Atravessava a faixa de segurança
na avenida
e ela vinha toda séria
no seu carro esportivo.
Olhos nos olhos, tentei adivinhar
se ela afundaria o pé no acelerador
ou no freio.
Ela me encarou com um semblante
de quem sofre de azia
e má digestão.
Eu sei, meu bem, não sou remédio
para teus sentimentos gástricos.
Meu coração condicionou-se a pulsar
com altas doses de álcool,
e está soterrado em geleiras
surreais.
Todo dia procuro compreender
meus sentimentos,
os quais vêm ao mundo
com ânsia de vômito,
confundo real com imaginário
e me atraco com umas garotas
que posam nuas para fotos
compartilhadas no Whatts.
Tão próximas e tão distantes
da embriaguez imaginativa do Cadelão.
Elas passeiam tranquilas
pelas minhas faixas de segurança,
é um caminho seguro, garanto, embora invisível.
Peitos, bundas e vaginas
circulam pela Internet e me chamam,
como se fossem fogos em dia de quermesse,
eriçando os ideais perversos
da multidão.
Mas isso pouco importa.
Quero falar de meus planos,
quero ouvir amenidades e, por Deus!,
quero encontrar soluções para todas as crises
que o planeta atravessa,
inclusive a crise ambiental.
Gosto de enganar e ser enganado.
Falo falo de meus planos de futuro
e nem percebo que os ouvidos
que me cercam e bebem comigo
não estão nem aí.
Meu desejo de consumo, eu sei,
é evaporar
nessas nuvens
de neblina
da opinião.
(B. B. Palermo)