segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Meu amigo é um especialista em correr atrás de ******

Beiço sempre pergunta: "Cadê os acontecimentos sublimes, que masturbam os sentidos?"
Suponho que isso tem a ver com suas trapalhadas com garotas, as "putas". As coisas andam sintomáticas. Ele se comporta com a seriedade de um pesquisador, cientista social, um especialista em comportamento humano. Pra ele é fundamental saber se uma garota é "fácil" ou "difícil", por que fica com muitos caras ou não...
Nos barezinhos de quinta categoria é farto o material para nossa análise. Ainda mais estando rodeados de uns escrotos, uma corja satisfeita com os papéis que desempenha por aí.
Discursos agudos de operários batendo o ponto e colocando uns jalecos surrados pra iniciar novo turno, e dizendo "graças a Deus que eu tenho um emprego!"
Conversavam, como se tivessem se reencontrado depois de décadas, como se estivessem retornando de uma guerra, como se tivessem nascido de novo.
Suas necessidades são terríveis aos olhos do Beiço, o especialista: desejam adquirir uma arma, como se estivessem diante de inimigos terríveis, como se sua sobrevivência dependesse do extermínio desses "monstros".
Falam ao mesmo tempo, como porcos devorando a última refeição. Suas opiniões políticas e econômicas e morais são perfeitas. Nada que não possa ser reciclado, virar adubo e ser tragado pela natureza.
Um horror. Afastei-me do balcão do bar com uma garrafa de cerveja no colo, cuidando dela como se fosse meu bebê, e uns garotos viciados em coca-cola me fitaram, como se eu desembarcasse de outro planeta.
Tempos estranhos. Belos foram os ataques de espirros no sujeito duma mesa, que discursava sobre suas dívidas aos bancos. Milagre, todos que estão próximos têm dívidas nos bancos. Num momento incrível, eu falei e eles me ouviram. Quase chorando, disse-lhes que devo pra meia dúzia de bancos, e que "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão".
Esses papos me fazem crer que os vermes não são seres inferiores e desprezíveis, um ato escrotinho da criação. Nessa bagunça, cada bêbado vomitando sua verdade, uma voz, que ficou represada em cada sonho desses nojentos, o que poderia ter sido e não foi, limitou-se a dizer: "O mais importante é você jogar álcool nessa carcaça".
Chegava a noite e eu estava sem rumo, e não sabia e nem queria ir a qualquer lugar, e sugava a segunda cerveja. Como um nevoeiro, a febre baixou sobre meu ser: penso agora em boceta. Claro, sou influenciado pelas teses do Beiço.
Enquanto a fala do meu amigo era abafada pela gritaria dos demais bebuns, observei o trânsito na avenida. No sinal fechado uma motinha fodida aguardava na frente dos carros. Enquanto esperava, o cara tentou engatar a primeira marcha... e nada. Fiquei tenso. O sinal abriu e ele arrancou numa terceira, juro que eu vi! A moto partiu indecisa, toda insegura, como certas mulheres loucas pra dar... Isso, sejam mulheres ou sejam homens, muitas vezes cedemos mais do que planejamos. A maioria não quer se expor, porém posta fotos sensuais na internet. Observo as garotas, muita bunda e peito e poucos olhares interessantes. Mesmo assim, sempre a lengalenga: "Não quero que a sociedade me rotule como veado ou puta!".
Três garotas sentaram noutro canto, cigarros, salgados, celulares e olhares a postos. Maquiagem, roupas sensuais e, influenciado pelo Beiço, imaginei que elas eram do brique. Que merda, eu ali, um coroa carregado de preconceitos e sacolas com queijo e massa e cebola e tomate e uma garrafa de uísque, fazendo hora antes de voltar para casa e me enrolar no cobertor da minha solidão. Encolhi de tamanho ao notar que elas se interessaram pelo garoto frentista, de uns vinte anos. Elas olharam pra ele, eu vi tudo, e eu não existia.
Ah, as minhas garotas. Saco, ou são muito gordas ou são esqueléticas. Amiguinhos, aprendi com o Beiço, não ligo pra alma das mulheres, se têm de fato. A ideia fixa é na roseira, sim, e eu me torturo e tenho prazer de lembrar como foram esses paraísos, as garotas que posaram, paisagens de minha memoria. Relembro como cultivava, quer dizer, conquistava, até desfrutar na cama aquela flor que despetalava com paciência e técnica. Bem-me-quer, malmequer... de início com os dedos e logo depois às beiçadas. Se alguém assistisse a cena, a garota com as pernas totalmente escancaradas e eu com a cabeça ali mergulhada, creio que acharia cômico.
Vou repetir: minhas ideias fixas resultam dos conceitos giratórios que ouço do Beiço. Hoje ele está mais estressado; com o trabalho, o patrão, a vida que leva. Anotei várias coisas no meu bloquinho. A primeira foi ele dizendo que "nós, Cadelão, somos uns operários de bosta, não especializados, uns iludidos e enfeitiçados por um prato de comida. É isso, velho, só pensamos em comer, comer e sobreviver". Não entendi se "comer" era literal ou figurado. E disse mais: "Somos uns cretinos acomodados. Se nos mandarem andar de quatro, nós andamos". De novo não entendi se "andar de quatro" era literal...
Eu dizia Menos, Beiço, menos, enquanto ele acelerava na quinta marcha.
- Cadelão, além de falarem demais, essas criaturinhas trepam contigo uma única vez e já pensam no amor!
Disse a ele Meu amigo, mude o foco, pense no privilégio que é ouvir esses bêbados, saca só o efeito terapêutico disso. Sabe, aqui estou vacinado contra o cheiro e a imagem que fica da estrumeira que todos mergulham no dia a dia, tipo alegrar-se com as tragédias dos outros, ou sofrer por causa do sucesso desses outros. Beiço, agarre essa imagem: uma multidão de sapos coaxa amargamente num pântano de merda.
Senti que ele apertou os olhos... como se a bebida tivesse acelerado seu efeito. Continuei: Estou aqui, carregando caneta e bloco de papel e uns trocados pra beber cerveja. Mergulho nessa atmosfera, mas é como se não fizesse parte do ambiente.
Beiço mexia as mãos, estralava os dedos, parecia impaciente. Saquei que era hora de voltar a ouvi-lo, retomar o assunto verdadeiramente importante: como ter sucesso ao correr atrás de boceta!

(B. B. Palermo)

Ele dá um beijo contido...



Ele dá um beijo contido, parece um coelhinho de longas orelhas rosadas; morde de leve a boca de Lucienne, como se estivesse mordiscando uma folha de repolho. Ao mesmo tempo, seus olhos redondos e brilhantes repousam na bolsa aberta ao lado dela, na cadeira. Espera só o momento de poder dar o fora, está louco para ir embora e se sentar nalgum café sossegado da Rue du Faubourg Montmartre.
Conheço-o, o diabinho inocente, com seus olhos redondos e assustados de coelho. E sei que diabo de rua é aquela, com suas placas de bronze e artigos de borracha, as luzes piscando a noite toda e o sexo correndo por ela como um esgoto. Andar da Rue lafayette até o Boulevard é como passar pelo castigo das varas na caserna, pois as putas grudam em você como cracas, devoram-no como formigas, elas adulam, tentam convencer, prometem, pedem, imploram, experimentam falar alemão, inglês, espanhol, mostram seus corações sofridos, seus sapatos gastos e muito depois de você se livrar dos seus tentáculos, muito depois da agitação e do gemido acabarem, as suas narinas continuam com o cheiro de lavabo impregnado, ou o cheiro do Parfum de Danse, de eficácia garantida à distância de vinte centímetros. Alguém poderia passar a vida inteira naquele pequeno trecho entre o Boulevard e a Rue lafayette. Cada bar é agitado, vibrante, o jogo corre solto, os caixeiros ficam debruçados como abutres em seus bancos altos e o dinheiro que manuseiam tem cheiro de gente. Não há similar no Banque de France para o dinheiro sujo que circula por ali, o dinheiro que brilha com suor humano, que passa como um incêndio florestal de mão em mão e deixa uma fumaça e um mau cheiro. O homem que consegue andar pela Faubourg Montmartre à noite sem ofegar ou transpirar, sem fazer uma prece ou rogar uma praga, um homem assim não tem colhões e, se tem, deveria ser castrado.
Supondo-se que o tímido coelhinho gaste cinquenta francos por noite enquanto espera sua Lucienne. Supondo que ele sinta fome e compre um sanduíche e um copo de cerveja, ou pare e converse com a puta de outro. Você acha que ele deve estar cansado dessa rotina toda noite? Acha que isso pesa, oprime, mata-o de tédio? Você não pensa, espero, que gigolô não é ser humano? O gigolô também tem suas tristezas e misérias pessoais, não se esqueça. Talvez ele ache que não existe coisa melhor do que ficar na esquina toda noite com dois cachorros brancos, olhando-os mijar. Talvez ele gostasse de, ao abrir a porta, vê-la lá lendo o Paris Soir com os olhos já meio pesados de sono. Talvez não seja tão maravilhoso, ao se inclinar sobre sua Lucienne, sentir o cheiro de outro homem. Talvez seja melhor ter apenas três francos no bolso e dois cachorros brancos que urinam na esquina, em vez de sentir aqueles lábios que foram muito roçados. Aposto que, quando ela o abraça apertado, quando pede aquele pouquinho de amor que só ele sabe dar, aposto que ele luta com mil diabos para conseguir que o pau levante, para afastar aquele regimento que marchou no meio das pernas dela. Talvez, quando a pega e cantarola uma nova canção, talvez não seja só paixão e curiosidade o que sente, mas uma luta no escuro, uma luta solitária contra o exército que investiu contra os portões, o exército que passou por cima dela, de tropel, e deixou-a com uma fome tão devoradora que nem um Rodolfo Valentino seria capaz de aplacar. Ao ouvir as acusações que fazem contra uma garota como Lucienne, ao ouvir ser denegrida ou humilhada por ser fria e mercenária, mecânica demais ou ter muita pressa, por isso ou por aquilo, penso: para com isso, cara, devagar com o papo! Lembre-se que você está no fim da fila, lembre-se que um regimento do exército já a sitiou, devastou, saqueou e pilhou. Penso: escuta, cara, não inveje os cinquenta francos que paga a ela, pois sabe que o gigolô dela os está desperdiçando agora no Faubourg Montmartre. O dinheiro é dela, o gigolô é dela. É dinheiro sujo. É dinheiro que jamais sairá de circulação porque o Banque de France não tem como resgatá-lo.

(Henry Miller. Trópico de câncer, pp. 149-150).

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...