domingo, 25 de julho de 2021

Faixas de segurança

 

Atravessava a faixa de segurança

na avenida

e ela vinha toda séria

no seu carro esportivo.

Olhos nos olhos, tentei adivinhar

se ela afundaria o pé no acelerador

ou no freio.

Ela me encarou com um semblante

de quem sofre de azia

e má digestão.

Eu sei, meu bem, não sou remédio

para teus sentimentos gástricos.

Meu coração condicionou-se a pulsar

com altas doses de álcool,

e está soterrado em geleiras

surreais.

Todo dia procuro compreender

meus sentimentos,

os quais vêm ao mundo

com ânsia de vômito,

confundo real com imaginário

e me atraco com umas garotas

que posam nuas para fotos

compartilhadas no Whatts.

Tão próximas e tão distantes

da embriaguez imaginativa do Cadelão.

Elas passeiam tranquilas

pelas minhas faixas de segurança,

é um caminho seguro, garanto, embora invisível.

Peitos, bundas e vaginas

circulam pela Internet e me chamam,

como se fossem fogos em dia de quermesse,

eriçando os ideais perversos

da multidão.

 

Mas isso pouco importa.

Quero falar de meus planos,

quero ouvir amenidades e, por Deus!,

quero encontrar soluções para todas as crises

que o planeta atravessa,

inclusive a crise ambiental.

Gosto de enganar e ser enganado.

Falo falo de meus planos de futuro

e nem percebo que os ouvidos

que me cercam e bebem comigo

não estão nem aí.

Meu desejo de consumo, eu sei,

é evaporar

nessas nuvens

de neblina

da opinião.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 23 de julho de 2021

manicômios

 

você acha que apenas o teu lar

virou manicômio

você não sabe porque não conhece

como se dão as relações

entre funcionários de empresas

e outras organizações

fofoquinhas

picuinhas

e explosões de ódio

e egos ensandecidos

você não leu

por isso não conhece

Dostoiévski disse tudo

em seus livros

a respeito

da perversão que corrói

a alma humana

se você quer saber de um jeito mais específico

leia Memórias do subsolo

todas as engrenagens de nosso psiquismo

nosso comportamento paradoxal

ou qualquer outra merda de conceito psicológico

que você quiser usar

estão nesse livro

o fato de amarmos e odiarmos ao mesmo tempo

corando de vergonha Deus

e os padres e os pastores

que também são paradoxais porque humanos

tudo isso se encontra no velho Dostoiévski

sempre atual e incisivo

revelando linda e profundamente

as chagas de nossas

sublimes

corrupções

 

(B. B. Palermo)

 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Etanol nas veias

 

Já não me causa estranheza

ouvir algumas pessoas dizerem

que todo dia pensam em se matar.

Quanto mais livros dos grandes elas leem,

quanto mais ampliam sua consciência das coisas da vida,

menos sentido encontram na porra toda.

O poeta quer fugir desses chatos que tudo questionam

e quer encontrar a energia inspiradora

em meio às pessoas comuns,

aos cães e gatos sarnentos,

aos subnutridos e desdentados

que farejam comida e sexo nos porões.

Vai, Cadelão, afasta-te desses intelectuais tristes

que têm enorme prazer em ser deprimidos.

Não é uma questão de ter um comportamento burguês

ou viver apertado.

Não é uma questão de ter ou não ter casas,

carros, apartamentos em praias.

É algo mais profundo que, de tão profundo,

chega a ser raso, e rende muita grana

a psicólogos e psiquiatras.

A coisa é divertida,

e tudo desemboca nuns porres

e comprimidos para dormir.

No outro dia a mente volta a martelar

como betoneira potente alimentando alicerces

e paredes do edifício que sobe.

A mente envia sinais e essas pobres criaturas

assumem de vez o caos, dizendo que todo dia

pensam em partir dessa, mas eu sei

que são covardes demais para tal.

Há um outro suicídio, mais lento,

das criaturas que mergulham nas águas turvas

de sua rasa consciência,

que funcionam como barreiras para evitar

se preocupar com o sentido de suas pobres vidinhas.

Há, sim, um suicídio mais lento,

uma mistura de prazer e sofrimento,

um sentir-se bem dentro da prisão.

Ele se resume em diariamente injetar Etanol nas veias.

 

Um brinde aos que desafiam a vida com fartas doses,

que correm atrás de Dona Morte com sua sede,

manifestando ao mesmo tempo

um puta medo de morrer!

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 13 de julho de 2021

Nenhuma epifania

 

Estava na segunda ceva

e não me vinha qualquer epifania.

Cenas comuns desfilavam diante dos olhos,

ninguém caminhando pelado entre os carros,

no sinal fechado.

Tudo bem, a noite apenas estava chegando.

Nos carros limpos, brilhosos,

havia muita gente com olhar sem graça

de quem já viu o suficiente,

de que sabe e acredita

mais do que o suficiente.

Os loucos estão sumidos,

me esforço mas não consigo enlouquecer,

talvez fingisse, mas não tenho culhões

para tanto.

O ideal seria voltar ao tempo dos 20 e poucos

e duplicar as cagadas com absoluta convicção.

O ideal seria andar pelado na avenida

em pleno meio dia,

e não às 3 da manhã,

como fiz nos tempos de garoto.

Observo o jovem vendendo abacaxis na esquina

e me convenço de que ele não teve tanta sorte,

se comparada à minha.

Seus dias talvez não sejam inspirados,

já que a luta pelo ganha-pão

suga o tempo da poesia.

mas isso é muito relativo,

e eu fico mais morto do que louco

se não tenho a presença

de uma simples

epifania.

 

(B. B. Palermo)

 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...