sexta-feira, 20 de março de 2020

Tu não precisa se comportar como um suíno


Vejam só, Beiço e eu sentados numa mesinha da padaria que fica na esquina da Quinze com a avenida São José. O criativo entortava a asa pros lados de uma senhora que ele teve a coragem de elevar ao panteão das balzaquianas.
Essa coisa de ficar tomando café e comendo fatias de bolo faz minhas tripas princesas tramarem greves de cinco dias longe do trono. O pior é que meu amigo resolveu jogar no ataque. Atacar não a balzaquiana, até porque a tal não pintou no ambiente. Eu é que estava na retranca, e o Beiço de marcação alta, e eu no sufoco, dando chutão pra todo lado.
Então me saí com essa:
- Meu, tu já não tem tanta vida pra ficar aí se esforçando em ser sujeito decente. Solta essa louca vertiginosa que rebate e respinga feito cascata dentro do teu ser.
Beiço veio com mais pressão na minha saída de bola.  
- Tu não fica ansioso quando vê aquelas roupas lindas te acenando das vitrines das lojas?
- Sim. O incrível é que elas acenam e dizem Vem cá, Sr. Palermo, viemos ao mundo para servi-lo.
Sei, irmãozinhos, que acontece o contrário: sou eu quem serve de boneco das roupagens que visto ou deixo de vestir, por falta de grana. Essa é a merda de aceitar uma imagem que a cultura impõe.
Beiço e sua boca escancarada e aparelho ortodôntico, e que se libertou daquele menino povoado por nuvens neuróticas e que chegou a ter uma boca acolhedora de dentaduras postiças. Sente-se agora um pavão no meio das garotas, e comenta:
- Aquela e aquela e aquela estão no papo.
Não estou nem aí, se continuar assim meio solitário e carente de roseiras encaminho um saravá pra limpar meu terreiro e também fazer chover princesas "estão no papo".
A inveja que sinto de meu amigo se quadruplica suave e definitiva, basta garotinhas quase virgens se exibirem pra ele e não notarem minha esforçada presença.
Nessas horas me coço e quase deixo escapar: "Cara, tu não precisa se comportar como um suíno".
- Podes rir da minha cara, mas acho que não sou débil mental satisfeito com o saco de pão dormido que me servem dia após dia.
- Te liga, Cadelão, veja como essas garotinhas semivirgens e pobres sonham o dia todo em ser românticas. Basta alguns carinhos e umas promessas e já pensam no amor.
- Beiço, tu é um bobo, e elas sabem tudo. É, tudo o que acontece do nascer ao por do sol. Quem ficou com quem, quem comeu quem, quem é um caco, quem não é de confiança... Meu, tu precisa se reinventar, seu... escrotinho. Precisa de repertório, fingir, gemer, pedir aos céus com fé convulsiva. Olha só, elas dizem que não têm perfil no Facebook, só que em menos de 2 horas mapearam teus contatos, cruzaram informações. Velho, vai por mim, o melhor é se isolar, ser algo como um hippie tardio e estranho, e jorrar na face dessa sociedade careta tua ureia colorida e fedorenta.

Agora em casa, 2 da manhã, copo cheio, penso na razão de ser desse big brother, enquanto aponto o chinelo pro íntimo de uma barata. Seres pré-históricos atravessam a sala e riem de meu ser metafísico. O mundo material é a alternativa, então apanho o chinelo e dou o corretivo, como se estivesse preparando mais um funeral do governo.
Paz e amor. Todos de quarentena. Resta-nos o mundo virtual e um bom e diversificado estoque de bebida. Uma queda de braço entre o tempo necessário de isolamento e a grana e as bebidas e as intenções duvidosas desses vírus petulantes.

(B. B. Palermo)

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