Deleitava-se fazia três dias com Patricinha. Não deu outra, acordou de madrugada sentindo
dores no peito. Gritou pela filha, que mora na parte da frente do seu puxadinho.
"Me ajude, minha filha, estou infartando!".
A garota mobilizou os
próximos: irmãs, sobrinhos, genro, netos. Houve uma correria pra conduzi-lo ao
pronto socorro. No clarear do dia os exames foram tranquilizadores. A pressão arterial
estava normal, era apenas um possível início de pneumonia.
- Ainda não foi dessa
vez - lamentou-se uma das filhas.
Certo dia vendeu-me um
perfume que surrupiou da primogênita, a que Ele mais estima, e que frequenta a
Assembleia de Deus. Bateu no meu cafofo com sua mochila e de lá retirou uma
garrafa que estava nas últimas. Deu um gole e me empurrou o perfume, dizendo
que eu poderia pagar aos poucos. No momento só queria uns trocados pra repor o
estoque.
Todo dia sai com sua
mochila às costas, cheia de trecos e, inclusive, a Patricinha. Gosta de um
papo. Basta dar corda. Não gosta de mulheres velhas, apenas das novinhas.
Aconselhei:
- Cuidado com o mês de
agosto, ele costuma atrair os velhos pro cemitério.
Franziu a testa. Eu
disse mais:
- Uma senhora idosa é o
que o senhor precisa. Uma que faça sopa e aqueça as cobertas nas noites de inverno.
Refutou a ideia.
- Não quero mulher
velha, elas soltam pum debaixo das cobertas. Eu gosto das novinhas.
Quando souberam da
história do perfume surrupiado, as filhas me chamaram pra uma reunião. Me
deliciei e, ao mesmo tempo, fiquei apreensivo. Prestarei atenção a todos os
detalhes, da casa, de como se vestem, o jeito de falar e também como é a relação
com o pai - pensei. Ao mesmo tempo, sou um estranho, mesmo sendo vizinho.
Elas contaram todos os
atos ridículos (ou fiascos, se preferirem) do pai. Os empréstimos consignados para
comprar presentes e ranchos nos supermercados pras novinhas, as putas. Enquanto
isso, na sua casinha toda suja não tinha arroz nem feijão nem carne. Não
trocava a roupa nem tomava banho fazia dias. E recolheu por aí meia dúzia de
gatos que subiam nos móveis e dormiam com Ele e soltavam pelos por toda a
casinha.
Chamou-me a atenção o
fato Dele bebericar sua cachaça diante dos olhares enraivecidos das filhas.
Carrego cenas semelhantes de minha infância, quando meu pai e tios
embriagavam-se diante de meus olhos inocentes. Confesso que essas lembranças
ainda doem, apesar de hoje eu beber todas.
Num certo momento a Patricinha,
embriagada, perdeu o controle e rolou pelo chão. Meu herói curvou-se para apanhá-la,
mas não a alcançava. Agachei-me e mostrei como se chega ao chão sem forçar a
coluna. Aprendi com minhas idas e vindas a uma fisioterapeuta gostosa.
Então
Ele rememorou seus tempos heroicos.
- Eu colocava sessenta
metros de piso por dia. Sou forte, carregava tijolos o dia inteiro, e a garrafa
de pinga sempre ali, ó.
E eu:
- Mas o senhor precisa
de menos Patricinha e mais arroz, feijão, carne, ovos. Olha o mês de agosto.
Ele pega pesado com os velhinhos enfraquecidos!
- Minhas filhas querem
me internar numa clínica pra desintoxicação. Ora ora, eu domino a cachaça!
- Então por que o
senhor não para?
-
Mas já era pra ter parado - lamentou-se.
Com
frequência vejo-o pelas ruas, um verdadeiro príncipe, de smoking e gravata e
sapato social e aquele seu cheiro inconfundível de quem não toma banho há dias.
Suponho que isso seja impulsionado pela sua última paixão: a Patricinha.
(B.
B. Palermo)