terça-feira, 30 de abril de 2019

Ela é boa e justa e sincera demais


Ela tem cabelos negros e sorriso fácil e muitos planos.
Como Ela é muito jovem, eu mergulho nos livros oito horas por dia.
Minto. Das oito horas, duas eu rabisco poemas pensando Nela,
só que no outro dia eu acho que eles estão muito ruins,
aí pratico basquete na lixeira.
Que isso fique entre nós.
Sinto que não a fisguei por completo.
E talvez nunca seja possível.
Os cabelos e olhos negros espalham vida
e eu me distraio e acompanho, ora um, ora outro.
Dou piruetas, ando de skate, torço fervorosamente pro time do bairro,
compro rifas das crianças de escolas, dou moedas pros bêbados.
Odeio quando ela compartilha fotos com os amigos no bar.
Fico na minha, não dou pistas de que sou fraco.
Não sei explicar a vantagem de conhecê-la desde a tenra idade,
ter a sorte de saber seus sonhos, vê-la brilhar e falar dos seus planos.
Em tempos de corrida em busca de uma especialização, e de juntar dinheiro rápido, Ela não deseja dedicar-se apenas a uma profissão, quer libertar seus diversos talentos.
Estou vulnerável às opiniões de familiares e amigos.
Deprimo por saber que eles dirão que pertencemos a gerações impares.
Eles repetirão, me conhecem, sabem que logo estarei fissurado por novas conexões.
Eu não darei ouvidos.
Imagino os comentários:
- Ele tem uma existência torta... Ele anda em zigue-zague.
Centenas espalharão a fofoca derradeira:
 - Ele tinha tudo para dar certo, mas parece que nasceu torto.
Algo me assusta Nela.
É muito boa, justa e sincera.
O mundo é perigoso e minhas experiências são um bocado singulares.
Ao andar pelas ruas, acaricio cães carentes que estão atrás de grades de casas, edifícios, fábricas e estacionamentos.
Uma sensibilidade que não me envergonha, muito embora os olhares desconfiados atrás de cortinas e portas.
Bom, às vezes isso me intimida, não admito ser confundido com um chinelo.
E se Ela não gostar de blues?
E se Ela insinuar que os Mozart e Beethoven que ouço são de cortar os pulsos?
Isso é o de menos. Vou narrar o roteiro que percorri, com todas as metáforas e neuroses, desde a infância, para que o apego a certas canções e filmes desenhasse o meu destino.
Estou feliz. Nesse início de inverno conto com o seu olhar,

e isso impede que eu seja carente de outros invernos.

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...