segunda-feira, 30 de maio de 2022

Tragédias do Grêmio


Eram 3 e poucos da tarde e eu, valente,

preparava meu almoço e me culpava,

como sempre,

por ter me alongado no sábado.

Nisto o Cesinha chegou todo esperançoso

com uma vitória do Grêmio                                      

contra o Vila Nova.

Ele entrou porta a dentro

e eu abortei meu arroz integral,

caprichei numa salada e 2 ovos cozidos,

e na geladeira só tinha água e 2 latões.    

Cesinha fumava e gesticulava,

falando mal do governo

e de Deus

e de todo mundo.

Disse pra ele Tu precisa parar de fumar,

eu preciso parar de beber,

a vida deve ter algum sentido

pra um homem

que não tem vícios.

Foi então que ele revelou todo o seu sofrimento:

Eu não consigo viver sem me estressar com o Grêmio.

E jogou na minha cara:

Poeta, tudo bem, mas tá na hora de consertar teu chuveiro

e trocar a antena da TV.

Chegamos no bar do Telmo

e vimos a real tragédia do Grêmio,

um bando de maluco

correndo pra todo e lugar algum,

um time sem alma

e sem coração.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 28 de maio de 2022

Conversa de surdos


- Manetta, tu sabia que o vocalista

da banda Scorpions tá de aniversário hoje?

- Quem? Quem?

- Manetta, tu sabia que o Bob Dylan

tem o mesmo signo que o meu?

Isso, somos dois geminianos delirantes.

A vantagem que eu levo é que não sou famoso,

posso entornar todas no teu bar

sem ninguém me encher o saco.

Manetta, tu sabia que todos temos duas partes?

Isso, bem do jeitinho como disse o Ferreira Gullar

no poema "Traduzir-se".

Alguns versos são a minha cara:

"Uma parte de mim pesa, pondera,

outra parte delira.                                                   

Uma parte de mim almoça e janta,

outra parte se espanta...".

 

(B. B. Palermo)


Triste



Estou triste.

É que o David morreu

sem nem saber

que eu existo.

Não consigo me conformar

com o fato de estar

rodeado

de tantos clichês

e dedos

em riste.

Tarde percebi que sou ridículo,

um anônimo pagando

seus carnês.

O fim de semana chegou

mais uma vez

e eu dou banho

e visto roupa

nova

nos meus vícios

e barganho

com o sol

algumas parcelas

de luz.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Menos é mais


Pelas veias abertas da cidade

o negócio rola para além do que você pode imaginar.

De dia há a ordem, embora surjam alguns obstáculos

para nosso ir e vir distraído e ansioso.

De madrugada o pulso da cidade bate acelerado.

Ego e Superego saem de cena e o bebê Id balbucia Yes, yes!,

e suga com sua boca infantil todo álcool e pó

de que a cidade dispuser.

Poucas são as chances de felicidade nessa rotina que diz

que devemos produzir e consumir mais e mais.

Meu brother, o trampo é fugir do cerco das pesquisas

e estatísticas e das ligações do telemarketing.

 

O sinal amarelo do semáforo da esquina roda a saia e pergunta:

Quais as tuas chances, Cadelão, de morrer de amor?

Faz tantas perguntas absurdas e eu boto pra foder,

assumo o lugar do agente de trânsito e grito, manipulando o sinal:

Não, não, não! Morrer de amor é tudo!

O que não suporto é a indústria farmacêutica,

muito menos os Black fridays.

Fodam-se as religiões e terapias

que prometem a harmonia entre corpo e alma,  

e tem mais, não sou simples número de CPF!

 

A música no bar é repetitiva

e não me oferece nenhum sentido.

Antes de sair de casa ouvi algumas do Bach

e deve ser por isso que as canções populares

não espantam meu tédio e melancolia.

Eis a culpa por fugir do lar doce lar.

Estou cansado de saber que, se não suporto os programas diários, repetitivos,

basta doar minha TV, ou então jogá-la pela janela.

Mesmo tardiamente, este ingênuo se convenceu de que tanta informação

sistematicamente jogada em seu cérebro o afasta do essencial,

que é a possibilidade de pensar.

 

Esses dias o Beiço quis me pegar:

- Cadelão, tu é feliz?

Joguei duro com o Insolente:

- Meu, pare de se preocupar com abstrações,

 viva a vida, seu miserável!

Seja teu próprio cobaia, corra atrás dos teus desejos,

mesmo sabendo que esses monstrinhos

é que alimentam o sofrimento.

 

Aproveitei o embalo e informei ao Beiço

minhas últimas bravatas pro futuro.

Disse-lhe que estou aderindo aos ideais minimalistas

e que pretendo viajar pelo mundo,

e que minha moradia será, no máximo, num container

de uns 20 e poucos metros quadrados,

o que desejo é um enorme quintal de onde virá meu sustento

com frutas, verduras, criação de galinhas e porcos e etc.

Vou viver apenas com as coisas essenciais

que darão prazer em vez de dor.

O que é UP é a ideia de que "menos é mais".

Então o Beiço veio com esta:

- Tu vai ser minimalista também no consumo de bebidas?

Tu vai beber apenas o essencial?

- Bah, cara, não tinha pensado nisso...

- Diga, maluco, dá pra simplificar também na vida amorosa?

- Velho, o minimalismo se aplica a tudo: aos bens que consumimos,

aos amigos que escolhemos e também aos amores, claro.

 

(B. B. Palermo) 

terça-feira, 24 de maio de 2022

Minhas obras completas


Estar dentro do casamento implica

ficar do lado de fora da vida boêmia.

O inverso dá no mesmo.

"Deixei de fazer o que queria por causa de você".

"Abri mão de ter filhos e uma família

pra investir numa carreira.

Só Deus sabe o preço que paguei".

Passaram-se 20, 30, 40 ou até 50, 60 anos e você sempre ocupado,

embora sonhando com as reviravoltas prometidas.

As regras sociais podam o imaginário,

e você percebe que cercas elétricas

e portões eletrônicos

dobram de tamanho.

Um homem precisa de adrenalina,

diz o Manetta no bar,

enquanto espera pelo flush

no pôquer virtual.

Empino outro litrão de ceva

enquanto ouço Anaconda chamar,

ofertando toneladas

de adrenalina

turbinada,

deixando-me aturdido

por loucas sensações.

Assustadoramente irresistível,

mostra-se aos meus olhos

nas minhas horas mais patéticas.

Obsessiva, diz que temos tudo a ver,

e sinto que se a roda embalar

nunca mais irá brecar...

e o Grand Canyon é logo ali.

Embriagado, atravesso galáxias,

já que a Deusa me persegue

como se fosse bola de fogo.

Deixo que me energize

e me pendure num varal

junto ao sol,

e o seu amor de mil graus

me dá um abraço infinito.

"Cadelão, deixe para trás

o cascalho da vida,

minha Serra Pelada contem

todo o prazer do mundo,

nela mergulharás no ouro

e enfim viverás tuas aventuras                              

inéditas.                                                           

Vem, decifra-me,

e assim morrerás de prazer

e exibirás ao mundo

as tuas obras completas".

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Uma deusa de primeiro escalão

- Velho, por que ela não é igual a todo mundo?

Curte música clássica e rock progressivo...

Bem que ela podia curtir as baladas que a gurizada frequenta,

aquelas sertanejas repetindo e repetindo histórias de amor

que duram tanto tempo quanto feiras de finais de semana.

Beiço, ela é anormal. E jura que eu também sou.

Manda dezenas de áudios falando de seus livros favoritos.

É a Capitu e o Quincas Borba do Machado de Assis,

é a Madame Bovary, do Flaubert. Bah, cara, disse que teve uma fase

de Macabéa, a personagem da Clarice Lispector em A hora da estrela.

Não entendi se ela se identificou com o fim trágico da pobre retirante

tentando a vida numa cidade grande, ou se teve empatia,

tomando consciência das desigualdades históricas deste país.

Tu acha, Beiço, que ela é uma joia rara no meio de tanto cascalho?

É claro que isso me assusta. Como vou encarar frente a frente uma deusa de primeiro escalão?

- Cadelão, tá na hora de tu parar com tanto delírio. Mais realidade, cara.

Tu compra jaquetas de 30 pilas nos brechós, e se diz satisfeito por se deslocar as 24 Horas

atrás de fardos de cerveja barata.

- Nem me fale em cerveja barata, meu velho. Ontem disse pra psicanalista

que não consigo deixar um latão de cerveja na geladeira até o dia seguinte.

Perguntei pra ela em qual neurose ou psicose eu me enquadro, e ela apenas riu.

- Tareco, marque presença nos bailões do Gervi nos domingos de tardinha

e te deixe seduzir por uma Balzaquiana de uns 50 anos que busca companhia e estabilidade na vida.

- Ah tá, desde quando tenho condições financeiras e estrutura psíquica pra dar estabilidade pra uma senhora?

- Já pensou, Cadelão, dançar umas marchinhas, tomar uns latões de Brahma e então deixar rolar

aquele olhos nos olhos e a inevitável declaração "tu é o amor de minha vida..."?

Rapaz, é sério, por que tu não te acomoda e fica satisfeito em dividir com ela um Xis Calota no sábado de noite,

mais um litrão de refri, e aos domingos tomar chimarrão nos parques,

conversando o que todo mundo conversa? O que tem de errado nisso, cara?

Não, não, não... não diga nada! Te conheço. Sempre fugindo pela diagonal.

Tanto é que, ao se sentir solitário, a primeira coisa que faz é me chamar pra dar entrada num puteiro,

pra seduzir umas garotinhas ingênuas e carentes.

Te conheço. Se pintar uma dona com centenas de hectares de soja plantada,

tu não vai aguentar por muito tempo em dividir a vida com ela,

tu tá acostumado a abrir e fechar os botecos pelo menos umas 3 vezes por semana.

- Eu mereço, Beiço... A deusa fez moradia na minha cabeça.

Penso nela quando estou chupando bergamota no quintal, quando estou fritando ovos,

quando estou ouvindo Zé Ramalho, "mulher nova, bonita e carinhosa,

faz um homem gemer sem sentir dor".

Olha só o sonho que tive ontem de noite:

uma enorme cobra se aproximava - pense na beleza deslumbrante da Anaconda -

e ela foi se enroscando, e eu paralisado, e aquela língua fazendo cócegas na minha orelha,

e a filha da mãe me apertando e sussurrando

"Cadelão, hoje tu vai morrer de amor no meu abraço"

e, então, quando eu já estava com falta de ar, acordei.

- Mas e daí, cara, o que pode significar esse sonho?

- Sei lá... Pensei numa garota poderosa me cercando e seduzindo,

e senti algo meio ambíguo: a deusa me atrai e, ao mesmo tempo, me apavora.

- Cadelão, tu não existe!

- Olha pra mim, Beiço, repara no quanto sou lírico e romântico,

um poeta maravilhado diante das belas surpresas da vida...

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 9 de maio de 2022

Divã

 

Pernas cruzadas, fita-me em silêncio,

enquanto uns balõezinhos sobre sua cabeça

sussurram "e então?, e então?...".

Ponho-me a rir.

Relato que ao chegar no consultório errei de porta

e, sem graça, interpreto o ato como tentativa de fuga.

Choro e rio e digo o que me vem

e agora quem ri é o Isso e o Aquilo

e eu já quase gosto de ouvir a minha voz.

Admito, canso de mim mesmo repetindo quilômetros de ladainhas

empanturradas da promessa de que um dia serei melhor.

Sobre sua cabeça retornam os balõezinhos

em ordem unida insinuando "é mesmo?...".

Eu me fecho, direciono o olhar pras paredes e suas estantes com livros

e o divã ao seu lado ansioso pra amplificar os meus próximos delírios.

Não vim aqui a fim de deixar que o Isso fale,

passei a vida construindo muralhas,

e não vai ser essa gostosa que agora me observa

que vai me fazer pegar no tranco.

E tem mais, não suporto imaginar que Ela me vê

como o mais comum dos mortais.

Sou esperto em aprender a desaprender.

A lógica do divã não é a mesma do bar, mas há algo em comum:

fantasmas movem-se nesses espaços protegidos por coleiras invisíveis

ou senhoras autoritárias ou superprotetoras ou pais ausentes

e você sentindo-se um covarde porque destruiu sua bússola,

paralisado por sentimentos de culpa.

 

Quando me vem uma associação qualquer,

logo fujo do Isso e escorrego pros lados da Razão,

descrevendo minhas fantasias ou sonhos adolescentes

de ser escritor, ator ou narrador de jogos de futebol.

A psicanalista apenas me fita aguardando minha farta desconversa,

e eu imploro, Imaginação querida, fique por perto,

até a pé nós iremos para o que der e vier.

 

A gostosa anda não ao meu lado, mas atrás de mim,

como se me transportasse um imaginário divã.

Chega a ser engraçado ouvi-la perguntar "e então?", "e daí?".

 

Um amor.

Acredita que um dia vou agarrar a boia

enquanto estiver afundando em alto mar.

Dá corda pros meus delírios, balbucia "hum, hum...", "ahan, ahan...".

Sei que ela ri cascatas sob sua máscara

quando relato que ganharia prêmios literários

se tivesse mais tempo ou se direcionasse minha libido

para a criação.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...