sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Anjo rebelado


 

Hora de chegar de voadora nos lares,

hora de ser um leão celestial, curioso e furioso

entre os bichos domésticos.

Hora de ser meio santo, meio deus,

e aprender, primeiro, a perdoar a si mesmo,

para depois tentar compreender

as proximidades/distâncias entre a terra e o céu.

Hora de roubar a lanterna do Diógenes, o Cão,

para iluminar as máscaras podres do irmãos

zumbis.

Hora de inventar uma vacina eficaz

que possa abrandar a fúria cancerosa

das ações políticas.

Hora de ser um magrão quixotesco

acompanhado de um gordo sonhador,

montados em seus cavalos

e incendiando nossas tardinhas

afogadas no tédio.

Hora de ser um anjo rebelado

dormindo no leito de prostitutas

beatificadas.

Anjo esse que foi até os lixões

e becos

e favelas

para ver nosso futuro.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Como ser um grande escritor - Bukowski

 

você tem que trepar com um grande número de mulheres
belas mulheres
e escrever uns poucos e decentes poemas de amor.

não se preocupe com a idade
e/ou com os talentos frescos e recém-chegados;

apenas beba mais cerveja
mais e mais cerveja

e vá às corridas pelo menos uma vez por
semana

e vença
se possível.

aprender a vencer é difícil –
qualquer frouxo pode ser um bom perdedor.

e não se esqueça do Brahms
e do Bach e também da sua
cerveja.

não exagere no exercício.

durma até o meio-dia.

evite cartões de crédito
ou pagar qualquer conta
no prazo.

lembre-se que nenhum rabo no mundo
vale mais do que 50 pratas
(em 1977).

e se você tem a capacidade de amar
ame primeiro a si mesmo
mas esteja sempre alerta para a possibilidade de uma derrota total
mesmo que a razão para esta derrota
pareça certa ou errada

um gosto precoce da morte não é necessariamente uma cosa má.

fique longe de igrejas e bares e museus,
e como a aranha seja
paciente
o tempo é a cruz de todos
mais o
exílio
a derrota
a traição

todo este esgoto.

fique com a cerveja.

a cerveja é o sangue contínuo.

uma amante contínua.

arranje uma grande máquina de escrever
e assim como os passos que sobem e descem
do lado de fora de sua janela

bata na máquina
bata forte

faça disso um combate de pesos pesados

faça como o touro no momento do primeiro ataque

e lembre dos velhos cães
que brigavam tão bem?
Hemingway, Céline, Dostoiévski, Hamsun.

se você pensa que eles não ficaram loucos
em quartos apertados
assim como este em que agora você está

sem mulheres
sem comida
sem esperança

então você não está pronto.

beba mais cerveja.
há tempo.
e se não há
está tudo certo

também.


domingo, 23 de outubro de 2022

Amo ser monge

 

Seu olhar é exótico,

de quem não compreende

o que a aproxima deste ser,

planeta ou meteoro invisível

movendo-se num ritmo

imprevisível.

Tu parece um monge - ela disse.

Depois queimou no fogo do inferno

a política, a arte, a ciência.

Tagarelou tanto, que passei a odiar

a política, a arte, a ciência.

Não tive outra escolha senão fazer uma pose

de derrubar as bolsas, falando:

Amo ser monge.

Torto, manco, cérebro enorme e vazio,

bíceps avantajado de quem mora em academia,

pernas finas e um gingado

de capoeira.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 19 de outubro de 2022

O último punk

 

- Cadelão, Cadelão... Porra, Cadelão!

- Fala, Beiço... Deixa eu dar mais um pega.

- Não, não, cara. Não quero mais fumar.

Olha ali, do outro lado da rua.

- Quê? Os tiras?

- Capaz. Não viaja.

Olha aqueles dentes tortos,

e o sorriso banguela...

- Onde?

- Ali!

- Porra! É ele? Tu tem certeza de que isso é maconha?

- Bah, Cadelão. Não sei. É ele ou não é?

- Velho... Quem mais seria? Observa, violão detonado,

cantando "cheirando cola em uma sacola de mercado".

Claro que é ele!

- Meu, tenho certeza que um dia cruzei pelo maluco

na praia de Garopaba.

Lembro que carregava uma prancha de surf

e estava cheio de loves com uma fofa.

 

- Wander... Wander!

- Quê?

- Chega aqui. Canta pra nós aquela...

- Bah, garotos, só canto por dinheiro.

Quero 10 pilas ou um pega.

- Claro, claro.

- "Bebendo vinho", pode ser?

- Vai tomar no c*, Wander! Que música é essa?

Toca as tuas. "O último romântico da rua Augusta",

"Canivetes, corações e despedidas".

E, depois, a cereja do bolo:

"Jesus voltará"!

 

(B. B. Beiço)




terça-feira, 18 de outubro de 2022

Plateias

 

- Wolve, tu pedala e corre por aí,

e filma e cronometra tua performance,

pra te exibir nas redes sociais,

ou são as tais redes que te convocam e

"obrigam" a tamanho esforço?

- Véio, eu curto o que tô fazendo,

embora não saiba se no mês que vem

vou persistir com tal esforço.

- Imagine que um de nós sobreviva a um naufrágio,

junto com uma garota belíssima, refugiando-se numa ilha...

Nos sentiremos felizes se não pudermos mostrar

aos amigos e curiosos a diva que nos faz companhia?

- Hehehe... Elementar, Beiço, elementar...

- Acho que não tememos a morte ou a solidão.

Nosso pavor é o de hoje não termos uma plateia.

- Deus me livre, nem quero imaginar que no meu velório

vai ter uma plateia fingindo que algum dia

deu importância pra minha vida!

 

(B. B. Palermo)


Pobres zumbis

 

Carros passam,

pessoas passam,

essa vida é inútil, meu amor.

Seres barulhentos,

opiniões castradas e

castradoras,

olhares faiscando como fuzis.

Tudo são quedas-d'água

que fluem cruelmente em nosso

interior.

Existe algo que nos arrebate

que nos faça ir além

do obscurantismo e do ódio e das intrigas

e dos planos frustrados

pro amanhã?

Ah, pobres zumbis!

Estamos encurralados

e embrutecidos,

somos uns requintados

mortos-vivos.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Sonhando com a monja Coen

 

Escuta só, Cadelão, o sonho que tive ontem de noite:

estava numa sala com pouca luz, incensos queimando,

num silêncio que dava até pra ouvir a respiração

e as batidas do coração.

A monja Coen tentava me conduzir ao relaxamento,

ao controle dos pensamentos e tals.

Dizia "Respira fundo, Beiço... depois solta... solta devagar..."

O mais louco é que, durante o sonho, eu estava

numa ereção do caralho, o que acontece com frequência,

depois que passei a consumir açafrão,

alho e pimenta do reino.

Cara, acho que não era tesão pela monja,

creio que era uma mistura entre meu cotidiano relapso

e a vida "ideal" que a monja me inspira.

Meu, nosso subconsciente é surreal.

Mais perto do desfecho do sonho

a monja despontava em imagens sedutoras

e se transfigurava na ministra, aquela,

vestindo uma lingerie pré-adolescente

e usando uns acessórios de sex shop,

me chamando "vem, vem, Beiçudinho escroto!".

 

(B. B. Palermo)


domingo, 16 de outubro de 2022

Plantinhas

 

Beiço, o sumido mais estranho que eu conheço,

bateu aqui em casa esses dias.

Abriu o porta-malas do Corcel II e foi despejando sacos

com uma mistura de areia, terra e composto orgânico,

e potes, bacias, garrafas plásticas

e uma garrafa de uísque vagabundo.

- Cadelão...

- O que manda, desgraçado?

- Cara, descobri minha terapia.

Farei como tu, príncipe vagabundo,

plantarei e criarei meus mantimentos.

- Vai com calma. Ando numa ressaca braba,

como podes ver. Por ora, só localizo

uns tomates bichados em minha horta.

Beiço, Beiço, de terapia tu já tem milhões

de quilômetros rodados, inclusive no CAPS.

Agora tu me vem com esse papo de sustentabilidade?

Ficou insano?

- Não, Cadelão, é sério, vamos criar o novo estoicismo

e faturar muita grana!

- Desconfiava que tu logo viria com mais um plano mirabolante,

tipo fazer palestras e tals pra enriquecer.

Mas, cretininho, não tenho a menor vontade de palestrar

pra um bando de bobocas que se deixam enfeitiçar

e se alimentam da autoajuda.

Vá pro inferno com esse "novo estoicismo".

Minhas plantinhas não têm preço!

- Véio, é a nossa chance!

- Sim, sim, como daquela vez que raspamos a cabeça

e vestimos um "traje" budista e saímos a palestrar

sobre nossa experiência de um ano meditando no Himalaia.

lembra, maluco?

- Bah, cara, foi uma boa ideia.

Pena aquele bêbado sentado nos fundos de um auditório

ter nos reconhecido.

- Relaxa, garoto. Vamos beber!

 

(B. B. Beiço)


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Tears in heaven

 

Rapaz, lembra que em 1996 vc comprou um 3 em 1,

e ouvia CDs do Eric Clapton (Tears in heaven?)

e manjava pouco  do inglês e do blues,

e vc nem havia casado,

nunca fora pai,

nunca rabiscou um poema

para um hipotético filho?

O 3 em 1 rodava os blues do Eric Clapton e de tantos outros,

e vc amava ouvir aquela angústia

que te entristecia e (por isso) te presenteava mais vida.

Hoje os animais questionam:

"A arte vale mais do que a vida,

mais do que a comida,

mais do que a justiça?",

como se uma coisa excluísse a outra.

Rapaz, parece que os tempos estão

reféns da ignorância e da barbárie,

propícios para a detonação

de bombas atômicas em massa

e a extinção da vida

por aqui.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 11 de outubro de 2022

Consertos de primavera


 

Consertar o noty

e as tampas das panelas.

Trocar os óculos

e estancar o vazamento

da pia.

Vai, guria.

Me dá corda,

me dá linha,

me dá trela.

Depois olhe pela janela

e morra de saudade

da primavera.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O bagulho anda muito loko

 

Olhar inquiridor de um garoto

acariciado pela erva,

Wolverine veio com essa:

- Cadelão, vivemos na Pós-modernidade

ou ainda estamos na Idade Média?

- Por quê?

- Bah, cara, o bagulho anda muito loko.

As multidões acusam-se de sanatismo, canibalismo,

muitos acreditam que a terra é plana

e um monte de outras bobajadas,

chamadas de teorias conspiratórias.

Veja só, acreditam inclusive que Deus pode ou deseja interferir

nas merdas que fazemos diariamente.

- Nem me fale, Wolve.

Escuta a notícia que li esses dias:

próteses são roubadas de defuntos nos cemitérios

e vendidas para clínicas dentárias.

Tu não acha, cara, que chegamos no topo

de nossa humanização?

- Hehehe...

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Aconteceu...

 

Aconteceu...


E hoje?


(Livro "O diário de Anne Frank")




Não quero mijar sentado

 

A urina borbulha,

sabe do meu esforço pra fazer a coisa certa,

nada de corromper o vaso do banheiro.

Ela argumenta de um modo conclusivo,

numa lábia definitiva.

Na viagem que me encontro,

sei que bato de frente com um mijo sábio.

Guardo o coiso

sentindo-me leve e satisfeito.

Disse um não categórico ao que ela sugeriu:

- Na Suíça, povo civilizado,

os homens devem mijar sentados!

Diante do meu jato potente mas indeciso,

eu retruquei:

- Nananá! Só te obedeço quando estiver

beeem velhinho!

 

(B. B. Palermo)


Carinhas tristes

 

Avenidas,

estacionamentos,

lojas, mercados e padarias,

passeios, fábricas e construções,

vejo tantas carinhas tristes,

não importa se são miseráveis ou lunáticos

cheios da grana.

Toneladas de paranoias como geleiras derretendo

encharcam oceanos e bombardeiam meu cérebro.

Constatações entram na ordem do dia:

Gente, isso tudo são milongas!

Estamos envelhecendo,

estamos morrendo,

alguns enriquecem,

a maioria destrói sua vida

juntando migalhas!

Criaturas de uns 30 anos com aparência de 60.

Os rebanhos estão enfeitiçados pelas intrigas.

Creio que ainda não planejaram meu assassinato,

jogando seus carros pra cima do meu corpo,

quando perambulo por aí.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Não me chamem para dançar

 


Almas de calçada,

vira-latas seguem farejando,

abraçados a bandeiras esquizoides,

meio conservadoras,

meio anarquistas,

mijando pelos cantos,

demarcando territórios que ninguém vê.

Parodiando uma canção do Paralamas,

cada um apresenta suas armas,

como se fosse a coisa mais preciosa,

como se fosse o esteio

onde o mundo se ampara e gravita,

em vez de ser um patético

encosto.

Mesmo etiquetado por esses rebanhos

de criaturas demasiado ocas,

prefiro a companhia da folha em branco,

da memória e de algumas lufadas

imaginárias.

Não consigo ensaiar minha dança

no meio da multidão.

 

(B. B. Palermo)


O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...