segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Um é insuportável, dois é de mais

 


 

Caminhava em direção à praça e ensaiava pensamentos

pra cima, tipo Hoje serei o cara, um privilegiado,

coisas bizarras marcarão encontro comigo!

Garotas e garotinhas entravam nos mercados com as roupas de banho,

vinham direto da praia e sua fome e sede, aposto,

eram do meu tamanho.

No centro da praça o DJ testava o som num volume

que até espantava os pobres peixinhos, os papa-terras

que senhores disciplinados e cheios de fé pescavam

desde a madrugada na praia, logo ali.

O cretino meteu uns sons bem pancada.

Lembrei-me dos ancestrais batucando e dançando ao redor da fogueira

em noites de terror, numa época infantil da humanidade.

 Aliás, que época vivemos hoje?

Então o DJ botou pra rodar a “Eguinha Pocotó”.

Não teve jeito, caí do cavalo!

 

Verão, praia, sábado de noite, óbvio que a multidão avançava

e a praça engrossava.

Bebi algumas caipirinhas e a música melhorou.

Eis que ela apareceu, pegou na minha mão e eu em sua cintura

e dançamos uma porrada de sambas.

Patrocinei umas caipirinhas de vodca, que ela bebeu num canudinho

e não dividiu comigo.

– Meu bem, você pode ter dois caras, eu não tenho ciúmes,

tenho lido sobre o poliamor!

Botou as mãos em volta do meu pescoço e fomos com tudo

num samba do Adoniran.

Outra caipirinha – que eu paguei e ela bebeu sozinha –,

e então murmurou no meu ouvido:

– Querido, se um traste já é insuportável,

tu imagina eu com dois!

 

(B. B. Palermo)

Um é insuportável, dois é de mais

    Caminhava em direção à praça e ensaiava pensamentos pra cima, tipo Hoje serei o cara, um privilegiado, coisas bizarras marcarão encontro...