As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias,
uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências
com os cães de rua – eles e eu, todos encarávamos
uma maré meio maçante.
Ansiava por algum acontecimento que lançasse faíscas,
sei lá, que trouxesse alguma luz nessa escuridão.
Decidi, então, chegar na praia e, aí, foi estranho:
um trator arrancava das profundezas do mar uma enorme rede
abarrotada de peixes, e a máquina se comportava
naquela paciência digna da sabedoria dos velhos pescadores.
Me aproximo para identificar os bichos presos à teia
e – puta m*! – sou encarado por um monstro peixe-espada!
O olhar do bicho, juro, pareceu em pior estado de conservação
do que o meu – uns olhos cansados e vermelhos,
denunciando as noites boêmias.
– Estamos todos em movimento – filosofei – enrolados
num sem número de redes, a caminho do fim...
Sigo meu destino, isto é, entro num bar
para refletir sobre os fatos e buscar uma empolgação,
um entusiasmo, uma faísca que acenda
qualquer chama criativa.
Bendito o lúpulo nosso de cada dia! – diria o querido do Beiço.
E não é que uma faísca acendeu?
Lembrei de uma historinha que ouvi dias atrás.
Juro que serei breve, não vou levar meia dúzia de páginas,
como Flaubert, em “Madame Bovary”,
para descrever um vilarejo em seu romance,
tendo como paisagem, além da igreja, do mercado,
da farmácia e da hospedaria, um cemitério.
...
Era uma vez uma Semana Farroupilha.
Um grupo de amigos fez uma cavalgada de sua cidade
até uma vila, que ficava a dezenas de quilômetros.
Os cavalos faziam enorme esforço para suportarem
as paradas frequentes, nos bolichos, para reabastecer
as guampas com cachaça.
Rolou de tudo nesse lugar: missa, churrascada, bailões
e muitas prendas para se cortejar.
Como em todos os vilarejos, o cenário é parecido,
com igreja, escola, armazém e um cemitério –
o qual estava no limite, as sepulturas pareciam invadir a rua.
Muita gente circulava de um lado para o outro.
Eis que um senhor, distraído, escorou-se no portão do tal cemitério
e o umbral cedeu, veio abaixo e o serzinho
despencou sobre os túmulos.
Houve surpresa geral e muitos risos.
O tal senhor levantou-se e, num riso disfarçado, exclamou:
– Aqui eu não entro não!
Já era tarde... O pobrezinho já estava lá...
No dia seguinte, foi encontrado morto.
(B. B. Palermo)