ver se sobrou alma. - disse ele,
olhando o céu costurado de satélites.
Ainda vale a pena sonhar?
Apertei as sardinhas na sacola,
senti a umidade da neblina
e respondi, numa tristeza de doer:
- Só se for de olhos fechados.
(B. B. Palermo)

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