terça-feira, 27 de maio de 2025

O cachorrinho riu


 

Alongo as pernas feito um cachorro velho

que desperta depois de séculos hibernando

e me conecto com o mundo – bastou me acomodar

numa mesa no restaurante onde ela trabalha.

Ando paranoico: quando a vejo passar,

direciono minhas câmeras para o tamanho dos seus pés.

Aí, entorno umas doses de um licor pra lá de açucarado

feito com cachaça ordinária e me convenço de que ela,

nos seus 20 anos, é a síntese do amor que procuro.

Chega a ser cômica, naquele avental estiloso

da cozinha do restaurante, uns óculos suspeitos de quem

nunca teve problemas de visão e um sorriso de quem

se diverte em iludir e (até?) fisgar o cachorro velho.

Copo cheio, minha poesia desce redonda

e a imaginação não tem limites de velocidade

e o mundo agora anda no passo certo.

Todas as vezes que ela vinha para o restaurante, à tardinha,

pedalando sua bicicleta, ao cruzar por mim movia os lábios

num tímido Oi.

Hoje, ao se aproximar, me abanou e eu entrei em transe

e me senti O Messias – aquele – e me dirigi até a praça

e fiz um longo discurso aos cães de rua que por lá perambulavam.

Usando parábolas e tals, mostrei aos bichos quais os propósitos da vida

e também o que significa levar uma vida interessante.

A bronca foi intensa, e os irmãos uivaram pra valer,

ovacionando o meu discurso.

Foi aí que um cachorrinho se aproximou e eu vi, era o Arthur, o Bacana,

e ele riu... Sim, juro, o cachorrinho riu!

 

Ela é a juventude que eu preciso e que havia abandonado

num canto escuro de coração.

Brothers, não é proibido sonhar e imaginar – ao contrário.

Garanto-lhes que essa é a melhor bagagem que carregamos.

Na manhã seguinte, sóbrio, observei sua letra,

no pedido do x-salada que me preparou

com todo o amor que há no mundo.

Orgulhoso, mostrei pro Beiço e ele riu, pra lá de bêbado:

– Cadelão, isso é letra de homem!

 

Sorri. Talvez ele tivesse razão.

Talvez fosse mesmo letra de homem.

Talvez só provocação pra testar meu equilíbrio e reação.

Por isso, o retruquei: e daí?

O que importa, grande Beiço, é o gesto, o cuidado, o carinho que senti naquele lanche simples.

E neste instante percebo que o amor não tem forma, idade ou gênero

e se manifesta nos pequenos detalhes: num sorriso tímido,

num aceno de mão, numa caligrafia no pedido do x-salada.

Levantei o copo e bradei ao velho Beiço: brindemos ao inesperado:

– Às surpresas da vida e aos amores que nos encontram

quando menos esperamos!

E o velho Arthur riu.

 

(B. B. Palermo)


Deu vontade de chorar

Hoje vi o amor. Não nos livros, nem nos filmes, mas ali, nas ruas quietas do A. Texas, caminhando manco e sem pressa. Era o Sergião, andaril...