terça-feira, 24 de setembro de 2019

Sou feliz, Ela curtiu meu blues


Quando Ela viajou, compartilhamos pelo WhatsApp novidades bem comportadas, sobre literatura e música e poesia e essas "coisas" que tanta gente escreve e publica, mais sujeitos fuçando no teclado do que sujeitos leitores. Não sei se Ela vestia pijama ou apenas calcinha, peitos fartos posando para quadros baratos na parede, ou se estava comendo pipoca ou mascando chiclete ou fodendo com  algum carinha.
Nessa hora me impregnou o verso de uma música: "Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro". Me sentia mais ou menos, aquela sensação de impotência ou inutilidade, algo como esbarrar, no supermercado, nuns carinhas de classe media, talvez funcionários públicos, pesquisando, introspectivos, algo imprescindível para a mecânica perfeita do universo: o preço do tomate e da cebola e do brócolis e do pimentão.
Sentia-me impotente e com a sensação de tempo jogado fora, semelhante à cena de uns marmanjos cujos para-choques dos carros beijaram-se de leve no sinal, e isso, puta merda, desencadeou discussões pavorosas e dezenas de telefonemas à polícia e à seguradora. Adoro trocar esse tempo perdido por umas punhetas deitado no sofá na hora da sesta. Está bem, concordo com vocês, não tenho o direito de criticar a maneira como as pessoas jogam fora o seu tempo, quando minha cabeça é refém dos vícios, como as bebidas e sexo.
Basta notar a seriedade Dela carregando uma dúzia de frascos de esmalte, da sala pra sacada e pro banheiro, ou fazendo a limpeza dos pés, ou depilando as axilas ou virilhas, que eu sinto o medo de sempre, como é difícil morar junto e conciliar diferentes paranoias. O que eu mais carrego de um lado pro outro são os fardos de latões de cerveja.
Vocês diriam, Cadelão é um egoísta, não suporta dividir o pão, a carne moída de segunda e às vezes de primeira e a sobremesa, as contas de condomínio, o IPVA, os cartões de crédito e o amor.

Ela fareja bem demais. Encontra-me em qualquer um dos 50 bares dessa cidade careta. Vomita as queixas previstas mas que ainda me emocionam e enchem de culpa. "Cadelão é um poetinha de merda que não suporta viver em bando".

Sofro, porque eu lembro emocionado os dias sem tempestades, quando Ela me aguarda de pijama e meias surradas porém limpas cheirando a amaciante Lírios do campo e de pantufas, ou quando passeamos no Monza e Ela veste o mesmo pijama e casaco por cima porque o inverno é um teimoso e, olha como posso ser feliz, Ela até disse que curte o meu blues.


(B. B. Palermo)

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