sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Taturanas

 

Preparo-me pra ir ao centro pagar umas contas.

Ao vestir o moletom, que estava sobre uma cadeira, sinto uma picada,

como se fosse de vespa ou abelha, percorrendo o braço esquerdo.

No reflexo e no espanto, arranco-o com as mangas do avesso.

A lagarta caiu no chão da sala.

"Puta que pariu! Uma Taturana!".

Imediatamente crescem uns vergões, do pulso ao cotovelo.

Apanho o celular e pesquiso no Google sobre o que fazer.

"Lave abundantemente com água e sabão e depois faça compressas com água gelada".

Enquanto faço as compressas, sinto que a ardência diminui.

Pesquiso quais os sintomas, no caso de ser atacado por essa lagarta:

"Síndrome hemorrágica aguda,  insuficiência renal aguda, etc., etc.".

"Puta merda!".

 

No caminho até o Posto de Saúde fico atento nos batimentos, febre, taquicardia.

O Posto está lotado. Já na entrada sou notado pelo vigilante, que conversa com alguns caras.

Ao perceber que eu vinha meio torto, apoiando meu braço nu, perguntou o que havia ocorrido.

"Fui picado por uma Taturana".

Ele correu pra dentro da sala de espera e gritou pra uma atendente.

Sem fazer meu cadastro, e diante dos olhares curiosos dos pacientes que aguardavam,

a garota me encaminhou pra enfermeira.

Entrei na sala carregando numa sacolinha plástica a minha algoz.

Ela examinou meu braço e disse que já tinham se passado uns 10 anos

desde o último caso de paciente picado por taturanas.

Imediatamente pediu para ver a bichinha, reparando que eu estava com a cara boa

e não tinha dificuldades pra respirar.

No Google Imagens do computador ela identificou a criatura.

"Hum... Lagarta verde". Virou o monitor na minha direção e apontou com o dedo.

"Se fosse Taturana, você estaria saindo daqui direto pra UTI de um hospital".

Verificou a temperatura, batimentos por minuto, pressão arterial...

"Hum... Só a pressão tá um pouquinho alta... Deve ser por causa do susto hehehe.

O resto está perfeito. Aguarde na sala de espera, logo a doutora vai lhe atender".

 

Ao entrar na sala, reparo numa frase escrita na parede, logo atrás da doutora:

CEGO NÃO É QUEM AVANÇA POR SEUS PASSOS,

MAS QUEM QUE POR MAIS QUE ANDE

NÃO VAI A LUGAR ALGUM.

 

- Palermo, o senhor é casado?

- Às vezes.

- Como?

- Casamento me deixa triste e solitário.

A doutora desandou a falar do marido. Um traste, comunistinha desocupado.

- Vive às minhas custas. O filho da mãe se exibe pras garotinhas,

enquanto posa de intelectual marxista.

Que papo é esse - pensei - o que isso tem a ver com minha frágil saúde?

Olhava pro meu braço e percebia que as feridas e bolhas simplesmente estavam sumindo.

- No que o senhor trabalha? Ou é um desocupado, igual ao meu marido?

- Eu escrevo umas histórias.

- Tem livros publicados?                                                                                   

- Ainda não criei coragem pra buscar uma editora. Não sei se minha obra tem qualidade.

- Acho que entendi.

A doutora apontou pra frase na parede, às suas costas.

- Leia isso e tire tuas conclusões. Ah... o senhor é um sujeito imaginativo,

a ponto de acreditar que foi ferido mortalmente por uma taturana hehehe.

 

Caí numa armadilha. As frenéticas taturanas de jaleco deitaram e rolaram

pra cima deste pobre poeta... Eu mereço.

 

Assim que saí do posto de saúde avistei um pátio com arvores e um gramado.

Abri o saco e libertei a pobre lagarta verde.

 

(B. B. Palermo)

 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...