domingo, 24 de junho de 2012

Canções da rua

Me chamas contraditório, e com razão. Me detenho para dizer que não precisamos falar muito, precisamos agora ouvir.
Queremos roubar todo o tempo do mundo para que ouçam nossos lamurios, que não digam nada, apenas “sim”.
Minhas canções noturnas são retalhos do caos diurno, nada mais do que canções que ninguém vai escutar. São meus sonhos mais ridículos em busca da redenção.
Falta vontade a nossos ouvidos, falta despertador no coração. Falta cantar a rua, sentir a lua, lembrar todos os dias do pôr-do-sol.
Sou contraditório porque não consigo te escutar, apenas quero ser ouvido, nesses meus gritos de terror. As batidas são estrelas noturnas, no velho ritmo que pede amor.
Em minha rede de verão pretendo mudar o mundo. Daqui eu me divirto, dissertando sobre o riso e a dor. Falo do silêncio enquanto grito, tudo quero escutar com meu tambor.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Isto é um poema - Jean-Pierre Siméon


Um poema
É quando a gente sente o céu na boca,
é quente como um pão
que se come e nunca termina.

Um poema
é quando a gente escuta
bater o coração das pedras,
quando as palavras batem asas,
é uma canção na prisão.

Um poema
são palavras de ponta-cabeça
e, opa!, o mundo fica novo.

sábado, 16 de junho de 2012

Operação "Eu resolvo!"

Ultimamente, venho quebrando a cabeça com as seguintes reflexões:

Árvore sente dor? Por que árvore insiste em brotar depois de podada? De onde vem essa vontade da árvore viver? Por que quanto mais alta mais frágil a árvore fica diante dos desafios do tempo?
Vou logo avisando de que não me satisfaço com as respostas da biologia e de outras ciências naturais.
A meteorologia está prevendo temporais para Ijuí e região nos próximos dias – o clima está destemperado, até parece imitar nossos conflitos sociais. No espaço de uma semana, a temperatura oscilou entre zero e trinta graus, mesmo que o calendário marque início do inverno para semana que vem.

Não consigo dormir tranquilo e o motivo não é apenas o tempo ou a onda de assaltos e mortes em nossa cidade. O verdadeiro motivo é uma árvore enorme no meu quintal, que está “doente”– seu maior galho foi dilacerado por um vendaval em outubro de 2010 e, diante de qualquer ventania, ela ameaça desabar sobre minha cabeça.
Manifesto preocupação com meus amigos, e aí começa o segundo capítulo da novela.
Cada um tem uma opinião diferente a respeito de como matar e esquartejar uma canafístula com mais de trinta anos e vinte metros de altura.
Eis que entra em cena um amigo filósofo que, desde sua infância, sobe nas árvores, poda as árvores dos quintais da sua família, amigos e vizinhos, e inclusive árvores do pátio da casa de sua sogra.
Meu amigo, que eu identifico como “Eu resolvo”, foi incisivo na sua avaliação do atual estado das coisas, quando se postou pensativo debaixo da canafístula.
Observou a disposição dos seus galhos próximos do meu telhado e do telhado do vizinho, fez cálculos, filosofou sobre cordas, serrotes e cinto de proteção para não despencar de lá de cima...
Foi categórico na avaliação: “Pode deixar que eu resolvo”, e pela metade do preço cobrado por um “profissional” em árvores, lenhas para fogões e lareiras e outros assemelhados.


Ontem de tarde, enquanto eu estava na escola disciplinado crianças e adolescentes, meu amigo foi executar a primeira parte da empreitada: cortar os galhos mais altos, usando cordas, para evitar que esses galhos caíssem sobre os telhados das casas. Liguei para ele algumas vezes durante a operação, mas seu celular estava desligado.
Eis que a tardinha recebo um torpedo seu:
“Fui lá + não deu e certo".
 Logo após receber sua mensagem, ligo para ele, mas o celular está desligado. E permanece desligado durante a noite e no dia seguinte, no caso, hoje.
Depois de uma noite mal dormida e com a previsão de furacões e vendavais para Ijuí e região, não resisto e mando para meu amigo “Eu resolvo” a seguinte mensagem:
“Tchê, tu desistiu da árvore? A meteorologia tá marcando um vendaval p Ijui. Meu vizinho tá nervoso. Abç”.
***


Observo as mais variadas opiniões dos leitores sobre os acontecimentos violentos que se sucedem em nossa cidade. Boa parte delas segue a mesma postura (ou tem a mesma pretensão) do meu amigo, a respeito da sua solução:
“Eu resolvo”, ou “Se fosse eu, saberia como resolver”.
Acompanho o futebol e vejo que as opiniões dos torcedores, com relação aos problemas dos seus times, segue a mesma lógica: 99% emoção e 1% razão.
Meus amigos, como vou saber qual a melhor solução para reprimir o crime e a vigilância das ruas, como posso saber qual a melhor solução para os problemas de minha cidade, se não consigo resolver o problema da canafístula do meu quintal que, a cada novo temporal, dilacera meu sono e enche de medo e de pesadelos a mim e a meu vizinho?


segunda-feira, 11 de junho de 2012

Construção - Martha Medeiros


Gosto demais do Fabricio Carpinejar, de quem tenho o privilégio de ser amiga. E é para prestigiá-lo que abro essa crônica com uma citação extraída da ótima entrevista que ele deu para a revista Joyce Pascowitch: “O início da paixão é estratosférico, as pessoas não param quietas exibindo tudo que podem fazer. Depois passam a confessar o que realmente querem. A paixão é mentir tudo o que você não é. O amor é começar a dizer a verdade”.

É mais ou menos isso. No começo, a sedução é despudorada, inclui, não diria mentiras, mas um esforço de conquista, uma demonstração quase acrobática de entusiasmo, necessidade de estar sempre junto, de falarem-se várias vezes por dia, de transar dia sim, outro também. A paixão nos aparta da realidade, é um período em que criamos um universo paralelo, é uma festa a dois em que, lógico, há sustos, brigas, desacordos, mas tudo na tentativa de se preparar para algo muito maior. O amor.

É aí que a cobra fuma. A paixão é para todos, o amor é para poucos. Paixão é estágio, amor é profissionalização. Paixão é para ser sentida; o amor, além de ser sentido, precisa ser pensado. Por isso tem menos prestígio que a paixão, pois parece burocrático, um sentimento adulto demais, e quem quer deixar de ser adolescente?

A paixão não dura, só o amor pode ser eterno. Claro que alguns casais conseguem atingir o Éden – amarem-se apaixonadamente a vida inteira, sem distinção das duas “eras” sentimentais. Mas, para a maioria, chega o momento em que o êxtase dá lugar a uma relação mais calma, menos tórrida, quando as fantasias são substituídas pela realidade: afinal, o que se construiu durante aquele frenesi do início? Uma estrutura sólida ou um castelo de areia?

Quando a paixão e o sexo perdem a intensidade é que aparecem os pilares que sustentam a história – caso existam. O que alicerça de fato um relacionamento são as afinidades (não podem ser raras), as visões de mundo (não podem ser radicalmente opostas), a cumplicidade (o entendimento tem que ser quase telepático), a parceria (dois solitários não formam um casal), a alegria do compartilhamento (um não pode ser o inferno do outro), a admiração mútua (críticas não podem ser mais frequentes que elogios), e principalmente, a amizade (sem boas conversas, não há futuro). Compatibilidade plena é delírio, não existe, mas o amor requer ao menos uns 65% de consistência, senão o castelo vem abaixo.

O grande desafio dos casais é quando começa a migração do namoro para algo mais perene, que não precisa ser oficializado ou ter a obrigação de durar para sempre, mas que não pode continuar sendo frágil. Claro que todos querem se apaixonar, não há momento da vida mais vibrante. Mas que as “mentirinhas” sedutoras do início tenham a sorte de evoluir até se transformarem em verdades inabaláveis.

Jornal Zero Hora - 10 junho 2012

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Às vezes tiramos o time de campo...

No decorrer de nossa vida, realizamos diversificadas performances – sérias e lúdicas... Algumas vezes adotamos opinião discordante, noutras vezes consentimos calados, e outras vezes não abrimos mão de uma postura verbal irônica. Podemos ser duros como uma pedra, ou decidir encarar a tudo com intensidade, inclusive prazeres e amores. Claro, há o risco de nossas convicções, meio explosivas, se chocarem contra o “bom” senso comum que nos comprime, simpático à “normalidade” da política da boa vizinhança e do politicamente correto.

Considero mais cômicas do que trágicas as pessoas que não perdem de vista a “verdade”. Mas por causa do exagero, os que as cercam vão concebê-la, na maioria das vezes, como “dura”, “doída”.
É que demoramos para perceber que o nosso jogo oscila entre os pólos do excesso e da falta.
Em algum momento todos nós, por várias razões, confundimos as coisas – as metas, os alvos – e agimos de maneira meio que inconsciente, como por exemplo na nossa relação com a comida e a bebida.
Nos confundimos também na ciranda das emoções, às vezes as super-dimensionamos, outras vezes as trancafiamos, para que não denunciem nossa fragilidade.

Com o perdão dos físicos, com o passar dos anos a vida nos debita o seu preço, que é o risco de sermos tragados por buracos negros. Não falo apenas dos lapsos de memória cotidianos, mas também das perdas mais dolorosas, como ter que conviver com a perda (definitiva) de mais um amigo. Para nosso consolo, nessas horas garimpamos histórias suas bem humoradas, e dizemos que eles sabem, lá “de cima”, quem de nós será o próximo – já que “acreditamos” que, do outro lado, as verdades são absolutas, tanto a respeito do que foi e do que será.

E a depressão, que buraco negro é esse que, de uma hora para outra, se acerca de qualquer um de nós? Quem está preparado para enfrentá-la, se ela se aproximar e tentar nos seduzir? Conhecemos pessoas que, aos olhos da sociedade, são estudiosas, carreira profissional bem-sucedida, dispostas, alegres e, de um momento para o outro, têm o barco de sua vida à deriva, como numa enchente medonha, ao atravessar de balsa o rio...
Águas agitadas, sem direção previsível, sem critérios valorativos. Eis a depressão, esse rio que transborda sem aviso prévio, e que nos leva de arrasto (sendo o seu preço roubar nosso rastro).
Esse rio que, desde nossa infância, tem uma paisagem tranquila, a de escorrer sereno, numa harmonia entre o leito e as margens – afora algumas enchentes... Afinal, quem não teve seus “traumas”?
Crescemos e precisamos atravessá-lo, deixá-lo para trás. Cordão umbilical cortado, do outro lado da margem quase não temos tempo para despedidas, precisamos sobreviver às novas etapas – urgentes, no caso da maioria de nós: trabalhar para poder estudar, e alcançar uma condição social melhor da de nossos pais.

O retorno ao lar, a infância, nem sempre é tranqüilo. O monstro pode se remexer no fundo do rio – e o ditado diz que as águas paradas são as mais surpreendentes...

Rio à parte, temos que tocar a vida do jeito que dá. O rio, indiferente, continua a passar e nos mostra, do alto de sua sabedoria, que está sempre a passar, sem nunca se repetir. Nós é que temos que jogar, ladeados pela vida e sua outra face, a morte.

Enredados, aprendemos a jogar, ou não, em meio ao jogo. Não há pré-jogo ou pré-temporada. Uns, de um jeito surpreendente, viram o jogo no final, outros desistem já no primeiro tempo. Às vezes perde-se nos acréscimos, enquanto outros jogos são bruscamente interrompidos.
Qual outra opção, além de jogar e jogar? Não existe fórmula pronta, apesar de tanta literatura de auto-ajuda.

Ah, temos sim outra opção, consciente ou não: tirar o time de campo. E podemos usar alguns argumentos para justificar isso: “Viver dói demais”, “não vale a pena pertencer a essa cultura que endeusa tais e tais valores...”, etc.
Mas tirar o time de campo não significa apenas o suicídio (aliás, como temos resistência em falar sobre esse fenômeno!).
Também tiramos o time de campo quando não estamos nem aí para as regras e preceitos que permitem melhorar nosso jogo – nosso e dos outros.
A pergunta que me faço, e que deixo para vocês, é a seguinte: nessa vida tão cheia de sutilezas e surpresas, quem de nós a cada novo dia não está optando por tirar o time de campo?

(Texto em homenagem ao amigo Pedro Dilkin, que faleceu no Domingo das Mães do ano de 2012).

domingo, 3 de junho de 2012

Pedro e o ponto de desequilíbrio - Carlos Silveira


O texto que segue é uma homenagem ao grande amigo Pedro Dilkin, que faleceu no domingo das Mães, 13 de maio de 2012, antes de ter completado cinco décadas de existência.




“Toda filosofia esconde também uma filosofia. Toda opinião é também um esconderijo. Toda palavra é também uma máscara.” Nietzsche

“O que é, é; o que não é, não é”. Esse princípio lógico de identidade não implica, necessariamente, a existência de um ponto de equilíbrio capaz de nos permitir a manutenção de nosso corpo – e alma? – em posição “normal”, sem oscilações ou desvios. A razoável harmonia em que possamos estar é altamente variável e depende de uma série de elementos, que se pensam e compensam mutuamente, para um precário autodomínio do todo.
Tal é o ser. Feito nós, como diria o poeta: “Feito anjo, meio ingênuo, meio bom, meio ruim, quase normal”.
Eis a hecceidade própria de cada indivíduo singular, concreto, determinado no tempo e no espaço.

Eis o Pedro, até o dia em que beijou o chão com o espírito desertor, saindo da vida para entrar na história. E fez-se literatura com A ilha da vida, ficção altamente autobiográfica, com suas convicções e certezas sobre a existência e a verdade. Tudo sob o amparo de Einstein, Kant, Nietzsche, Freud e Schopenhauer; o som de Os Futuristas, Cenair Maicá e Raul Seixas; e as lembranças sempre presentes de seus antigos amores, já há muito ausentes.

Com a vida por um fio, o equilibrista perdeu os movimentos, passou do ponto – e despencou. Quedou-se solitário em viagens imaginárias a um passado idealizado, abrindo mão dos princípios da realidade e do prazer: assim, nem se livrou dos pesares, nem se adaptou às exigências das necessidades.

Feito nós, e nós difíceis de desatar, ilhou-se mantendo uma tênue ligação peninsular com o social: pela contrição devotada a alguns “bares da vida” (como diria o Milton, “todo artista deve ir aonde o povo está"); pelas idas (ultimamente, esparsas) aos jogos do E. C. São Luiz e à Affi (Associação dos Funcionários da Fidene); pela montagem domiciliar de um sebo (livros e vinis) e de uma “radioteca” com aparelhos antigos, todos em intocável sintonia com a Rádio Guaíba pré-Universal); pelo amor incondicional ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a um Partido dos Trabalhadores ainda impoluto, aos quais defendia, literalmente, com unhas e dentes; pelo acolhimento, sempre irrestrito e carinhoso, a cada cão abandonado que batia à sua porta, ajudando-o a afugentar a solidão e acordar a vizinhança (não sem algum incômodo e um tanto de contrariedade).

Eis o Pedro, Dilkin, que, após quase trinta anos de Ijuí, no Domingo das Mães, dia 12 de maio/2012, tomou a Barca do Adeus e foi despertar a dona Frida em São João do Oeste/SC. Ancorado na Linha Medianeira, onde nasceu, agora, por ora, não mais o Uruguai nos une, mas um Oceano nos separa, pra que todos saibam que morrer é compulsório e viver é opcional.
Segue o Pedro talvez inconsolável a perguntar “Pra que lado este mundo vai?”, na esperança de que um dia a ciência e nossa impotência (individual e institucional) possam dar um fim ao “mal do século” (a depressão), causador, ao menos em grande parte, do naufrágio de seu inafundável Titanic. E nós, cegos, em nossos esconderijos de ou sem palavras, seguimos em nossa posição de descanso, e não de sentido, ante as ilusórias reflexões/refrações de nossos espelhos, teimando em sermos caricaturas (permanências) e não metamorfoses. E nosso ponto de desequilíbrio a advertir-nos do perigo de andar na contramão, por incompreendermos que a tragédia humana não é a morte, mas a indiferença com a vida – pão que se deveria repartir de forma imediata e milagrosa.

Novo homem!

  Grãos de areia interditaram meus olhos nesta quarta-feira de tarde, bastou umas calcinhas no varal tomarem banho de sol e ousarem ...