quarta-feira, 12 de junho de 2019

Nem que seja no purgatório



Pra ser sincero, e isso eu só conto pra vocês, não me estresso com as questões políticas e seus desdobramentos. Sei, pela idade e experiência, que a maioria das pessoas se comporta como vira-latas, latem, latem, mas na hora do "vamos ver", arriam o rabo entre as pernas. Ninguém é santo. Muitos podem ser ingênuos, ovelhas obedientes, mas se a corda esticar tornam-se babacas, militantes infantilizados, de um lado e de outro, e de má-fé e lambedores de saco e de botas.
Estava no bar do Maneta me esforçando pra acompanhá-lo no copo, ouvindo repetidas vezes seus planos e ladainhas. A mulher preferia ir à igreja a ter que dar pra ele. Os filhos discordavam de qualquer opinião do pai, sua autoridade já era. Garganteava, pela enésima vez, sua necessidade de acampar e pescar e morar numa chácara. Pensei em dar-lhe uns conselhos, como agradar a mulher, tomar banho mais seguido, ficar cheiroso, vestir uma roupa nova.
O pilantrinha me elegeu seu companheiro, "convidado especial", pra irmos num puteiro de quinta categoria. Se afeiçoou a uma garota que, logo vi, de pouquíssimas virtudes e sensibilidade. Só dava pra ele e aguentava seus papos porque ele metia sem dó a mão no bolso.

faceiro, logo estiquei o olho pra uma garota magérrima e dentinhos ralos e saltados e cabelos curtos, que trabalhava de garçonete. Juro que na hora me pareceu atraente, porém ao encontrá-la no outro dia, sóbrio, saltou aos olhos suas olheiras e cara chapada e voz meio travada e então minha decepção foi enorme.
O dia seguinte é o de menos. Maneta, empolgado, pagava todas, e eu usei meus trocados pra rodar, na máquina, rock dos anos Oitenta.
Quando a dentuça miudinha se aproximou, depois da troca de olhares, brotou o velho e mesmo desejo, o de adotar pets abandonados. Foi o que fiz. Ela se desfez do avental, acariciei seu rosto e cabelos. Apanhou o celular e me mostrou fotos de como era seu cabelo: preto, liso, que alcançava a bunda. Mas estava endividada, ganhou mil reais com a tosa. Foi aí que eu pensei que ela seria a cadela perfeita pra tomar conta do meu canil.
Ela me beijou e disse que gostou de minha pessoa e, do seu canto, agarrado à loira insensível e pouco confiável, o Maneta liberou dúzias de cerveja e rosnou "nada de uísque com energético".
Embora alto, notei as conversas e movimentos estranhos nos fundos do bar, uns caras bêbados quase se pegando e nos espiando desconfiados, e então uma luz me avisou de que eu e meu amigo poderíamos estar em perigo e o melhor a fazer era cair fora. Além do mais, Maneta tinha poucas opções, eram três da manhã, a mulher esperando por ele, e a puta pressionando pra assumir a titularidade e ganhar um bar dele, pra que ela administrasse.
O banheiro era um cubículo ordinário, e ficava do lado de fora. No caminho, olhei pro céu pra me sentir afagado e menos solitário, compartilhando o olhar e a presença das estrelas. Foi quando me deparei com umas luzes despencando do firmamento, explosões estranhas que ribombavam e sacudiam e fizeram tremer portas e janelas do puteiro.
 - Puta que pariu! É hoje, o meteoro tão aguardado acabou de chegar! Eis o momento perfeito: todo mundo, corruptos, fascistas ou comunistas, putas  e escritores fracassados, todos, todos irão pelos ares!
Atônito, retornei pro bar. Maneta acertava a conta, escrevi o número do meu telefone num caderno que a garotinha me alcançou e sussurrei "paciência, hoje o mundo veio abaixo, mas amanhã vou te foder gostoso, nem que seja no purgatório".

(B. B. Palermo)




O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...