quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Rimas - Luis Fernando Verissimo





O homem chegou em casa assustado:


- Está por toda a cidade, é uma sina: todo mundo falando com rima.


- O quê? - perguntou a mulher.


- Uma compulsão, um vírus, algo no ar. Não se diz mais nada sem rimar.


- Que absurdo - disse a mulher - um vírus da rima. Ninguém é obrigado a falar o que não quer, seja homem ou mulher. Nenhuma lei... Meu Deus, peguei!


- É na rua, é em casa, é em todo lugar. Não se fala sem rimar.


- Mas é uma barbaridade, ser poeta contra a vontade!


- Concordo, é um abuso. Mas que fazer? Estou confuso.


- Só há um jeito de se rebelar, resistir e não rimar...


- Como?


- Não falar.


- Mas como nos comunicaremos, se não com as vozes que temos.


- Escrevendo, por que não? Ninguém manda em nossa mão.


- Sei não será que muda? E se eu escrever como o Neruda?


- Não é hora pra chilique. Pega um papel, e olha a Bic.


O homem experimenta escrever uma frase no papel. Depois recua, horrorizado.


- Estou quase tendo um ataque. Escrevi como o Bilac!


- Será uma coisa generalizada que atingiu até a empregada?


- Vamos ver se é ou não é. Chame a Nazaré.


A mulher chama a empregada.


- Nazaré, vem aqui um minutinho?


A empregada responde da cozinha:


- Já vou indo, um instantinho. Estou fazendo ensopadinho.


O homem e a mulher se abraçam. É uma epidemia. A rima tomou conta do país. Mas por quê?


A mulher tenta racionalizar.


- Tem que haver explicação. Um motivo, uma razão.


- Terá sido a eleição?


- Mas como, de que jeito? O que foi que mudou com o pleito?


- Elegeu-se o maravilhoso...


- Quê?


-...Fernando Henrique Cardoso.


- O Cardoso, maravilhoso? Me admira você, que votou no PT!


- Você não está entendendo? Eu não sei o que estou dizendo!


- Calma, não se apoquente. Fale outra vez, pausadamente.


O homem faz um esforço, mas não consegue.


- Elegeu-se. O. Maravilhoso. Fernando. Henrique. Cardoso.


- Tente outra rima, com urgência. Quem sabe "seboso", pra manter a coerência?


- Não consigo, não vê? Tente você.


- Elegeu-se o...


- Sim?


- Elegeu-se o...


- Sim?


- Gostoso...


- Não!


- Fernando Henrique Cardoso.


- Já vi, é uma perfídia. Tudo culpa da mídia. Nós não estamos enfeitiçados, estamos é condicionados.


- Quando ele se elegeu, foi nisso que deu. Há uma rima oficial no Brasil - pelo menos até abril.


- Quem variar é exótico, até impatriótico.


- Paciência, relaxemos. Isto passa, esperemos.


- Eu até diria assim: rima melhor quem rima no fim.


Aparece a Nazaré na porta da cozinha.


- A senhora chamou. Aqui estou.


- Nada, nada, Nazaré. O ensopadinho, de que é?


- De vitela cortadinha. Batata, vagem e cebolinha.


- Parece uma beleza. Pode botar na mesa.





Toda Lorena

  Olhava pro fogo mágico do entardecer, que mais parecia uma lareira mandando bem em viagens noutras esferas. Me encanto ao ver minha musa p...