quinta-feira, 2 de setembro de 2010

PRECIOSA - o filme


Vi o filme nesta semana, com meus alunos de primeiro ano de Ensino Médio. Adolescentes de 14, 15 anos. O filme tornou-se conhecido por ter sido premiado pela Academia. Mas foi o texto da martha Medeiros (que segue abaixo) que me despertou a curiosidade, e me levou a ver o filme.
Ao contrário de nossa cronista, eu não havia lido o livro. Vi o filme primeiro. Ele é pesado, chocante. 
Durante sua exibição, reparava na reação de meus alunos, tentando associar o contexto do filme com o contexto da vida deles e das escolas  de Ensino Básico.
Até que ponto nossos adolescentes se sentirão sensibilizados com os dramas da personagem "Preciosa"?
Aos 16 anos, não sabia ler nem escrever. Negra, estuprada pelo pai - tendo dois filhos com ele. O pai morre de AIDS e deixa-lhe a doença como herança.
O que ela pode esperar da vida, se nunca se deparou com o amor?
Gostaria de passar para meus alunos a perspectiva de que, mesmo diante de uma realidade muitas vezes adversa, o melhor é não deixar de lutar, de ir em frente, pois é possível (mesmo que as previsões digam o contrário) nos depararmos com com coisas e pessoas bastante preciosas...


EM MEMÓRIA DE JOSÉ MINDLIN - Martha Medeiros

Ainda não vi o filme Preciosa, que concorreu ao Oscar, mas li o livro e só não o hiperfestejo porque implico um pouco com textos escritos propositadamente errados – narrado na primeira pessoa, a personagem é analfabeta e é “nóis fumo” e “lavei os prato” da primeira a última página, mas entendo que sem esse naturalismo o relato soaria inverossímel e a reação à leitura não teria o mesmo impacto. Preciosa dói. E quando o livro acaba, a gente mais uma vez se conscientiza de que não precisaria doer.


Educação segue sendo a melhor terapia para a saúde mental de uma pessoa. A personagem do livro engravidou do próprio pai aos 12 anos, é abusada também pela mãe, e aos 16 está grávida de novo, do pai de novo. Só o que conhece da vida é isso: abuso e violência. Nunca ouviu uma única palavra doce em sua brutal adolescência. É feia, gorda, pobre, negra e sem estudo. Um personagem como os que existem às pencas no Brasil, ainda que Clareece Precious Jones, a Preciosa, seja americana – o que não torna sua desgraça menor.


Pra cada um de nós foi designado um anjo. Cabe a nós reconhecê-lo e permitir que ele nos ajude. O anjo de muitos brasileiros foi José Mindlin, nosso mais conhecido bibliófilo e incentivador da cultura, que faleceu semanas atrás, aos 95 anos. O anjo de Precious foi uma professora sem medo de desafios. A história não acaba com Precious ganhando o prêmio Nobel de Literatura, mas mostra a porta, a única porta, pela qual todos devem passar caso queiram ser alguém.


O tocante da narrativa é ver uma menina começar a ter acesso a algo absolutamente mágico: a união de duas letras, três letras, quatro letras, e isso se transformar numa palavra, e essa palavra dar sentido ao que ela não sabia até então como identificar. E então perceber os direitos que lhe roubaram na infância e desejar voltar no tempo pra experimentar a vida como ela deveria ter sido. Só que ninguém pode voltar para onde nunca esteve. Ela terá que carregar para sempre o massacre que sofreu por ter dois brutamontes ignorantes como pais e tentar transformar essa chance de crescer, que está recebendo, em um futuro minimamente decente. É possível?


Se através da autovalorização não for possível, então de nenhum outro jeito será.


Imagino o desespero de alguém que deseja retornar ao ponto de partida, recriar suas experiências, vivenciar o que lhe foi sonegado, mas que não pode. Porém, um dia a gente acorda, os livros nos acordam, um anjo nos acorda, e somos avisados: não adianta mais olhar para trás. É ir em frente ou nada.




Tem um monte de gente preciosa por aí que a gente não enxerga, que não recebe de nós um incentivo. O prólogo do livro traz uma frase que diz: Toda folha de grama tem seu anjo que se curva sobre ela e sussurra: “Cresce, cresce”. Tivemos a sorte de nascer em famílias que nos ofereceram uma certa estrutura, que nos possibilitaram estudar e crescer – já nascemos arbustos. Poderíamos retribuir sendo, para as folhas de grama, o anjo que sussurra.

Zero Hora de 20/03/2010
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