Carol estava
entusiasmada com as dicas de uma amiga. Abriu um Brechó no bairro, com muitas
peças incríveis.
Chegou a primavera,
hora de repensar o visual.
Fisicamente generosa,
peitos e coxas o bunda, loira que adora foder e ser o centro das atenções. Precisa
de olhares pro seu corpo e ouvidos pro seu papo. Quando bebe, e olha que Ela
bebe, não vacila e aceita cheirar o pó dos carinhas. De vez em quando se
empolga e desenvolve textões meio poéticos ou meio reflexivos no Facebook, parecendo
garota que sabe o que quer.
Poderia não ser uma maria vai com as outras.
Não suporto o consumo exagerado, e isso tem a ver com minha pouca vontade de
trabalhar. Ora ora, que se fodam, meia dúzia de farrapos e não sinto falta de
muito mais.
Meu, sabia que estão
surgindo muitos brechós por aí?
Mesmo?
Uma galera que pratica
o consumo consciente.
Hum... Acho que consumo
consciente é consumir pouco.
Ah, é bom variar, se
sentir admirada.
Sabe o filósofo
americano, Thoureau? Já na metade do
século XIX ele era um crítico do que chamava de consumismo viciante e vicioso.
Esses brechós têm
roupas de segunda mão, mais baratas e com história.
É?
Lá você pode encontrar
verdadeiros tesouros.
Deus do céu. Tenho dois
tesouros de camisas, um tesouro de calça e três tesouros de bermudas. Ah, um
tesouro de sapatos esfarrapados e um tesouro de sapatênis.
A Dirce me falou que tem muitas peças da
década de 1980. Já pensou? Posso partir pra um look mais chamativo.
Sei, sei.
Devia ter notado as
botas horríveis, o casaco de pele de coelho que comprou numa viagem pra fronteira
com o Uruguai. Ela tem um belo corpo, é jovem, o nariz até que está em harmonia
com o restante do rosto, belas pernas, o quadril ainda está nos trinques. Mas
pra que tantos brincos e cintos e bolsas? Ela podia se livrar de tanto
acessório.
Acho que você não
precisa exagerar na maneira de vestir. Vamos curtir outras coisas.
Eu sou assim. E o jeito
como me visto é a minha cara. Palerma,vive enchendo o saco! Você é um babaca fino da bossa.
Sei, sei.
Se faz de escritor.
Vive de fazer tipo. Fica com essa cara de sonso.
Verdade.
Que foi? Alguém comeu
tua língua?
Sei lá.
O que foi?
Pra que repetir o de
sempre?
Saco. Não escreve nada.
Verdade.
Não sabe beijar.
Mesmo?
Pra lá e pra cá, como
um animal enjaulado. Nunca vai perceber o quanto é superficial. “Eu não tenho
regras, eu não tenho destino, vivo entre profanos e anjos decaídos...”.
Essa droga de inverno
que nunca acaba.
Pra lá e pra cá, aquela
bunda, deve estar doida pra variar na fodeção.
O inverno logo se vai,
meu bem. “Mudaram as estações... nada mudou”.
O quê? Fala mais alto.
Nada. Tudo o que começa
um dia termina.
Se vai falar pra dentro
é melhor ficar calado.
Carol, qualquer coisa
que eu disser vai te deixar ainda com mais raiva.
Vem comigo no show de
umas bandas legais na taberna do Maluco Beleza?
Você tá cansada de saber
que não tenho saco pra aquele rock pauleira e aqueles carinhas.
Você não suporta o som
que eu gosto nem curte meus amigos.
Bonito, teus amigos nuns
carrões de duzentos mil reais, roupas de grife e ouvindo umas merdas de som.
Nessas festas aproveito
pra tirar dezenas de fotos.
Por que você não coloca
o dedo na xoxota? massageia o clitóris, isso dá muito mais prazer.
No meio da festa?
Claro, meu anjo.
Esquece essa paranoia de pau de selfie. Isso é falta de orgasmo.
O barril de pólvora
apanhou sua bolsa de brechó e caiu fora, sem antes, claro, quase arrebentar a porta.
Manda um beijo sabor agrotóxico pros teus amigos.
Creio ter ouvido um
rosnado, ao longe:
Fique aí enchendo a
cara e escrevendo as merdas de sempre.
Hora de relaxar, beber
outra dose e partir pra um plano B. Adoro essa doida mas sempre me esforço pra
deixá-la furiosa e decidida a partir, mesmo sabendo que poderá passar a noite
com outro cara. Não a quero totalmente comigo, nada de exclusividade, é como se
um dia tivesse uma carta na manga pra poder saltar fora.
Alô? Carine?
Cadelão! Quanto tempo.
Tudo bem?
Tudo. Melhor agora.
E as novidades?
O mesmo de sempre.
Batalhando numas histórias.
Sinto falta das
histórias que você lia pra mim.
Sozinha?
Estou sozinha. Vem pra
cá.
Ok. Vou pegar umas
cervejas e passo aí.
Cinco da manhã, sinto uma
coisa estranha, um desejo de voltar pra casa. Deve ser a necessidade de experimentar
uma traição.
Ela dorme com a roupa que
saiu. Nem as botas ridículas despiu. Bêbado, escorrego no tapete da sala, brigo
com um bonsai que está próximo da janela e chuto o urso de pelúcia que dorme no
sofá. Ele se encolhe, esfrega os olhos e me observa, apavorado.
Você é um ridículo.