Pra ser sincero, e isso eu só conto pra vocês, não me estresso com as
questões políticas e seus desdobramentos. Sei, pela idade e experiência, que a
maioria das pessoas se comporta como vira-latas, latem, latem, mas na hora do
"vamos ver", arriam o rabo entre as pernas. Ninguém é santo. Muitos podem
ser ingênuos, ovelhas obedientes, mas se a corda esticar tornam-se babacas,
militantes infantilizados, de um lado e de outro, e de má-fé e lambedores de
saco e de botas.
Estava no bar do Maneta me esforçando pra acompanhá-lo no copo, ouvindo repetidas
vezes seus planos e ladainhas. A mulher preferia ir à igreja a ter que dar pra
ele. Os filhos discordavam de qualquer opinião do pai, sua autoridade já era. Garganteava,
pela enésima vez, sua necessidade de acampar e pescar e morar numa chácara. Pensei
em dar-lhe uns conselhos, como agradar a mulher, tomar banho mais seguido,
ficar cheiroso, vestir uma roupa nova.
O pilantrinha me elegeu seu companheiro, "convidado especial",
pra irmos num puteiro de quinta categoria. Se afeiçoou a uma garota que, logo
vi, de pouquíssimas virtudes e sensibilidade. Só dava pra ele e aguentava seus
papos porque ele metia sem dó a mão no bolso.
faceiro, logo estiquei o olho pra uma garota magérrima e dentinhos ralos
e saltados e cabelos curtos, que trabalhava de garçonete. Juro que na hora me
pareceu atraente, porém ao encontrá-la no outro dia, sóbrio, saltou aos olhos
suas olheiras e cara chapada e voz meio travada e então minha decepção foi
enorme.
O dia seguinte é o de menos. Maneta, empolgado, pagava todas, e eu usei
meus trocados pra rodar, na máquina, rock dos anos Oitenta.
Quando a dentuça miudinha se aproximou, depois da troca de olhares,
brotou o velho e mesmo desejo, o de adotar pets abandonados. Foi o que fiz. Ela
se desfez do avental, acariciei seu rosto e cabelos. Apanhou o celular e me
mostrou fotos de como era seu cabelo: preto, liso, que alcançava a bunda. Mas
estava endividada, ganhou mil reais com a tosa. Foi aí que eu pensei que ela
seria a cadela perfeita pra tomar conta do meu canil.
Ela me beijou e disse que gostou de minha pessoa e, do seu canto,
agarrado à loira insensível e pouco confiável, o Maneta liberou dúzias de
cerveja e rosnou "nada de uísque com energético".
Embora alto, notei as conversas e movimentos estranhos nos fundos do bar,
uns caras bêbados quase se pegando e nos espiando desconfiados, e então uma luz
me avisou de que eu e meu amigo poderíamos estar em perigo e o melhor a fazer
era cair fora. Além do mais, Maneta tinha poucas opções, eram três da manhã, a
mulher esperando por ele, e a puta pressionando pra assumir a titularidade e
ganhar um bar dele, pra que ela administrasse.
O banheiro era um cubículo ordinário, e ficava do lado de fora. No
caminho, olhei pro céu pra me sentir afagado e menos solitário, compartilhando o
olhar e a presença das estrelas. Foi quando me deparei com umas luzes
despencando do firmamento, explosões estranhas que ribombavam e sacudiam e
fizeram tremer portas e janelas do puteiro.
- Puta que pariu! É hoje, o
meteoro tão aguardado acabou de chegar! Eis o momento perfeito: todo mundo,
corruptos, fascistas ou comunistas, putas
e escritores fracassados, todos, todos irão pelos ares!
Atônito, retornei pro bar. Maneta acertava a conta, escrevi o número do
meu telefone num caderno que a garotinha me alcançou e sussurrei
"paciência, hoje o mundo veio abaixo, mas amanhã vou te foder gostoso, nem
que seja no purgatório".
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