domingo, 22 de abril de 2012

Reparto com você o que não é meu - Ferreira Gullar


Lembra-te que o tempo é um jogador que ganha todos os lances sem roubar (Baudelaire.


Não é por falta de assunto. É que nada que escrevesse daria ao leitor tanto prazer quanto o que se segue:




- Comigo a anatomia ficou louca: sou todo coração (Maiakóvski).


- O pensamento se faz na boca (Tristan Tzara).


- Belo como o encontro fortuito de um guarda-chuva e uma máquina de escrever sobre uma mesa de necrotério (Lautréamont).


- Quando as mulheres vão urinar, as árvores olham e não dizem nada (poema dos índios Macunis).


- Pulo das páginas em teus braços (Walt Whitman).


- Não há lugar para a morte; sempre vivos, os seres retornam todos ao Céu, em esferas de luz (Virgílio).


- Se hoje, o arcanjo, uma ameaça detrás das estrelas, desse um passo apenas em direção a nós, nosso coração, sobressaltado, explodiria (R. M. Rilke).


- Após a morte, deveriam nos meter numa bola; essa bola seria de madeira e de varias cores. Rolariam a bola para nos conduzir ao cemitério e os papa-defuntos encarregados dessa tarefa usariam luvas transparentes para despertar nos amantes a lembrança das carícias (Francis Picabia).


- Desse pão não comerei (Benjamin Péret).


- É preciso esgotar o campo do possível (Holderlin).


- Se a aparência expressasse a essência, a ciência seria desnecessária (Karl Marx).


- Os poetas não mandam no que cantam (Homero).


- A natureza ama se ocultar (Heráclito de Éfeso).


- Boca de fome, oh boca generosa / dizendo sempre a mesma água clara (R. M. Rilke).


- Aqui é a escola das árvores. Estão aprendendo geometria (Raul Bopp).


- A noite está bonita. Parece envidraçada (Raul Bopp).


- Eu te mostrarei o medo num punhado de pó (T. S. Eliot).


- Irmã sem memória, morte, com um só beijo me tornarás igual ao sonho (Giuseppe Ungaretti).


- Na casa havia nove irmãs. Uma foi comer biscoito. Deu um tangolomango nela, não ficaram senão oito (folclore).


- Fixava vertigens (Arthur Rimbaud).


- Lembra-te que o tempo é um jogador que ganha todos os lances sem roubar (C. Baudelaire).


- Mas as coisas findas; muito mais que lindas / essas ficarão (Carlos Drummond de Andrade).


- Então a nuvem passou e o tanque estava seco / Vai, disse o pássaro, porque as folhas estão cheias de crianças, ali escondidas e excitadas, contendo o riso / Vai, vai, vai, disse o pássaro: o espírito humano não suporta tanta realidade (T. S. Eliot).


- No ponto em que estamos, não há nenhum temor urgente (René Char).


- Voltei lá onde jamais estivera. Nada do que não era tinha mudado. Sobre a mesa (a toalha de linóleo em quadrados); reencontrei pela metade, o copo que jamais se enchera. Tudo continuava tal como nunca havia deixado (Giorgio Caproni).


- Alguém moveu Sírius de um lado para o outro (Murilo Mendes).


- E os chapéus das mulheres que passam são cometas no incêndio do anoitecer (Blaise Cendrars).


- Uma floresta cujos pássaros são todos de chamas (André Breton).


- Os bombons e as flores me dão dor de dentes (Francis Picabia).


- Minha mãe tocava piano no caos (Murilo Mendes).


- O poeta futuro cai do velocípede (Murilo Mendes).


- Se dom Pedro II vier aqui com história, eu boto ele na cadeia (Oswald de Andrade).


- Quem, se eu gritasse, me ouviria dentre a legião de anjos? (R. M. Rilke).


- Para onde caminha minha sombra / neste cavalo de eletricidade (Augusto dos Anjos).


- Já vai escurecendo / o sangue pára de arder / Agora o que digo acendo / para não me perder (Vitorino Nemésio).


- Quem fizer amor dormindo / é logo expulso do sono (Jean Cocteau).


- Por ter roubado a Nissus, cabelos de púrpura / sua filha traz cães furiosos no púbis e nas virilhas (Ovídio).


- Meu amor de nádegas de primavera (André Breton).


- A mulher do fim do mundo / chama a luz com um assovio (Murilo Mendes).


- Mais abaixo do que eu, sempre mais abaixo que eu, se encontra a água. É sempre de olhos baixos que a vejo (Francis Ponge).


- Mal entrava no mato, era um delírio / Os papagaios se reuniam em bando, protestando / como um verdadeiro comício (Cassiano Ricardo).

(Folha de São Paulo, 11 de maio de 2008)


Toda Lorena

  Olhava pro fogo mágico do entardecer, que mais parecia uma lareira mandando bem em viagens noutras esferas. Me encanto ao ver minha musa p...