segunda-feira, 20 de julho de 2020

Eu também sou sentimental



Beiço trocou áudios comigo pelo Whats, estava mal, ouvia Nelson Ned, "Eu também sou sentimental". Dizia, naquela voz deprimida, que sua vida tinha acabado. Agora sim a namo terminou de vez.
Meu amigo profetizou que o único sentido agora era viver uma jornada heroica, a derradeira, abraçado numa garrafa de uísque, sempre... sempre... indo pro fim...
Quis saber do puteiro da Janete, se funcionava nesses dias. E se o traveco da Janusa indicaria uma princesa jovem e cheirosa, e carinhosa, pra ficar com ele. E me chamava até sua casa pra desabafar.
Disse-lhe que há duas semanas não conversava com a Janete. Estava de mal com ela. Da última vez riu de minha cara, e eu fiquei realmente puto. Veja bem, Beiço, eu estava bêbado e portanto sem o domínio de minhas faculdades mentais, e nesse estado propus ser o "provador de puta" da casa, garanti que não exigiria carteira assinada nem salário, apenas umas bebidas e uma garota pra dormir comigo no final da noite.
E o Beiço enviando uma carrada de áudios. Acho que nem escutava os que eu mandava de volta. Parecia um Fórmula Um brigando pra chegar em primeiro. Pisava tanto, que intui que o pobre só queria alguém pra lhe dar atenção, como criança mimada.
Me senti no dever de sentar com ele e, além de sugar umas doses, ouvir suas queixas... Fazer o papel de "psicólogo" - dizem que é até fácil escutar esses malucos, basta ler uns teóricos da área... e ouvir sem dizer nada... Se tu disser algo, isso pode fazer estragos no pobre que está narrando suas caraminholas.

Beiço disse "Tô mandando um Uber, é um cara que faz umas corridas pra mim. Chega em 10 minutos".
Bah,  poucos minutos depois estacionou um carro ali na rua. Não era o paliozinho, do sujeito do Uber. Era um carro preto, comprido, de funerária. Um sujeito desceu, solene, com aquele ar e roupa fúnebre, e veio pros lados de minha casa.
- É aqui que mora o Sr. Palermo?
- O que se passa, meu senhor?
- Um cara, que disse ser teu amigo, pediu vir neste endereço resgatar um corpo.
- Corpo?
- Sim. Um finado, que a city conhece pela alcunha de Cadelão.
Puta merda... Hum... pensei... Não acredito que o filho da puta do Beiço me aprontou essa.
Dispensei o sujeito da funerária e mandei que cobrasse a corrida do Beiço. O cara insistiu pra que eu pagasse o deslocamento, então falei "como tu acha que um pobre morto iria te pagar?".
Fique tenso como um peido engarrafado no trânsito.

Não tive saída senão pedir pro Maneta fazer uma corrida.
Já falei, sou meio psicólogo, também tenho qualidades, principalmente com os amigos. Quando eles estão fodidos, pra baixo, eu ouço quietinho e cuido pra não rir ou debochar das M que eles falam.
Essa atitude do Beiço para com minha pessoa só mostrou como ele andava mal.
Quando o papo desses "pacientes ou clientes" me parece engraçado ou criativo, eu gravo no celular - nunca se sabe, pode ser que uma hora dessas um áudio qualquer me inspire alguma história.

Maneta topou fazer a corrida, depois que jurei pagar na semana que vem a conta atrasada no seu bar.
Enquanto dirigia, eu filosofava com meus botões a real da coisa: será que no dia em que meu corpo meio podre for resgatado do cafofo por um carro funerário, minha alma ou espírito assistirá de camarote tal evento?
Maneta não parava de falar. Das reformas que faria no seu bar. Das 3 carpas que fisgou no pesque-pague. De que vai se separar de sua mulher ranhenta, e depois vai contratar umas gurias pra trabalhar no bar, como chamarisco dos clientes, e eu ia ajudar a encontrar essas putas, porque conheço como funciona, vivo camangueando pela cidade. E Maneta jurou que, se não conseguir largar o vício pelo poker virtual, vai pegar um martelo e vai fazer picadinho do seu celular.
O papo me despertou uns enjoos, então pensei, Se o infeliz não fechar a matraca, ainda vou vomitar no painel dessa bosta!
Chegamos na casa do Beiço e nada. Deduzi que o infeliz estava no puteiro da Janete. Fomos pra lá. No caminho, eu só pensava em como limpar meu "cartaz" com a dona...
depois daquele fiasco, de querer comer de graça as gordas da sua boate.
Chegamos, e a sorte é que a jukebox não tocava músicas das bem antigas. Estávamos livres do Nelson Ned. Mas não fez muita diferença. Beiço botou pra rodar todas as românticas do Roberto Carlos e do Amado batista. Merda. São essas músicas que amaciam o coração da Janete.
Caminhei na direção do Beiço e indaguei:
- Velho, que foi aquilo, um carro funerário na frente de minha casa...
O FDP se saiu com essa:
- Do que tu tá falando, Cadelão, tu ficou louco?

Não, não, não... E a janete nem me notou por ali, estava de beijos e abraços com um granjeiro que chegou numa Hilux novinha. O Amado batista derretendo o coração das gurias, e o Beiço rindo de minha cara... Eu sou muito fodido... E me achando psicólogo... Não, não, não...eu mereço...

(B. B. Palermo)


sábado, 4 de julho de 2020

Eu não consigo satisfazer suas loucuradas masoquistas

Ouvi dela uma história estonteante,

me fascinou até as últimas doses,

necessárias pra não me desequilibrar

do seu raciocínio.

Dores iniciavam na cabeça e desciam pelo braço

e retorciam as unhas dos dedos,

depois reviravam os intestinos

e subiam, subiam até o coração,

e este chorava, tamanha a aflição.

As dores não  paravam nesse inesgotável

e indispensável companheiro:

subiam mais e mais e alcançavam o cérebro,

e o miserável suava goteiras,

como se fosse uma calha em dia de tempestade,

e o som das gotas se chocando no solo

rememorava os invernos de sua infância.

 

A caminho do bar, lembro de sua narrativa,

e estou convencido de que, comparada a tantas loucas e bêbadas,

ela tem algo a dizer.

Não sou psiquiatra,

em vez de diagnósticos

rabisco umas frases ou versos.

Curtiria ser terapeuta para ouvir as histórias dessas beldades,

sejam delírios ou não,

mas gostaria que tocasse um blues de fundo musical e,

ao lado da poltrona, um drinque reforçado

e 3 pedras de gelo.

 

Ela queria impressionar na cama,

mas eu só pensava em suas dores,

receava que atingissem o mastro,

como se fossem DSTs das antigas,

e os vermes microscópicos poderiam corroer meu companheiro

como um câncer.

 

Vocês desejam poemas certinhos,

rimadinhos,

comportadinhos,

dizendo que a vida é bela,

e que todos alcançaremos sucesso e prosperidade.

Porém, tenho visto noticiário demais,

e estamos todos meio podres,

é uma corrupção deslavada que expulsa as rimas.

O terapeuta que assedia pacientes indefesas,

a socialite que se apropria do auxílio emergencial do governo

à população carente.

 

Não sinto a dor de cabeça da garota,

eu sinto o cheiro de carniça,

tudo está meio podre,

a carne descongelou faz uma semana

e está tomada de varejeiras.

 

Vocês me pedem um poema certinho,

algo como um discurso de autoajuda,

que dá dinheiro pro autor,

mas não garante prosperidade a ninguém.

 

Não posso olhar postagens no Facebook.

A última que vi, uma puta compartilhou selfies daquele jeito:

como não sabia o que fazer com a boca,

fez aquele biquinho ridículo.

 

As dores da garota não foram as primeiras peculiaridades

a causarem espanto.

Certo dia, bêbada, no meio de uma trepada, enquanto eu estava sóbrio,

pediu pra que batesse... no rosto, no rabo...

Fiquei sem ação, nunca cogitei "agredir" uma garota

para satisfazer sua fantasia masoquista...

(sádico eu? Acho que não...)

Então me convenci de que  precisava ouvir suas histórias,

talvez compreendesse o motor dessas loucuradas.

Quem sabe suas narrativas aliviassem o espírito atormentado.

 

Mesmo com a luz do quarto acesa,

ela utilizava a lanterna do celular

para espionar os cantos mais escuros do quarto,

não sei se tinha pavor de baratas ou aranhas,

ou de monstros imaginários.

Fitava a lâmpada no teto e dizia que ela piscava

e que logo ficaríamos sem energia.

Eu pensava, "Acho que o excesso de bebida

está extraviando a luz do seu juízo".

Daí a pouco ela tomava o pulso e verificava

a quantidade de batidas por minuto,

e pedia vinho, dizendo:

"Ao contrário da quantidade de cachaça

que tu consome, o vinho baixa a pressão".

Eu apenas rosnava:

"Tá, e alguém aqui está preocupado com a pressão, sua doidinha?".

Então ela apanhava minhas mãos e dizia:

"Tu notou que tuas mãos tremem?".

Eu dava de ombros e balbuciava qualquer coisa,

acho que relacionado com as condições climáticas adversas

do mês de julho.

 

Ontem demorei pra dormir.

Pensava o tempo todo em como lhe dar prazer sexual

sem utilizar meios não convencionais

e politicamente incorretos.


(B. B. Palermo)

 


O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...