quarta-feira, 6 de maio de 2020

Se vocês não estão a fim, vou beber na minha ilha


- Apesar de principiante, tu não está totalmente cego. Até consegue sobrevoar essa névoa onde a manada dorme em berço esplêndido. Parece que tu é um dos poucos que não se desespera e corre em busca da redenção no final. Não me pergunte como fica o bem e o mal, Deus, o diabo, a salvação. Humanos falam demais e têm pouca sensibilidade, não compreendem os mistérios. Mesmo sem desespero ou esperança, talvez tu não tenha outra saída, senão também vendar os olhos e se jogar do alto, prendendo nas costas um paraquedas qualquer, imensamente frágil, despencando junto com a multidão. No desespero, pra fugir da insanidade individual, siga os demais, beba, relaxe, não te dobre pro sentimento de culpa. Teu ego tem essa mania de complicar tudo. Foda-se, ele, não precisa escolher sozinho, entre na fila e também caminhe rumo ao brete. Vocês estão acostumados com velhos clichês, como por exemplo "basta estar vivo" e "viver é muito perigoso". Daqui de cima, te garanto, a toda hora noto em vossos atos e hábitos o lugar comum de que "viver em rebanho é mais tranquilo".

Perplexo, analisava essa conversa e tentava adivinhar suas chances de razoabilidade. Aí, então, a voz do bichano metralhava noutra direção.
- Bobinho, só tu pode sobrevoar, imponente, o abismo. Afaste-se do rebanho. Retire a venda dos olhos. Tu pode levantar da mesa do bar depois de apenas uma cerveja. Tu pode escolher nem ir pro bar, e nem é porque tua garota te aguarda com seu amor incondicional e deveres e obrigações condicionadas.

  
Eu sabia que era impossível negociar com a garota um tempo e espaço mínimos. Eis uma luta cada vez mais paralisante. Mas como o mostrengo sabia disso?
 Estou perplexo com sua voz. Agora não aparece apenas de um rasante em campo aberto e depois de um ralhar estridente. O grito vem de todo e qualquer lugar, com diferentes tons, ora mais exaltados, ora mais calmos. Não sei se é sonho, ou se vem do alto e eu estou consciente e sóbrio. É possível, sim, que não esteja bêbado.
Eis uma de suas mensagens: "Eu sou o enviado, estou rastreando as cagadas de vocês, pessoinhas escrotas".
A compreensão embaralhou. Sei que não enlouqueci porque divago e ando em círculos, ora embretado pelo ceticismo,  ora pelo maravilhamento dessa novidade. (Me refiro à aparição da fera atrevida, criatura que visualiza nossas empreitadas de um jeito bem mais lúcido).
Minha percepção de como são as pessoas e coisas ficou mais aguçada, e isso não tem a ver com pó ou baseado.
Entendo vossa curiosidade sobre esse sujeitinho ousado. Também estou confuso.
Como saber se é correta a minha compreensão da realidade?
Se tanta gente delira, por que também não estou delirando?
Tenho quase certeza de que o bicho se aproxima para me aconselhar. Eu, um dos poucos interlocutores de que dispõe, que compreende sua angústia diante da grandiosa e quase impossível missão de reciclar as inutilidades diariamente produzidas por nós.
Não sei onde me classifico. Deu pane no meu cérebro.
Quero andar no mundo, dialogar, mas nada posso se a multidão não está a fim. Vou cuidar de minha ilha. Eis um bom motivo pra correr pro bar. São necessárias e suficientes algumas cervejas e poesia e uns capetinhas em volta, fazendo Tim-tim.

(B. B. Palermo)

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