sexta-feira, 11 de março de 2022

Nossa alma viajando pelo esgoto

O cocô de sujeitos que viveram há milhares de anos

tem uma mensagem para você, dizem os cientistas

que analisam esses tipos de fósseis.

Nossos intestinos não carregam coisas mais saudáveis

do que os dos povos pré-industriais.

Hoje em dia o cocô está repleto de alimentos ultraprocessados,

e isso nada contribui para nossa qualidade vida.

Óbvio que muita coisa melhorou desde quando fazíamos cocô em cavernas,

tanto é que vivemos mais tempo do que os antigos.

A vida hoje em dia está melhor:

enquanto nas horas de lazer você se encharca com meia dúzia de litrões de cerveja,

ou vai ao mercado e compra uma grande variedade de alimentos e bebidas,

os primatas rifavam sua vida na caça de animais

ou na busca de frutas e tubérculos.

A ciência parou de cagar para o cocô,

percebendo sua importância para o conhecimento e a história,

e é triste saber que você não está nem aí a respeito

do que está sendo investigado e testado nos laboratórios.

Cadelão é um vidente, sabe dos minutos intermináveis

de luta que os valentões da city têm com o intestino preso.

Mas vocês deviam se preocupar também com os pobres peixes

abocanhando tantas merdas.

Cadelão está convicto de que as princesas, em vez de se preocuparem

apenas com sobrancelhas e unhas bem feitas, pra se exibirem pra amigas e rivais,

deviam prestar mais atenção com o que depositam nesses vasos

de banheiros limpinhos e perfumados.

A novidade é que os segredos do nosso cocô estão sendo analisados

através da coleta da água dos reservatórios.

Os esgotos de nossas casas desembocam nos lagos e rios

e deles regressa a água que jorra trepidante pelas torneiras de nossos lares.

Raciocine junto com o Cadelão, mire o todo e a parte,

a fusão entre animal, mineral e vegetal.

Na análise da água são encontrados antidepressivos, ansiolíticos,

tranquilizantes, cocaína e outras drogas.

Resumindo: através da ciência é possível detectar

como andam as dores de nossos corpos e almas.

Cadelão pesquisou e informa que, se forem feitas análises

de amostras da água todos os dias, saberemos em que dias da semana

você mais se entorpece, se é de segunda a quinta

ou nos finais de semana.

Se eu fosse você me preocupava com os peixes

que vivem nessas águas drogadas.

Pense na imagem, meio que lembrando os desenhos do Bob Esponja:

filiais de nossas farmácias espalhadas por rios, lagos e oceanos.

Vocês e eu sabemos que tais drogas, como antidepressivos, salvam vidas,

e que no atual estado de coisas é difícil reduzir o seu consumo, aliás,

vem acontecendo o contrário.

O negócio é investir no tratamento do nosso esgoto.

Afinal, nossa alma drogada porque sofredora,

conduzida por tubulações fiéis à gravidade,

desemboca no rios, lagos e até nos mares,

e deles retorna em forma de água "limpinha",

que jorra cristalina

pelas torneiras

de nossos lares.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 2 de março de 2022

Um cavalo me observa do outro lado do espelho

Não estou fora do jogo.

Ainda consigo pensar

nesse caos

que bombardeia

nosso mundo.

Suporto amigos e conhecidos,

mas está difícil negociar

com papagaios gritando

suas verdades

absurdas.

 

Indiferente aos anos que voam,

um cavalo me observa

do outro lado do espelho.

Sua voz silenciosa repete:

VÁ COM CUIDADO!

 

Se me detenho diante do espelho

quando estou embriagado

ou de ressaca,

o mamífero quadrúpede

sobe no palco e ensaia seu teatro,

tentando me convencer

de que é uma entidade

de outras galáxias.

 

Já me acostumei

com essa criatura,

um estagiário de guia.

Já não ligo tanto

para os punhados de culpas

que ele me atribui.

Sei que somos a sombra

um do outro.

 

A parte dramática

é quando ele faz questão de lembrar

que os amores que tivemos poderiam ter sido

mas não foram.

 

(B. B. Palermo)


O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...