terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Lembro que ele...



Lembro que ele guardava mágoas e praguejava e maldizia uns carinhas e umas fulaninhas, eles eram "cheios" e elas umas exibidas que se achavam.
Lembro que ele usava a expressão "cunhenhem", e significava algo como um "coitado", um "samoco" ou um "sem noção".
Lembro que ele buscava uma namorada que seria seu par perfeito.
Lembro que compartilhávamos a mesa no trabalho, e ele se deixava encantar com as histórias que eu inventava, de aproximação às garotas e fiascos e perdas e conquistas.
Chamava-se Edilson e nada sei de seus pais e irmãos, quem está por aí e quem já partiu.
Mais do que as palavras que saíam de sua boca, lembro que sua expressão facial refletia um sujeito ansioso e agitado.
Lembro que vim do norte do Rio Grande do Sul e que ele me instruía sobre os bares e boates e padarias e puteiros, onde rolavam orgias e outras coisas que deviam ser evitadas.
Lembro que naquela época não havia HIV e poucos usavam camisinha, e chato e gonorreia eram coisas normais.
Lembro que não tínhamos medo da morte e do futuro, que vivíamos o "Carpe diem", lição que aprendemos com o filme "Sociedade dos poetas mortos". Lembro que a cidade tinha dois cinemas e muitos filmes eram bons, e então assistíamos no domingo e, de novo, na terça-feira.
Lembro que o Edilson tinha temperamento explosivo e fazia cara feia para chefes e patrões e professores "xiitas", mas era nosso amigo e aceitava piadas e brincadeiras.
Lembro que ele dizia que quando fosse pra sala de aula os alunos iam se foder com ele.
Lembro que no futebol ele era pouco habilidoso e batia muito.
Lembro que ele sonhava ter um carro e, assim, conquistaria as garotas.
Lembro que nas festas ele enchia a cara e tinha soluços e crises de choro. Lembro que nessas horas necessitava de muita proteção, como se fosse o caçula da turma, ou a criança mais nova da família.
Lembro que ele lutou durante anos contra um tumor no cérebro, e que eu estava distante, enrolado com minhas tentativas e alguns sucessos e alguns fracassos e paranoias. E quando ele partiu dessa lembro de ouvir a notícia, mas viajava de férias e, indiferente, não fiz qualquer esforço pra levantar acampamento.
Hoje tento recordar em que região do cemitério ele jaz.
Agora não é uma questão de lembrar. Disso eu tenho certeza. O tempo é implacável. A indiferença para com meu amigo, a falta de memória e os olhos fixos para os desejos mundanos, tudo isso vai nos derrubar e deixar perplexos. O tempo nos leva de roldão, embora digam por aí que pensar nisso é mera filosofia irreal e inútil.

(B. B. Palermo)                           

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...