sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Apelo - Dalton Trevisan


Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.


Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.


Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Namoro


Pombos quase crianças pulavam de galho em galho
e com todos os poros fazendo o porteiro
enrubescer seus conceitos sobre amor
e paixão a toda prova beijinhos
e abraços causaram alvoroço no pátio
da escola a aula acabara e as câmeras
desceram de seus postos para degustar
café fofocar com a boca nas orelhas
o pátio só para o casal de pombos
mais um par de olhos ali
a contemplar a quase
delinqüência era pagar
pra ver a adolescência
agitada se digladiar
com suas irmãs
tesão medo
e inocência!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Os últimos dias - L. F. Verissimo

Não sei se esta é uma boa hora para falar nisso, mas se a previsão de que o mundo vai acabar em 2012 estiver correta, este é o último Natal das nossas vidas. E o próximo réveillon tem a obrigação de ser uma festa para acabar com todas as festas, pois depois não haverá remorsos nem recriminações – depois não haverá mais nada. Você está livre para fazer, na Festa do Último Fim de Ano, tudo que sempre pensou em fazer mas foi detido pela moral, os bons costumes, o código civil e seu instinto de preservação. Pode entrar na festa nu e sair caramelado.

Pode derrubar o cantor da banda e tomar seu lugar pelo resto da noite, como sempre sonhou, rechaçando aos pontapés todas as tentativas de tirá-lo do palco. Pode dizer o que pensa de todas as pessoas que não gosta e declarar sua paixão para todos os seus amores secretos, sem temer o revide ou o desdém. Pode fazer tudo isto sem pensar na sua reputação, pois se a previsão estiver certa ninguém mais vai ter uma reputação.


Deve-se pensar em algumas medidas práticas a serem tomadas na iminência do fim do mundo. Começar a comprar tudo com cheques pré-datados ou a crédito, por exemplo. Usar ao máximo os cartões de crédito, inclusive nas viagens para o exterior que se fará às pressas. E a crédito. Conhecer o maior número de lugares que ainda não se conhece no mundo, numa espécie de tour de despedida. Fazer a Copa do Mundo de 2014 em seguida, sem esperar 2014. Encurtar o carnaval deste ano para poder fazer, adiantados, os de 2013, 2014 e 2015. Aproveitar todos os pores de Sol possíveis, pois eles também serão os últimos. E isto é o mais difícil: passar a só dizer coisas definitivas. A proximidade do fim certamente aguçará nossos sentidos e nos tornará mais graves e filosóficos. Ou então, o contrário. Só dizer bobagens. Entregar-se à besteira e ir para o fim às gargalhadas. Pois se tudo vai acabar mesmo, se a morte do nosso planeta será apenas um pontinho ridículo pipocando na escuridão cósmica, pra que fingir que algo de tudo isto era sério?


E o fim nos trará algumas vantagens. Tornará coisas como caderninhos com datas de aniversário, horóscopos e índices de colesterol sem sentido. Todos os tipos de restrições alimentares serão risíveis, poderemos comer de tudo que nos faz mal como se não houvesse amanhã – porque não haverá mesmo. Está bem, não veremos o fim das novelas, mas não será tão ruim assim. Bom Natal para todos.

Publicado no jornal Zero Hora, do dia 26/12/2011

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Charges da Turma do Teco



Guilherme Barrozo & Américo Piovesan

Reproduzem-se hoje, na internet, as velhas estratégias assumidas por alguns, que são a fofoca, intrigas, inveja, ódio, além de outras práticas diárias que visam obter vantagem pessoal, em detrimento do universal. Nas escolas está cada vez mais explícito o bulling, se estendendo para as redes sociais, o chamado cyberbullyng.
A partir de hoje, propomos neste blog a reflexão (através de charges) a respeito de ações que têm implicações ético-morais, no contexto das escolas e da sociedade. Esses fenômenos (o bullyng e o cyberbullyng), são formas de violência que humilham e difamam as pessoas. Nosso objetivo é chamar a atenção da sociedade a respeito da conduta moral, que deve sempre considerar a distinção entre o permitido e o proibido.
Para que haja conduta ética é preciso pressupor a existência do agente consciente - sujeito que sabe a diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado, o permitido e o proibido, a virtude de e o vício.
Consciência e responsabilidade são fundamentais para a vida ética. Propomos, neste sentido, um debate com as crianças e jovens das escolas (e toda a população) sobre esse tema, cada vez mais recorrente.
Com este objetivo postaremos semanalmente charges da Turma do Teco. No decorrer do ano de 2012 produziremos material para ser disponibilizado nas escolas, que possibilite a reflexão sobre o tema. Por fim, pretendemos produzir um livro com este material, a ser lançado na Feira do livro municipal, no mês de novembro - a qual, a propósito, tem como tema "histórias em quadrinhos".

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O guardador de rebanhos - poema VIII - Alberto Caeiro


Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansados de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
e eu levo-o ao colo para casa.
.............................................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
......................................................................
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
.....................................................................
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Poesia matemática - Millôr Fernandes


Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.


Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Afinal, quem somos nós? - Aloyzio Achutti


Vários pretextos justificam a pergunta. Nossa identidade aparente como indivíduos independentes – algumas vezes fragilizados, outras arrogantes – precisa ser repensada. Não passamos de um dos elementos de uma enorme rede interdependente que se entrelaça e se estende, à custa de trocas e de serviços de iguais, de muitos outros seres, e com o ambiente onde vivemos. Estamos neste mundo naturalmente globalizados, não esquecendo também nossas outras dimensões e relações cósmicas.

Nossa curta visão desarmada e imediatista é pobre e ingênua, pois facilmente nos iludimos colocando o começo e o fim de tudo em nós mesmos, em nosso tempo e nosso espaço corporal.

Poucas gerações para trás e já não conhecemos mais ninguém da família. É preciso um esforço científico para aceitar nossa inserção como um simples elo a mais, numa cadeia com cerca de mais de 200 milhões de anos, fruto da evolução vital a partir de bactérias primitivas, ao recuarmos mais 3 bilhões de anos.

Não precisamos ir tão longe. Alimentamo-nos, vestimos e andamos com produtos de uma cadeia interminável e interdependente, na qual alguém plantou, cuidou da semente ou do animal, preparou a terra que foi adubada por mais alguém, o fruto foi transportado para o mercado, onde alguém mais o comercializou, outro o controla, faz propaganda, cobra impostos, limpa o ambiente, cuida da segurança e da ordenação social, e assim por diante. Embora quase todos visíveis e palpáveis, não nos damos conta dessa cadeia interminável de agentes e coisas de nosso dia a dia.

Fica mais complicado quando nos lembram ser maior o número de germes (10 trilhões) em nosso corpo do que de células (1 trilhão) que o compõem. Embora não vejamos os micro-organismos a olho nu, sem eles não conseguimos viver. Eles processam nossos alimentos até fazê-los assimiláveis e úteis para nossas células, elaboram vitaminas, enviam-nos mensagens, modulam nosso sistema imunitário, mantêm o equilíbrio na selva onde estamos mergulhados, protegem-nos de intrusos, recolhem nossos restos e remendam nossos estragos, mas levam a pecha de inimigos que precisam ser destruídos.

São nossos genes e os dos germes nossos amigos que comandam todas as funções vitais. Enquanto nossas células usam cerca de 30 mil genes, eles dispõem de cem vezes mais e estão constantemente em interação conosco, inclusive oportunizando trocas desse material genético. Assim é que, conforme alguns cientistas, somos de um a no máximo 10 por cento humanos...

Para melhor viver e compreender tantas questões polêmicas, como a do controle da venda de antibióticos para evitar a resistência bacteriana, a da proteção do equilíbrio ambiental e a do convívio dentro dessa extensa e conturbada colônia humana, é preciso pensar na resposta para a pergunta sobre quem realmente somos, procurando uma inserção mais compatível no contexto global.

*Médico

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Vamos todos blindar!



A partir da manchete de jornal, "Dilma blinda ministro", decidi, antes da virada do ano, fazer uma lista das (possíveis) coisas que devemos nos blindar.
O ministro foi blindado pela presidente porque é de sua cota pessoal. Então, eu também vou iniciar blindando os que estão mais próximos: os pais blindam os filhos, os filhos blindam os pais. As mulheres blindam os maridos, maridos blindam as mulheres. Os professores blindam os alunos, os alunos blindam os professores. Chefe blinda subordinado, funcionário blinda chefe... E por aí vai...
Se vocês me perguntarem o que é blindar, e o que ganhamos com isso, penso que blindar é o contrário de conflitar. Não significa proteção, pelo menos não a super-proteção que, no extremo, rouba a liberdade e responsabilidade de quem blindamos.
Blindar é negociar, fazer política, porque ocorre no contexto da pluralidade - não é possível o EU sem o OUTRO. Estão sempre entrecruzados.
No plano individual, blindar não representa me encolher, me isolar numa redoma, mas sim respirar ares mais criativos. Não quero enxugar a represa da minha criatividade, apenas, ao me blindar, canalizar a água na direção das turbinas da criação. Por isso, quando percebo que muitos "são iguais", ao repetirem as mesmas paranóias em seus blábláblás, tenho a opção de me afastar. Mas não o faço para, logo adiante, cair na armadilha de ficar acorrentado na caverna, sozinho, mas sim para me libertar dos vícios do cotidiano.

Vamos nos blindar da raiva, para proteger nosso coraçãozinho.
Mas não blindemos apenas os mais próximos. Blindemos os que ainda não conhecemos e que, é bem possível, podem vir a ter alguma forma de relação conosco. Blindar significa respeitá-los, dar-lhes o mesmo valor que damos a nós mesmos. Ao fazermos isso, o IBOPE de nossa reputação vai aumentar.
Vamos blindar nosso tempo, não sobrecarregá-lo demais com tarefas estressantes. Relaxar, meditar, praticar esportes, isso tudo deixa nosso corpo, alma e o tempo mais leves.
A blindagem requer uma medida certa, isto é, não deve ser extrema, nem demais, nem de menos... Como o remédio e o veneno, a vida e a morte, o corpo e a alma, o dia e a noite... se, por causa do outro, um deles transbordar, vai perder o efeito, ou desencadear efeito contrário.
Enfim, com a "blindagem" que propomos, pretendemos rir um pouco de nossas façanhas neste ano, para nos blindarmos da culpa por não termos realizado nem 10% do que planejamos.
Um brinde (nem um pouco blindado) para relaxar e gozar no final!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Elementar, meu caro Watson

Sherlock Holmes e o dr. Watson decidiram tirar férias acampando na selva. Logo depois do jantar, foram dormir. No meio da noite, Holmes acorda, gritando:
- WATSON!
O companheiro Watson acorda, assustado, e diz:
- O que foi, Holmes?
- Olhe para cima e me diga o que você vê.
- Eu vejo milhões de estrelas, Holmes.
- E o que você deduz disso?
- Bem, astronomicamente, que há milhões de galáxias e potencialmente bilhões de planetas. Do ponto de vista astrológico, eu observo que Saturno está em Áries. Do ponto de vista teológico, que Deus é todo-poderoso e nós somos insignificantes. Do ponto de vista meteorológico, suspeito que teremos um dia maravilhoso amanhã.
Watson pensa um pouco, vira-se para Holmes e pergunta:
- E você, o que deduz disso?
Sherlock acende o cachimbo, dá uma longa baforada e responde:
- Elementar, meu caro Watson: roubaram a nossa barraca.

domingo, 4 de dezembro de 2011

GURI ASSUSTADO





Falávamos do velório
da velhinha
das vidas que se foram
e de outras que virão...

Quando fui atravessar a rua
o defunto por mim passou...

Para meu espanto
movimentos quânticos
puseram o féretro
no meu caminho

- minha consciência quase deu nó!

Acordei com o sino da capela
e as batidas do relógio de parede
do vizinho.

Os sentinelas do tempo
tiveram comportamento estranho
pra uma tarde de domingo!

Como guri assustado
agora eu morro de medo
de ficar sozinho!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O açúcar - Ferreira Gullar



O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e
tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes,
onde não há hospital,
nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã
em Ipanema.

Novo homem!

  Grãos de areia interditaram meus olhos nesta quarta-feira de tarde, bastou umas calcinhas no varal tomarem banho de sol e ousarem ...